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peças São Paulo: Cosac Naify, 2008, p 342-343.

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sociais em nosso tempo, portanto as mediações são primordiais, principalmente quando se tem como escopo a produção de significados políticos e estéticos no presente.

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APÓS A MONTAGEM de Ensaio para Danton, os integrantes daquele projeto

verificaram a importância, para a continuidade de seu trabalho, de estudar os escritos de Bertolt Brecht. Assim, em 1997, por meio de um edital público, conseguem a ocupação do Teatro de Arena Eugênio Kusnet e dão início à proposta de pesquisa em Teatro Dialético, o que demonstra já terem como finalidade a recuperação das proposições brechtianas como fonte para suas atividades cênicas e que a leitura e influência de José Antonio Pasta era referendada pelo caminho que o grupo começava a trilhar.191 Nesse contexto, o grupo entra em contato com Fernando Peixoto, ator, diretor, tradutor e teórico reconhecido pelo seu amplo trabalho junto ao Teatro Oficina na década de 1960 e como diretor nos anos de 1970, além de tradutor, responsável pela edição completa das peças de Brecht pela editora Paz e Terra e profundo conhecedor da obra desse dramaturgo no Brasil.192 Desse contato, surge o interesse pela leitura e estudo de A compra do Latão, escrito por Bertolt Brecht entre 1937 e 1951.193

191 Ao mesmo tempo em que o grupo se formava no Teatro de Arena em torno da pesquisa sobre o Teatro

Dialético, surgia o projeto de publicação de uma revista que deu origem à Vintém, cujo primeiro número foi lançado em 1997. Nesse número, existem entrevistas e artigos que demonstram a vinculação das pesquisas do Latão a outros intérpretes da obra de Brecht, além de José Antonio Pasta. Dividida em seis partes, a seção “Teatrada”, que se dedicava à apresentação de estudos teatrais em geral, trouxe quatro textos, assinados respectivamente por Pasta, Fernando Peixoto, Márcio Aurélio e, por fim, Sérgio de Carvalho. De maneira geral, todos esses textos tratam das possibilidades de Brecht ser naquele momento um dramaturgo capaz de promover diálogos e debates. Além disso, na seção “Entrevista”, o leitor toma contato com uma significativa contribuição de Gerd Bornheim, destacado pesquisador da estética teatral e autor de um livro singular sobre Bertolt Brecht, publicado em 1992. Na entrevista realizada por Sérgio de Carvalho e Helena Albergaria, Bornheim trata de diversos temas relacionados ao teatro, em especial às formulações brechtianas. Entre os assuntos ali abordados destacamos as considerações de que Brecht recusa o sentido de conciliação expresso na tragédia grega, a necessidade de uma pesquisa formal profunda para se compreender o dramaturgo alemão e a importância de se pensar a relação entre subjetividade e objetividade na obra e nas propostas estéticas de Brecht. É evidente que a contribuição de Bornheim é ampla e ultrapassa esses breves apontamentos. Sua importância aqui se vincula ao fato de que em alguns textos e depoimentos de Sérgio de Carvalho figuram elementos que foram tratados por Bornheim, o que demonstra um repertório de leituras que vai além da obra de Pasta, que, apesar de ser bastante significativa, não foi a única referência do diretor. Bornheim era filósofo e foi professor de Estética e Poética da Encenação no curso de Arte Dramática criado na Universidade do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, por Ruggero Jacobbi, de quem fora aluno. Bornheim construiu sua reflexão sobre Brecht tendo por referência uma ampla formação filosófica. (Cf. BORNHEIM, Gerd. Entrevista concedida a Sérgio de Carvalho e Helena Albergaria. In: CARVALHO, Sergio; (e colaboradores). Atuação

Crítica: entrevistas da Vintém e outras conversas. São Paulo: Expressão Popular, 2009. p. 101-111;

BORNHEIM, Gerd. Brecht: a estética do teatro. Rio de Janeiro: Graal, 1992.)

