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CAPÍTULO 3 POLÍTICAS PÚBLICAS E MARCOS LEGAIS PARA

3.3 Os PCNs e a pluralidade cultural

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) são referenciais de qualidade para os Ensinos Fundamental e Médio do país elaborados pelo Governo Federal. O documento não tem força de lei, seu objetivo principal é oferecer subsídios a elaboração

e reelaboração dos currículos. Entretanto, os PCNs oferecem quase um ―dever ser‖, chegando, em alguns momentos, a oferecer um ―passo-a-passo‖ para uma educação de

qualidade. Ao mesmo tempo em que se apresentam como um conjunto de proposições flexíveis, alicerçadas no princípio da diversidade como um valor para a cidadania e para a democracia, demonstram a necessidade de catalisar a educação nacional num mesmo

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O início das críticas sistemáticas ao eurocentrismo no conhecimento histórico pode ser demarcado com a Escola dos Annales, sobretudo em sua 3ª geração. Ver: BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929- 1989): a Revolução Francesa da Historiografia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997.

referencial de qualidade11. Observa-se que a ênfase na ―medição‖, nos ―padrões‖ e nos

―indicadores‖ sugere uma noção de qualidade baseada no produto ou resultado

educacional, dando certo aspecto mercadológico à educação.

Cabe destacar que os PCNs, como instrumento de política educacional, são frutos do governo Fernando Henrique Cardoso. Este, segundo Cunha (1996), desde o início de seu governo, declarou a necessidade de introduzir um sistema de avaliação das escolas e de definir conteúdos curriculares para a educação básica, reforçando a idéia de ingerência do Executivo na Educação, tal como se pôde perceber no desfecho da aprovação da LDB.

No que se refere ao processo de elaboração dos PCNs, de acordo com Maranhão (2000), foram muitas as críticas de especialistas e pesquisadores da área educacional. Para estes, o Ministério da Educação e Desporto (MEC) não só tomou à frente dos trabalhos12, como não dialogou diretamente com os professores da educação básica. Embora, como estratégia discursiva no documento Introdução, o Ministro da Educação enuncie que os PCNs são frutos de um amplo debate com todos os profissionais da educação, idéia constantemente reiterada pela equipe de especialistas que participou do projeto.

Os PCNs para o ensino fundamental, divulgados pelo MEC, estão organizados em dois blocos. O primeiro conjunto é relativo aos ciclos iniciais (1ª a 4ª séries) do Ensino Fundamental, contendo orientações e conteúdos para as áreas curriculares de: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Conhecimentos Históricos e Geográficos; incluindo, também, temas nomeados transversais, pois devem perpassar o ensino em todas as áreas; além do documento de Introdução com a finalidade de apresentar o projeto e suas bases teóricas.

O segundo conjunto de documentos dos PCNs diz respeito aos terceiros e quarto ciclos (5ª a 8ª séries) do Ensino Fundamental e reúne orientações, objetivos e conteúdos para as áreas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte, Educação Física e Língua Estrangeira. Contém, também, o documento

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Ver: BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais Brasília: Secretária de Ensino Fundamental/MEC/UNESCO/PNUD, 1998.

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A versão preliminar dos PCNs para os anos iniciais do Ensino Fundamental foi apresentada antes da aprovação da LDB e antes mesmo que o governo divulgasse os resultados da pesquisa/relatório que ele mesmo havia encomendado à Fundação Carlos Chagas.

introdutório (Introdução) e o documento que aborda os Temas Transversais: Ética, Meio Ambiente, Orientação Sexual, Pluralidade Cultural, Saúde, Trabalho e Consumo.

Cabe, para fins deste trabalho, uma breve apreciação do texto referente à pluralidade cultural que, de maneira bastante recorrente, trabalha com conceitos e perspectivas ligados à diversidade e à pluralidade. É preciso destacar quais são os sentidos atribuídos à pluralidade cultural nesse documento.

Perpassa, ao longo do texto sobre a pluralidade cultural, a perspectiva de que conhecer, respeitar e valorizar a diversidade cultural, sobretudo no que se refere aos temas étnico-raciais, é relevante para todo o conjunto da população brasileira e para o fortalecimento da democracia, mostrando uma aproximação às referências do multiculturalismo. Logo na introdução ao tema, temos a seguinte definição:

A temática da Pluralidade Cultural diz respeito ao conhecimento e à valorização de características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais que convivem no território nacional, às desigualdades socioeconômicas e à crítica às relações sociais discriminatórias e excludentes que permeiam a sociedade brasileira, oferecendo ao aluno a possibilidade de conhecer o Brasil como um país complexo, multifacetado e algumas vezes paradoxal (BRASIL, 1998 b, p.121).

Ao longo de todo o documento, nota-se clara adesão ao discurso de desconstrução da perspectiva defendida em nosso país nas primeiras décadas do século XX que via a miscigenação racial como processo pacífico, positivo e democrático da história de nosso país. O documento explicita, ainda, a forma simplificada como durante muito tempo foi narrada a formação da nação brasileira:

A idéia veiculada na escola de um Brasil sem diferenças, formado originalmente pelas três raças — o índio, o branco e o negro — que se dissolveram, dando origem ao brasileiro, também tem sido difundida nos livros didáticos, neutralizando as diferenças culturais e, às vezes, subordinando uma cultura à outra. Divulgou-se, então, uma concepção de cultura uniforme, depreciando as diversas contribuições que compuseram e compõem a identidade nacional (BRASIL, 1998 b, p. 126).

Ainda na introdução ao tema, para ressaltar a pluralidade cultural brasileira, o texto elenca algumas das muitas etnias e grupos nacionais que vieram para o Brasil, indicando como a própria dificuldade de categorização é indicativo da diversidade:

Convivem hoje no território nacional cerca de 210 etnias indígenas, cada uma com identidade própria e representando riquíssima diversidade sociocultural, junto a uma imensa população formada pelos descendentes dos povos africanos e um grupo numeroso de imigrantes e descendentes de povos de vários continentes, com diferentes tradições culturais e religiosas. A dificuldade para categorizar os grupos que vieram para o Brasil e formaram sua população é indicativo da diversidade, seja o recorte continental, ou regional, nacional, religioso, cultural, lingüístico, racial/étnico. (…) Além disso, um mesmo indivíduo pode vincular-se a diferentes grupos ao mesmo tempo, reportando-se a cada um deles com igual sentido de pertinência (BRASIL, 1998 b, p. 125).

O texto sobre a pluralidade cultural avança na perspectiva de reconhecer a diversidade étnica e repudiar qualquer forma de discriminação racial, de gênero, religiosa entre outras, mas não aborda de forma efetiva as diferenças sociais e a implicação destas no campo cultural e as diferenças dentro de um mesmo grupo. Além disso, a extensão e o aspecto prescritivo do texto acabam, por vezes, dando um sentido contrário ao da perspectiva da pluralidade cultural. A prescrição dá a entender que num país com tamanha diversidade, cabe à escola ensinar todos os elementos dessa pluralidade. Acaba-se criando uma tensão entre o ensinar a pluralidade e uma educação sob bases plurais.

3.4 A Lei 10.639/03 como política inclusiva na educação: contexto,