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Parte II Os Continuadores da Obra Apostólica

Capítulo 9 Timóteo e Tito: Bispos?

Timóteo e Tito: Bispos?

T

em sido argum entado que em bora os presbíteros tenhamsido colocados como os líderes das igrejas cristãs, eles es­ tavam debaixo da liderança dos apóstolos, a princípio, e, depois, de delegados apostólicos ou bispos, que se tornaram p oste­ riorm ente os sucessores dos apóstolos. De acordo com esta linha de pensam ento, o modelo de um bispo supervisionando igrejas onde existem presbíteros, já se percebe no período apostólico. Com o tal, deveria ser o modelo adotado pelas igrejas cristãs em todas as épo­ cas. E sta reivindicação é geralmente feita pelas igrejas episcopais, anglicanas, luteranas, O rto d o xa oriental (grega) e, num certo senti­ do, pela Igreja católica Rom ana, a qual se baseia no conceito de uma série ininterrupta de homens que foram ordenados pelos próprios apóstolos e depois pelos seus sucessores, e assim por diante, até os nossos dias.1

1 Embora nem todas estas reividiquem que seus bispos sejam sucessores diretos dos apóstolos, como por exemplo, os bispos das igrejas luteranas até 1884. Cf. Cross, Oxford Dictionary, 211.

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A reivindicação do moderno movimento neopentecostal de res­ tauração apostólica, chamada de “nova reforma apostólica”, todavia, não apela para este tipo de sucessão. Os modernos apóstolos não se veem numa linhagem de descendência histórica que tem sua origem nos doze e em Paulo, como os bispos da Igreja O rtodoxa Grega ou o Papa. Para eles, existem apóstolos hoje pelo simples fato de que Deus sempre quis e que esses são como os doze e Paulo. Segundo afirmam, é um dom, um ofício, um ministério permanente, que Deus está, ou­ tra vez, levantando na igreja.

Contudo, a questão da sucessão apostólica, por meio de bispos ou de outros apóstolos, é crucial para avaliarmos a legitimidade de termos apóstolos hoje. Pois, se verificarmos que os apóstolos não pretenderam deixar substitutos ou sucessores, quer por meio de substituição (nomea­ ção de outros para substituir os que morreram) ou sucessão (transmissão do cargo a outros com poderes para continuar transmitindo a mais ou­ tros, e assim, sucessivamente) fica evidente que, tanto a reivindicação dos bispos e do Papa que se consideram sucessores apostólicos, quanto dos apóstolos neopentecostais modernos que se consideram iguais aos doze e Paulo, é abusiva.

A discussão exegética em torno da sucessão apostólica gira em torno de diversos pontos, sendo o mais importante o papel de Timóteo e Tito encontrados no livro de Atos e nas Cartas Pastorais (1 e 2 Timóteo e T ito). Conforme estas fontes, Paulo enviou Timóteo e Tito para orga­ nizar as igrejas de Éfeso e de Creta e lá estabelecer presbíteros. Alguns concluem deste fato que Timóteo e Tito estariam numa posição superior àquela dos presbíteros, como delegados ou prepostos apostólicos, com autoridade sobre eles. Eles teriam sido os primeiros bispos e, como tal, se tornaram os precursores dos bispos monásticos que se desenvolveram no período pós-apostólico, os quais se tornaram, por sua vez, os sucessores dos apóstolos na igreja cristã até nossos dias.2

2 Para uma defesa clássica, clara e suscinta desta posição, veja J. J. Oosterzee, 1 & 2 Timothy em Lange, 16-2

Timothy, 37. Aos interessados em pesquisar mais a fundo a defesa da sucessão de bispos, sugiro: Arthur W. Haddan, Apostolical succession in the Church o f England (London; Rivingtons; New York: P ott and Amery, 1870); Charles Gore, The Church and the Ministry, 4th ed. (London, New York: Longmans, Green, and Co.,

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A s m issões de T im óteo e T ito