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A compra do Latão é um longo e inacabado escrito teórico organizado em forma de diálogos, em que cinco personagens tratam de vários elementos relacionados ao fazer teatral e possuem posições bastante específicas sobre o tema. Devido a isso, são apresentados pelo autor da seguinte forma: O Filósofo – acredita que o teatro deve apresentar um retrato fiel das relações sociais entre os homens e, em consequência, ambiciona utilizá-lo para seus fins; O

Ator – deseja se expressar e se tornar um profissional admirado pelo público; A Atriz – possui ideias políticas definidas e deseja utilizar o teatro para educar a sociedade; O Dramaturgo – com a esperança de dar força revitalizadora ao teatro, coloca-se à disposição do Filósofo e oferece seus conhecimentos para transformar o palco em um espaço produtor das relações sociais entre os homens; O Iluminador – é um trabalhador que não está satisfeito com o mundo, representa o novo público teatral ambicionado por Brecht em seus escritos teóricos. Pela descrição das personagens, fica evidente que o que está em jogo nesse texto é a análise sobre a função social do teatro, por isso elas estão em um ambiente bastante sugestivo, um palco, onde acabara de se realizar determinado espetáculo. Enquanto ocorrem os diálogos, o cenário que compunha a encenação começa a ser retirado e daí decorrem as análises.

Todas as discussões giram em torno dos diálogos do Filósofo com as demais personagens. Numa espécie de contraponto de noções, ele vê o teatro como um espaço para se perceber as relações sociais, discuti-las e, em consequência, transformá-las. Em outros termos, um local de análise crítica. Tendo tais elementos como premissa, é de se esperar que vários debates ocorram e, obviamente, eles tocam em vários temas, como a relação entre palco e plateia, a historicidade das formas, a maneira de expressão que se busca no teatro em tempos recentes, a função do ator e demais pessoas que estão envolvidas no processo cênico, a inserção de um novo público trabalhador no teatro e, claro, a importância da relação entre diversão e aprendizagem. Todas essas noções foram caras a Bertolt Brecht e à formulação de

COSTA, Rodrigo de Freitas. Tambores na noite: a dramaturgia de Brecht na cena de Fernando Peixoto. São Paulo: Hucitec, 2010.

CARDOSO, Maria Abadia. Mortos sem Sepultura: diálogos cênicos entre Sartre e Fernando Peixoto. São Paulo: Hucitec, 2011.

193 É importante ressaltar que Peixoto escreveu um livro em que se debruça sobre a análise desse texto teórico de

Bertolt Brecht. (Cf. PEIXOTO, Fernando. Brecht: uma introdução ao teatro dialético. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.) No segundo capítulo de minha dissertação de mestrado analiso as proposições políticas, artísticas e intelectuais de Fernando Peixoto na década de 1970 a partir das considerações feitas pelo diretor nessa obra em que trata de Brecht e fundamenta os pressupostos teóricos de seu trabalho naquela época, em especial por meio de suas análises sobre as relações entre o “nacional e o popular”. O que, no âmbito desta pesquisa, aponta não só para um amplo conhecimento sobre o dramaturgo e teórico alemão por parte de Peixoto, mas, sobretudo para a importância de A compra do Latão como referência teórica do diretor brasileiro que, em fins da década de 1990, indicou justamente esse texto para os integrantes da Companhia do Latão, ainda em processo de desenvolvimento.

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seu teatro épico, por isso A compra do Latão é considerado um texto importante, que aborda as principais formulações de seu autor durante toda uma vida dedicada ao teatro e à ação política por meio das artes.

Merece ser lembrado ainda que o ato de escritura desse texto atesta de maneira límpida uma das principais características de seu autor, o processo de revisão constante de seus escritos, tanto que ele foi produzido em um longo período e, mesmo assim, ficou inconcluso. Rever o que já tinha sido realizado, repropor questões e estar sempre disposto ao diálogo com a historicidade dos tempos são características marcantes em Brecht e não poderiam deixar de estar presentes em A compra do Latão. Sem dúvida, para um grupo que iniciava sua carreira revendo os parâmetros artísticos de seu tempo ao recuperar A morte de

