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AS PECEBISTAS NA LUTA CONTRA A DITADURA: SOLIDARIEDADE AOS ATINGIDOS, LUTA PELA ANISTIA E

MILITÂNCIA ANTIFASCISTA

A ilegalidade característica dos ―anos de chumbo‖ não foi novidade para os comunistas. O PCB esteve durante grande parte de sua história proscrito, mesmo nos períodos democráticos. Desde sua fundação, em 1922, até a legalidade decorrente da redemocratização de 1985, somados os diferentes intervalos, o PCB não chegava a completar três anos de atividade legal 129. Assim, para Pereira, pode-se afirmar de forma metafórica que o partido sempre ―esteve exilado legalmente da sociedade que ele pretendia transformar – ainda que na prática estivesse bem integrado a ela, e bem atuante ao longo da maior parte de sua trajetória‖ 130

. O clima generalizado de perseguição, o risco concreto de tortura, prisão e morte e o exílio propriamente dito, entretanto, foram vivenciados de forma mais intensa nos dois períodos ditatoriais do século XX: o Estado Novo (1937-1945) e a ditadura militar de 1964. Nesta última o exílio e os assassinatos chegaram a números mais assustadores, passando o exílio a ser desenvolvido como já vimos, como forma de sobrevivência e ―política oficial de preservação do partido‖, com a própria retirada do CC para o exterior 131.

Diante de tal conjuntura, boa parte do cotidiano militante – no interior e no exterior – passou a estar diretamente relacionado à preservação da vida e segurança do partido, de seus militantes e seus familiares e às tentativas de restabelecimento das condições mínimas para a sobrevivência e militância. Não é difícil de compreender, portanto, que amplos contingentes de militantes tenham sido empuxados nesse momento para atividades que Zuleide Faria de Melo classificou como de ―retaguarda ativa‖ 132

. Essa retaguarda, para a pecebista, era

129

Esteve permitida formalmente a existência do PCB nos meses seguintes à sua fundação, em um curto período de 1927 e entre 1945 e 1947, apenas.

130

PEREIRA, Fabricio. PCB: o partido exilado (1964-1979). Das Américas,

UERJ, num 5, 2010. P. 2. Disponível em:

http://www.nucleasuerj.com.br/home/phocadownloadpap/6b.pdf. 131

Idem. 132

Entrevista concedida por Zuleide Faria de Melo e Mercedes Lima. Salvador, maio de 2012

desempenhada – pela delicadeza e risco das operações – com grande protagonismo do conjunto dos militantes do partido, entre os quais se encontravam também as mulheres dele.

Fizeram parte das atribuições dos militantes pecebistas naquele momento atividades como deslocamento de pessoas, auxílio às famílias de atingidos, abrigo das pessoas que se preparavam para o exílio e até mesmo a proteção dos arquivos da organização. A militância de Zuleide, que ficou responsável pela segurança do partido no território nacional nesses anos, por exemplo, foi fundamental para a proteção de Giocondo Dias (que era o único membro do CC no Brasil e Secretário Geral na vacância de Prestes), e para a preservação do acervo documental da organização depositado no arquivo de Astrogildo Pereira 133.

Nesse período sombrio, revelam Zuleide Faria de Melo e Mercedes Lima, as atividades que envolviam a proteção dos companheiros e companheiras que corriam risco de morte era a tarefa primordial de todos. Diante dela e da de preservação do partido enquanto tal, evidentemente, todas as outras coisas ficariam para depois. Além das situações mais imediatas, como cuidados com militantes feridos ou adoecidos gravemente em tortura ou perseguição, por exemplo; a proteção dos indivíduos e do conjunto dos comunistas era também a luta contra a ditadura propriamente dita. Reforçam as depoentes: ―A luta contra a ditadura era a coisa principal‖, ―era a vida‖

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.

No exílio, tratava-se de, além do mais, de manter minimamente os elos entre os brasileiros, visando a construção da unidade na luta contra a ditadura. Fora do país, desenvolveram-se atividades de denúncia das violações dos direitos humanos que ocorriam no país, com os objetivos de desestabilizar politicamente o regime via pressão internacional e a construir uma rede internacional de solidariedade ao Brasil e demais países da América Latina que passavam por situações semelhantes. Essas atividades foram promovidas também pela Seção, cujas militantes fundaram entidades como Comitês de Mulheres Democráticas, e participaram de organismos mistos de defesa dos direitos humanos.

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Ver também entrevista concedida por Zuleide Faria de Melo ao Núcleo Piratininga de Comunicação, em 5 de setembro de 2013. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=PBNJVs5SQTw. Data de acesso: 20 de outubro de 2013.

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Foram organizados comitês de mulheres em luta contra a ditadura em uma série de países, tendo o trabalho de alguns deles atingido proporções impressionantes. No segundo Ativo organizado pela Seção (1977), por exemplo, o Comitê de Mulheres de Lund, de atuação bastante vinculada à luta pela anistia no Brasil, havia crescido tanto que a ―comuna‖ resolveu subvencionar-lhes as atividades, possibilitando-lhe a instalação de uma sede própria 135. Dois anos depois, no último Ativo, a representação da ―militância feminina‖ em Lund, Suécia, relata a realização de atividade comemorativa do 8 de março, em coorganização com as suecas 600 participantes 136! Simultaneamente, as integrantes da organização de base de Lisboa coletavam centenas de assinaturas de personalidades, partidos, sindicatos e entidades culturais – de diversas regiões do país europeu – defendendo a anistia e a libertação dos presos políticos 137.

No Brasil também as mulheres do PCB também se organizaram para lutar contra a ditadura. Zuleide Faria de Melo e Mercedes Lima explicam: ―a partir de determinado momento as feministas do partido foram para as ruas‖, seu papel era justamente esse. O 8 de março foi, de certa forma, ressignificado aqui como um espaço importante do combate aos militares. Planejavam-se os atos por mais de seis meses! Sua qualidade, digamos assim, era medida pela duração e visibilidade alcançada. Para as militantes, a polícia tinha consciência disso, acusando-as de comunistas e reprimindo-as com a violência admissível diante do tipo de mobilização 138. Nas grandes manifestações do 8 de março, dessa forma, enfrentava-se a ditadura utilizando-se do feminismo como bandeira e escudo.

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A extensão das atividades realizadas por tal comitê era amplíssima e ia da realização de torneios de futebol infantil a ciclos quinzenais de estudos sobre a ―problemática feminina‖. Sua direção era composta por 15 mulheres, três delas do PCB. Ver: relatorias do II Ativo de Mulheres do PCB, 1977.

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Ver: relatorias do IV Ativo de Mulheres do PCB, 1979. 137

Tais cartas, que tinham uma redação padrão (provavelmente elaborada pelas brasileiras), encontram-se disponíveis no acervo do ASMOB disponível no APESP. O volume de correspondências e a diversidade de assinaturas evidenciam a grande rede de contatos que se pôde formar no país e o esforço considerável que tal trabalho deve ter demandado.

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Dado o apoio da ONU e da Igreja e a visibilidade internacional do movimento feminista no período, a ação da repressão tinha que ser calculada nesses atos, a fim de evitar maiores indisposições políticas.

2.2 A MILITÂNCIA PARTIDÁRIA NOS ESPAÇOS DE AUTO-