Timóteo, de fato, fazia parte do grupo de obreiros ao redor de Paulo (cf. A t 1 7 .1 4 -1 5 ; 18.5; 2 0 .4 ; Rm 1 6.21) e, eventualmente, era enviado por ele em missão às igrejas fundadas pelo apóstolo. Paulo o enviou à Macedonia, mais especificamente a Corinto, com Erasto, para preparar a sua chegada, lembrar aos coríntios dos caminhos de Paulo e adiantar o le­ vantamento das ofertas para os crentes da Judeia (A t 19 .2 2 ; cf. IC o 4 .1 7 ; 1 6 .1 0 ). Enviou-o aos crentes de Tessalônica com notícias suas, para con­ firmá-los na fé e trazer informações quanto ao estado da recém-formada igreja, que se encontrava sob perseguição (lT s 3 .1 -3 ). Planejava enviá-lo à igreja de Filipos, para obter notícias da igreja (Fp 2 .1 9 ). E , finalmente, o deixou em Éfeso para tomar emergencialmente as providências necessá­ rias para organizar a igreja ali e enfrentar os falsos mestres que estavam se infiltrando na comunidade (lT m 1 .1-7). Paulo pretendia ir pessoalmen­ te a Éfeso para atender a esses assuntos, mas, como havia a possibilidade de demorar-se, escreveu-lhe uma carta sobre como proceder na igreja (lT m 3 .1 4 -1 5 ). Quando Paulo escreveu a sua segunda carta a Timóteo, este provavelmente ainda estava em Éfeso.3

Tito foi enviado por Paulo especialmente à igreja de Corinto, no período de tensão entre aqueles crentes e o apóstolo. Tito foi encarregado de levar a eles uma mensagem de Paulo que aparentemente foi bem re­ cebida (2C o 2 .3 -4 ,1 3 ; 7 .6 -1 6 ). Mais adiante, Paulo envia Tito outra vez a Corinto, desta feita para administrar as contribuições da igreja para os pobres de Jerusalém (2C o 8 .1 6 -2 4 ). Tito foi depois enviado por Paulo a Creta para designar presbíteros, refutar falsos mestres e instruir a igreja

1900) - esta obra se tornou a defesa padrão da sucessão apostólica entre os anglicanos; ver também o ensaio de C. H . Turner em Henry Barclay Swete, Essays on the Early History o f the Church and the Ministry, by Vari­

ous W riters (London: Macmillan and Co., Limited, 1918); Kenneth E . Kirk, The Apostolic Ministry (London: Hodder & Stoughton Limited, 1946); Arnold Ehrhardt, The Apostolic Succession in the First Two Centuries

o f the Church (London: Lutterworth Press, 1953); William Telfer, The Office o f a Bishop (London: Darton, Longman & Todd, 1962), pp. 1 0 7 -1 2 0 ; W . Palmer, Treatise on the Church o f Christ ( 1838). Este último serviu de inspiração para o movimento de Oxford (final do séc. 19) que buscava reaver a doutrina da sucessão dos bispos dentro das igrejas anglicanas,

3 Cf. Thomas D. Lea and Hayne P. Griffin, 1, 2 Timothy, Titus, vol. 34, The New American Commentary (Nashville: Broadman & Holman Publishers, 1992), 52. Também Oosterzee, 1 & 2 Timothy, 9-10.

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apóstolos - a verdade bíblica sobre o apostolado

(T t 1.5,13; 2 .1 5 ). E, mais tarde, parece que Paulo o enviou em missão a Dalmácia (2T m 4 .1 0 ).4

O que chama a atenção é que a missão de Timóteo em Êfeso e a de Tito em Creta incluía, entre outras coisas, constituir presbíteros pela imposição de mãos (T t 1.5; lT m 3.1 -2 ; 5.2 2 ), cuidar para que os presbí­ teros recebessem justo salário (lT m 5.17), julgar denúncias contra eles e aplicar-lhes disciplina (lT m 5 .1 9 -2 0 ) e treinar homens que pudessem transmitir a outros a doutrina apostólica (2T m 2 .2 ). Não é de se estra­ nhar, portanto, que alguns defendam que Timóteo e Tito estavam numa categoria superior a dos presbíteros e inferior aos apóstolos, servindo, portanto, como os seus legítimos sucessores. Alguns escritores do pe­ ríodo pós-apostólico dizem que Timóteo se tornou o primeiro bispo de Éfeso e Tito, o primeiro bispo de Creta.5

Vejamos então alguns dos argumentos mais comuns para defender a sucessão apostólica por meio de bispos, tendo Timóteo e Tito como os primeiros de uma série ininterrupta até nossos dias.6

Iminência da morte de Paulo

Argumenta-se que seria perfeitamente natural para Paulo, sabendo que seu tempo de partida estava próximo, deixar Timóteo e Tito como presidentes das igrejas de Éfeso e Creta, para garantir a sua correta admi­ nistração.7 Deste ponto de vista, as Cartas Pastorais (1 e 2Timóteo e Tito) seriam como uma espécie de manual eclesiástico, um legado de Paulo para eles, como bispos. Como Lutero afirmou: “S. Paulo escreve esta carta [lT i- móteo] como um modelo para todos os Bispos, o que eles devem ensinar, e como eles devem governar a igreja cristã em todas as circunstâncias”.8