Danton e que também conseguira ocupar o simbólico Teatro de Arena, que possui toda uma trajetória política nos anos de 1960 dedicada ao engajamento artístico e ao debate social, a indicação de Fernando Peixoto não poderia ser mais pertinente. Se a proposta era conhecer, estudar e avaliar Brecht e, com isso, montar um teatro “épico-dialético”, como consta nos depoimentos dos integrantes da Companhia, Peixoto era uma referência importante e marcante e, por sua vez, o estudo de A compra do Latão demonstrava bem a imersão do coletivo de atores nas propostas escolhidas. Além disso, o texto de Brecht também é discutido em várias passagens no livro de José Antonio Pasta.

Face a essas questões, é pertinente retomar alguns pontos específicos do texto de Brecht para mostrar como temas primordiais para a estética brechtiana se apresentaram ao grupo paulistano e, ao mesmo tempo, para fazer as aproximações necessárias com a sua produção. Sendo assim, procuraremos apontar convergências e divergências das temáticas em foco e perceber como o grupo foi ressignificando os elementos expressos pelo dramaturgo alemão. Para tanto, é preciso considerar que o texto dramático Ensaio sobre o Latão foi escrito em 1997, com base nas improvisações dos atores Gustavo Bayer, Maria Tendlau, Ney Piacentini, Otávio Martins, Edgar Castro e Vicente Latorre. Além da distância temporal em relação à produção alemã, é significativo lembrar que a proposta da Companhia do Latão tinha como finalidade chegar ao palco, ou seja, o grupo recuperou A compra e elaborou uma peça cujo princípio não era somente discutir as questões teatrais do ponto de vista teórico, mas ao mesmo tempo tornar possível a confecção de um espetáculo que, por si mesmo, fosse capaz de repensar as suas próprias bases teatrais e demonstrar aos possíveis espectadores suas escolhas estéticas e prováveis caminhos formais. Se fizermos uma comparação entre Brecht e a Companhia, envolvendo A compra do Latão, perceberemos que, para o dramaturgo, o

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objetivo era pensar a teoria teatral que envolvia a concepção de seus textos dramáticos e espetáculos, já para o Latão a concepção do texto está voltada também para a encenação, o que envolve, além da leitura e de estudos sobre Brecht, a realização de trabalhos cênicos, como improvisações e pesquisas de outros matizes que envolvem a questão puramente teórica, daí a importância de ressaltar a equipe envolvida no processo.194

O texto da Companhia do Latão possui oito personagens que, instaladas no palco, desenvolvem ações relativas ao fazer teatral. No Ensaio, as personagens fazem referência explícita ao processo de montagem de Hamlet, de Shakespeare, daí a composição de três papéis: Ator-Hamlet, Atriz-Ofélia e Ator-Polônio. Além desses, há mais cinco: Dramaturgista, Diretor, Iluminador, Assistente de televisão e Sandra. O texto é rico em cenas que se desenvolvem no palco, todas com teor narrativo bastante expressivo, e um prólogo que se passa no saguão do teatro. A rubrica inicial é importante para que o leitor perceba como o enredo da peça irá se desenvolver e como estão expressos os elementos estéticos que o grupo partilha com Brecht:

Algumas breves indicações sobre as personagens podem contribuir para que a dimensão pedagógica se realize pelo jogo entre os diversos pontos de vista contraditórios da peça. O Dramaturgista é uma figura que se apega às suas categorias mentais, mas tem a ingenuidade dos que gostam de aprender. O Diretor não deve ser professoral. É antes alguém que pensa em voz alta, às vezes siderado pelas próprias idéias complexas. O Ator-Hamlet tem a vaidade dos grandes artistas. Acostumado a papéis de protagonista, é perfeccionista e não tem facilidade de se relacionar com os outros. A Atriz- Ofélia é frágil, inteligente, feminista, e se esforça para não confundir ficção e realidade. O Ator-Polônio não tem papas na língua, é autocentrado, mas às vezes muito agudo na sua defesa de uma arte catártica. O Assistente de Televisão é um funcionário do capital porque nunca lhe ensinaram outra possibilidade, mas tem algum real interesse pela verdade das coisas.195