4 Oosterzee, 1 & 2 Timothy, 53.

5 Eusébio d iz na sua História Eclesiástica (3.11) que Timóteo, bispo de Éfeso, morreu martirizado ali. 6 Seria pretensão tentar esgotar aqui os argumentos contra e a favor da sucessão apostólica por meio de bispos, uma discussão que dura desde o tempo da Reforma até nossos dias, e que tem gerado uma vasta literatura. M eu alvo é apenas mostrar os argumentos de ambos os lados e porque eu creio que os argumentos contra a sucessão apostólica por meio de bispos são mais convincentes.

7 Como defende Jamieson, Commentary, na Introdução às Pastorais. 8 Citado por Oosterzee, 1 & 2 Timothy, 11.

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Todavia, não há qualquer indicação de que Paulo estava pressiona­ do pela iminência de sua morte quando escreveu lTim óteo e Tito, as duas cartas mais importantes para esta questão da sucessão apostólica, N a verdade, ele estava fazendo planos para passar o inverno em Nicó- polis (T t 3,1 2 ). E somente em 2Tim óteo — que tem pouca relevância para este assunto - que ele manifesta claramente a consciência de que seu tempo havia chegado (2T m 4 .6 -8 ). O envio de Timóteo e Tito para Éfeso e Creta, respectivamente, se deu pelas necessidades emergenciais daquelas igrejas, como veremos. Por isso, as Epístolas Pastorais devem ser vistas como orientações de Paulo a Timóteo e Tito, com o objetivo de ajudá-los a corrigir emergencialmente problemas de doutrina e prática nas igrejas de Éfeso e Creta.9

Este ponto fica evidente de duas passagens em lTim óteo:

Escrevo-te estas coisas, esperando ir ver-te em breve; para que, se eu tardar, fiques ciente de como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade (lT m 3 .14-15).

Até a minha chegada, aplica-te à leitura, à exortação, ao ensino (lT m 4 .1 3 ).

Duas coisas ficam claras destas palavras de Paulo. Primeira, que a função de Timóteo era temporária, até a chegada dele. Segundo, que ele deveria agir de acordo com as instruções que Paulo estava dando. Em outras palavras, Timóteo não representa um novo tipo de ofício, entre apóstolo e presbítero. Ele era, por assim dizer, um enviado de Paulo para atender a uma situação emergencial de uma igreja, enquanto o próprio Paulo não chegasse.

H á outro aspecto de lTim óteo a ser levado em conta, e que, por inferência, pode ser aplicado a Tito. De acordo com Calvino, lTim óteo parece ter sido escrita "mais por causa dos outros do que por causa de

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Timóteo”. Para Calvino, há muitas coisas na carta que seriam supérfluas se a intenção de Paulo fosse destiná-la somente a Timóteo. O que parece, segundo Calvino, é que esta carta tinha como alvo ser pública e servir de autorização para Timóteo fazer o seu trabalho. Diante do confronto com homens teimosos que se levantaram contra Timóteo em Éfeso, era preciso que “alguém maior que Timóteo se interpusesse". Desta forma, ao escrever a carta dando orientações a Timóteo, Paulo pretendeu, ao mes­ mo tempo, “instruir outros usando o nome de Timóteo".10 11

Assim, longe de serem manuais eclesiásticos com instruções para os bispos que haveríam de lhe suceder, Paulo escreve ITim oteo e Tito para orientar seus dois enviados especiais quanto ao que fazer em Éfe­ so e Creta, nas circunstâncias em que se encontravam. É claro que estas instruções, mesmo partindo de circunstâncias locais, contêm princípios universais para guiar as igrejas e seus presbíteros.

A ordenação de Timóteo

É argumentado que Timóteo havia sido ordenado pelo próprio Paulo, com imposição de mãos, como seu representante e eventual subs­ tituto (2T m 1.6), Por este motivo, ele veio a se tornar o primeiro bispo de Éfeso, depois da morte dos apóstolos.11 O mesmo teria acontecido com Tito, que se tornou bispo de Creta.