Os pontos de vista contraditórios relacionados às diferentes personagens formam a base do enredo do Latão, assim como do de Brecht, já que, em ambos os casos, se trata da realização de análise sobre o próprio fazer teatral. Isso ocorre pelas falas dos agentes que assumem papéis na peça e que, ao realçarem seus posicionamentos artísticos, deixam

194 Ensaio sobre o Latão estreou no Teatro de Arena Eugênio Kusnet em agosto de 1997, com direção de Sérgio

de Carvalho e Márcio Marciano, música de Walter Garcia, preparação musical de Fernando Rocha, iluminação de Wagner Pinto e Paulo Heise, cenografia e figurinos criados coletivamente, com os seguintes atores: Edgar Castro, Gustavo Bayer, Maria Tendlau, Ney Piacentini, Otávio Martins, Vicente Latorre. Participações eventuais de Deborah Lobo, Francisco Bruno e Georgette Fadel. Na temporada de 2000 houve participação de Heitor Goldflus.

195 CARVALHO, Sérgio de; MARCIANO, Márcio. Ensaio sobre o Latão. In: CARVALHO, Sérgio de. (Org.).

Introdução ao Teatro Dialético: experimentos da Companhia do Latão. São Paulo: Expressão Popular,

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evidenciar as questões políticas que referenciam suas ações. Como o grupo tem por preocupação colocar em cena tais questões para que os espectadores reflitam sobre elas, chama a atenção, por meio da rubrica, para o caráter didático da peça, o qual se concretizará principalmente se o leitor/espectador tiver consciência das personagens que se encontram naquele espaço. Somente a partir daí passa-se à apresentação das características das personagens.

Ligado à sua formação, o Dramaturgista é alguém que “gosta de aprender”, aprendizado que, nesse contexto, diz respeito à arte engajada. Em A compra do Latão, o Dramaturgo assume uma posição parecida, no entanto se coloca à disposição do Filósofo, que, na verdade, é alguém que não faz parte do espaço teatral e que leva ao agrupamento as inquietações por uma arte mais crítica e reflexiva. O Diretor, imerso em múltiplas ideias, vai contrapondo os vários pontos de vista que surgem ao longo do enredo. A vaidade dos atores, expressa no texto de Brecht pelo Ator, aparece nos escritos do grupo brasileiro por meio do Ator-Hamlet, numa menção a Shakespeare que terá papel importante ao longo da teia reflexiva que se formará. Não muito distante desse último, está o Ator-Polônio e sua defesa de uma arte catártica. Claro que, ao tomar como foco de análise o texto de um escritor que se coloca contrário à catarse e, ao mesmo tempo, recuperar os textos aristotélicos como fonte de estudos e contestação, a Companhia não poderia deixar de colocar em cena os embates que essa discussão pode gerar. Sem ter uma noção política definida, como a representada pela Atriz de Brecht, a Atriz-Ofélia preocupa-se em não confundir ficção e realidade, o que também demonstra uma forte aproximação com o dramaturgo alemão, uma vez que essa distinção era para ele um tema caro, principalmente no que se refere às relações entre palco e plateia. Já a personagem Sandra está relacionada aos estudos realizados pelos integrantes do grupo pelas ruas de São Paulo. No decorrer da trama ela terá um papel específico, o que permitirá aos leitores/espectadores perceber, entre outras coisas, o trabalho de composição de personagens pelo Latão. O Assistente de Televisão está relacionado ao próprio momento vivido pelos atores do grupo, que, na época de confecção do espetáculo, foram convidados para integrar o elenco de um filme. Os testes para esse filme ocorreram no próprio teatro, de acordo com Lia Urbini, responsável pelo setor de documentação da Companhia e “[...] revelavam, a quem os via de fora, a diferença entre o interesse funcional da equipe de cinema (fotogenia, aptidão física aos papéis, bons dentes etc.) e o esforço artístico de atores que

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mostravam cenas de peças antigas”.196 Cabe questionar em que medida essa situação pode ser relacionada diretamente ao fato de essa personagem ser “um funcionário do capital” e que tem algum interesse pela “verdade real das coisas”. Afinal, qual o viés interpretativo que leva um grupo falar em “verdade real das coisas”?

De maneira geral, a estrutura da peça é concebida pela mescla de cenas em que os atores discutem a arte teatral, seus traços e transformações nos últimos anos – se aproximando, nesse caso, do que aparece em A compra do Latão – e os ensaios de Hamlet, que são realizados no palco e, ao mesmo tempo, narrados ao público pelos atores. Portanto aqueles que assistem percebem o desenrolar de algumas cenas e ouvem os comentários dos atores, que se afastam das personagens do texto de Shakespeare, em um evidente processo de distanciamento. Os códigos que se aproximam do teatro épico, tal como proposto por Brecht, são visíveis no texto dramático por meio das rubricas, o que indica que no palco as ações dos atores sejam também realizadas do ponto de vista da quebra da quarta parede, proporcionando o efeito de distanciamento ao se dirigir diretamente ao público, que não deve ter a atitude de quem assiste passivamente, mas sim de quem observa com cientificidade. Além disso, Ensaio acompanha o mesmo expediente de divisão do tempo de A compra. No texto de Brecht, as ações se desenvolvem durante quatro noites, em cada uma das quais vários temas são abordados. Já no texto do Latão, os ensaios de Hamlet também são divididos em noites, no caso cinco, sendo que a última seria a da estreia do espetáculo. Vale ressaltar ainda que essa divisão vem para a cena por meio da narração das personagens, enquanto que, no texto de Brecht, elas são subtítulos que dividem as discussões teóricas.

O texto é acompanhado de um “prólogo no saguão do teatro” que marca o encontro das personagens com o público. Dramaturgista e Diretor recebem os espectadores, que são acolhidos como um grupo de atores que farão parte do ensaio que se realiza na casa teatral. Ao entrarem no espaço, há a indicação na rubrica de que no palco um ator realiza um exercício de ensaio inspirado em Hamlet. O contraponto entre espectadores e atores está estabelecido, o objetivo de Ensaio sobre o Latão é discutir a composição cênica numa espécie de atividade metateatral e, para tanto, os recursos brechtianos são essenciais. Ocupando espaço no palco onde o Ator-Hamlet atua, o Diretor se dirige ao público:

DIRETOR [Quebra a atmosfera criada pelo exercício no auge da emoção

da cena, para desgosto do Ator-Hamlet] Obrigado. [À cabine de luz no

196 URBINI, Lia. Memória em processo. In: CARVALHO, Sérgio de. (Org.). Introdução ao Teatro Dialético:

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teatro.] Iluminador, um pouco mais de luz sobre o palco. [Ao público.] Senhores novos atores, bem vindos. Nesta primeira noite de ensaio espero que não estranhem nosso método de trabalho, embora deva ser estranhável. Dentro de algumas semanas, vamos estrear um espetáculo, baseado num texto clássico, empreitada para a qual necessitamos da colaboração dos senhores. Os experimentos que vamos realizar durante o período de ensaios diferem um pouco desse, que os senhores acabaram de presenciar, e serão nossa matéria de transformação até o dia da estréia.197

Ao elaborar uma cena como essa, podemos dizer que a preocupação do grupo não é prioritariamente com o assunto que ocupa o palco, mas principalmente com as formas cênicas utilizadas para a construção do espetáculo. Desse ponto de vista, Brecht é um estímulo bastante forte, pois aliou as transformações temáticas às formais, uma vez que a relação forma-conteúdo é indissociável e, em consequência, as mudanças temáticas trazem as alterações estéticas e vice-versa. O público é chamado a estranhar o método de trabalho do grupo, que será explicitado por meio da contraposição entre os diálogos sobre a arte teatral e os ensaios de Hamlet. Quando se espera dos espectadores um posicionamento dessa natureza, procura-se valorizar dimensões reflexivas que estão relacionadas ao épico: o rompimento da narrativa tornaria aquele que assiste mais afeito à observação crítica, uma vez que ele não se

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