Assim, diz-se, o fato de que Tim óteo e T ito foram expressamen­ te ordenados pelo apóstolo Paulo para cuidar de assuntos das igrejas, fez com que, mais tarde, o ofício deles se elevasse acima daquele dos presbíteros. De acordo com Oosterzee, “não pode haver dúvida de que, com a ordenação de Tim óteo e T ito, uma nova ordem superior esta­ va se tornando a regra geral das igrejas, e isto com a permissão, senão pela própria ordenança, dos Apóstolos”. Segundo ele, o fato de que não há objeção alguma ao surgimento dos bispos diocesanos na literatu­

10 John Calvin and W illiam Pringle, Commentaries on the Epistles to Timothy, Titus, and Philemon (Belling' ham, W A : Logos Bible Software, 2010), 13.

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ra pós-apostólica indica que o direito dos bispos foi reconhecido por todos,12 Todavia, ainda que este ponto fosse inteiramente verdadeiro, sua importância é secundária, pois é sabido que os pais da igreja nem sempre foram fiéis ao ensinamento dos apóstolos. O scar Cullmann, por exemplo, no capítulo sobre “tradição”, em seu conhecido livro sobre a igreja primitiva, considera o ensino dos apóstolos como divinamente autorizado, mas considera a tradição eclesiástica, começando no século II como altamente não confiável. Para ele, somente o Novo Testamento é o depósito puro da tradição apostólica.13 O que nos serve de regra de fé e prática é o ensino dos apóstolos no Novo Testamento e não as opiniões dos cristãos no período pós-apostólico, ainda que estas sejam importantes e valiosas para nós.

Lembremos ainda que não há qualquer menção no Novo Testamen­ to de que Tito havia sido ordenado por Paulo. Quanto a Timóteo, Paulo menciona que o presbitério, isto é, o colegiado de presbíteros, havia im­ posto as mãos sobre ele, e que ele, Paulo, provavelmente estava presente na ocasião e tomou parte do evento: “Não te faças negligente para com o dom que há em ti, o qual te foi concedido mediante profecia, com a im­ posição das mãos do presbitério... te admoesto que reavives o dom de Deus que há em ti pela imposição das minhas mãos” (lT m 4 .1 4 ; 2T m 1.6, ênfase minha). A imposição de mãos sobre Timóteo da parte do presbitério e de Paulo, ocorrida provavelmente num mesmo evento, certamente foi para separá-lo para a obra que Deus o havia chamado e manifestado através de profecias, um procedimento similar ao que aconteceu com o próprio Pau­ lo, quando foi separado para a obra missionária com imposição de mãos (A t 1 3 .1 -3 ). Portanto, não há nada nestas passagens que apoie a ideia de que Paulo, sozinho e na sua condição de apóstolo, havia consagrado e ordenado Timóteo como bispo.

Aqui teremos de discordar da opinião de Calvino, que considera que Timóteo e Tito eram “evangelistas”, um ofício intermediário entre apóstolo e presbítero, que também era partilhado por outros como Lucas

12 Ibid., 37.

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e os setenta, ofício este que era temporário como o de apóstolo e profe­ ta,14 Parece-nos que falta evidência bíblica conclusiva de que “evangelista” fosse um ofício na igreja apostólica. O termo ocorre na lista de Efésios 4 .1 1 , onde Paulo menciona cinco tipos de pessoas que Deus deu à igreja para sua edificação. Já vimos, em nossa análise desta passagem, que não podemos classificar estas cinco pessoas em uma única categoria, como sendo dons, ministérios, ofícios ou funções, devido à enorme disparidade entre elas quanto à autoridade, revelação recebida, mobilidade, etc. Por­ tanto, não é claro que se trata de cinco ofícios e nem de cinco dons. O que traz essas cinco categorias juntas é o fato de que todas elas expressam ministérios que edificam a igreja mediante a Palavra.

A orientação de Paulo a Timóteo para fazer a obra de um evange­ lista (2T m 4 .5 ) não significa que Timóteo ocupava um ofício com este nome. Se evangelista fosse um ofício, o candidato mais provável seria Fi­ lipe, que é expressamente chamado de “o evangelista”. Contudo, sabemos que seu ofício era, na verdade, de diácono (A t 6 .1 -6 ). Ele é chamado de "evangelista” porque, mesmo sendo diácono, evangelizou as regiões da Ju ­ deia e de Samaria. Ele é o único no livro de Atos cuja atividade é descrita como "evangelizar” (cf. A t 8 .1 2 ,2 5 ,4 0 ). E era isto que Timóteo deveria fazer enquanto em Efeso, não somente cuidar das necessidades da igreja, mas também anunciar a palavra de Deus na cidade, evangelizando os moradores de Efeso.15

Penso que Lange está correto quando entende que Timóteo e Tito eram evangelistas no sentido de enviados de Paulo com uma missão espe- cial.“N ão se pode provar com certeza, destas epístolas, que eles [Timóteo e Tito] eram mais que apenas evangelistas."16 Conforme Lea e Hayne, “Paulo lhes deu plena autoridade, mas eles eram seus delegados em tarefa especial. Eles não eram pastores com residência permanente”.17

14 Cf. Calvin, Institutas, IV.iii.4. D a mesma opinião é Matthew Henry, (Commentary, 2350).

15 Lucas é o único que usa “evangelizar" também para descrever o ministério de Jesus de pregar o Evangelho, Lc 4.18; 20.1.

16 Lange, 1 & 2 Timothy, 37. 17 Lea, 1 , 2 Timothy, Titus, 4 9 - 5 0 .

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Poderes para ordenar presbíteros

Outro argumento comumente usado em defesa do episcopado de Timóteo e Tito é que ambos exerceram o mesmo poder de constituir presbíteros que Paulo tinha, quando ordenou presbíteros nas igrejas da Galácia (cf. Atos 1 4 .2 3 ).18 De acordo com os que defendem esta ideia, a doutrina da sucessão apostólica dos bispos fica clara do fato que Paulo se apresenta como apóstolo de Jesus Cristo (lT m 1.1; 2T m 1.1; T t 1.1), que ele delega autoridade a seu filho na fé, Timóteo, para ordenar presbíteros e diáconos pela imposição de mãos (lT m 3; 5 .2 2 ; T t 1.5; 2T m 2 .2 ).19

Contudo, escolher e ordenar diáconos era algo que já havia sido feito antes de Paulo (cf. A t 6 .1 -6 ; A t 1 1 .3 0 ). E , antes de escrever a Timóteo, ele já havia estabelecido presbíteros nas igrejas que fundava (A t 1 4 .2 3 ). A igreja de Êfeso já tinha presbíteros muito antes de Timóteo aparecer por lá, presbíteros que foram certamente nomeados debaixo da orientação de Paulo (A t 2 0 ,1 7 ). Portanto, não se pode dizer que Timóteo foi enviado a Éfeso para eleger presbíteros, mas para assegurar que a escolha e no­ meação de novos presbíteros fosse feita de acordo com os requerimentos que o cargo exigia (lT m 3 .1 -7 ).20 Em seguida, Timóteo deveria ordenar os escolhidos como presbíteros (lT m 5.2 2 ). Cabia-lhe receber denúncias contra os maus presbíteros e após averiguação, repreendê-los na presença de todos (lT m 5 .1 9 -2 0 ), e isto não sem a participação dos demais.

Tito recebeu a comissão de “constituir presbíteros” em cada cidade da ilha de Creta onde houvesse igrejas (T t 1.5), e isto dificilmente seria fei­ to por nomeação direta dele. Ele certamente seguiría o modelo de escolha de oficiais consagrado pelos doze, para as igrejas, na escolha dos sete diá­ conos (At 6.1-6), e por Paulo, na escolha dos presbíteros para as igrejas da Galácia (A t 14.23), a saber, eleição feita pelas igrejas e ordenação feita pelos apóstolos ou seu representante, como era o caso de Tito. De acor­

18 Jamieson, Commentary, na Introdução às Pastorais. 19 Cf. Spence-Jones, Galatians, 7.

2 0 O que sugere que os falsos mestres que estavam por lá tinham sido - ou eram ainda - presbíteros da igreja que haviam aderido a falsos ensinamentos e estavam causando transtornos na igreja.

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do com Calvino, em seu comentário nas cartas pastorais, "Paulo não lhe deu [a Tito] permissão para fazer isso sozinho, e colocar sobre as igrejas aqueles que ele julgasse em condições de serem bispos; ele apenas o orien­ ta a presidir, como moderador, as eleições, o que seria muito necessário”.21 Nas Institutas, Calvino desenvolve este tema mais detalhadamente. Seu ar­ gumento principal é que desde o início, a escolha de oficiais para a igreja nunca foi feita pela nomeação de uma única pessoa. Portanto, Paulo não estaria orientando os dois a nomear presbíteros para as igrejas conforme escolha pessoal deles.22 De fato, Matias e José foram primeiramente indica­ dos pelos discípulos de Jesus aos apóstolos como candidatos para substituir Judas, e depois houve um processo de escolha mediante o lançar sortes. Matias foi escolhido, não por nomeação de Pedro, mas por este processo em que houve a participação dos irmãos (A t 1 .23-26). Os diáconos foram

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