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A política pecebista para atuação nos movimentos compostos exclusiva ou prioritariamente por mulheres

2.2 A MILITÂNCIA PARTIDÁRIA NOS ESPAÇOS DE AUTO ORGANIZAÇÃO DE MULHERES

2.2.2 A política pecebista para atuação nos movimentos compostos exclusiva ou prioritariamente por mulheres

O Partidão, a partir das formulações da SF, elenca como tarefa tática principal em seu trabalho com as mulheres mobilizá-las ―na luta pela igualdade de seus direitos dentro da sociedade, como importante momento da luta pela sua emancipação‖; e na luta pelo fim da ditadura, que não poderia ser conquistado ―sem a participação ativa e organizada da metade da população do país‖ 177

.

Essa tarefa estava ligada tantos aos objetivos característicos da ―etapa democrático-burguesa da revolução‖ 178

quanto ao desenvolvimento das lutas de classe pelo socialismo. Muito embora dissesse respeito a todo o movimento socialista e democrático, caberia ―antes de tudo às próprias mulheres‖, que para tal, necessitariam de ―um instrumento próprio de análise e de luta‖ 179

. Assim, dever-se-ia defender, apoiar e estimular o desenvolvimento de um movimento feminino democrático que servisse ―cada vez mais de instrumento principal de estudo dos problemas da mulher e de combate na luta pelos seus direitos e por sua emancipação‖ 180

.

Foram comuns na época – e seguem sendo percebidas na literatura – alusões ou acusações literais de aparelhamento do movimento (ou de tentativas nesse sentido) por parte das organizações de esquerda, particularmente do MR-8, PCdoB e PCB. Essa foi uma questão que permeou também os debates da Seção Feminina do PCB ao longo de todos os ativos realizados e que foi abordada em praticamente todos os documentos produzidos pelo organismo.

No conjunto da documentação produzida pela Seção Feminina, inclusive na assinada pela direção do partido, é realizada uma defesa intransigente da autonomia do movimento de mulheres com relação aos partidos políticos em geral, dentre os quais se encontrava, naturalmente, o partido comunista. Tal postura partiu da crítica do aparelhamento

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A condição da mulher e a luta para transformá-la: visão e política do PCB. In: PCB: vinte anos de política. São Paulo: LECH, 1980. P. 345.

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Para mais informações, ver, por exemplo: MENEZES, Marcus Vinicius Bandeira. Estratégias e táticas da Revolução Brasileira. Prestes versus o Comitê Central do PCB. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, IFCH, Unicamp, Campinas, 2002.

179

A condição da mulher e a luta para transformá-la: visão e política do PCB. In: PCB: vinte anos de política. São Paulo: LECH, 1980. P. 345.

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realizado pelos partidos de direita 181, que, segundo as pecebistas, haviam utilizado as mulheres como massa de manobra em 1964; mas também, como já foi exposto, da autocrítica da forma como o PCB havia atuado nos anos anteriores ao golpe, resumindo, muitas vezes, o movimento de mulheres a um espaço de aproximação das mulheres ao partido.

Tal postura não era homogênea entre os diferentes partidos de esquerda. O Movimento Revolucionário 8 de Outubro, por exemplo, era declarada e radicalmente contra a autonomia, que classificou como ―doutrinarismo‖ ou ―xaropada teórica‖. Tal organização via a mobilização de mulheres em torno de suas demandas específicas como um fator de divisão do proletariado na luta sindical e política e mesmo como fator que enfraqueceria a luta das mulheres pelos seus direitos. Propunha, em cambio, a organização de departamentos femininos nos sindicatos, associações de bairro e movimento estudantil e aproximação das mulheres em relação ao MDB 182.

As militantes da SF do CC discordavam com profundidade de tal postura, denunciando-a. Ao analisar a atuação das forças classificadas como de ―ultraesquerda‖ (MR-8, organizações trotskistas, entre outras) nos movimentos de mulheres, é feita a seguinte descrição:

Em geral distribuídas por pequenas agrupações que se distribuem por diferentes siglas. Procuram atualmente influir no movimento de mulheres, ora arrastando-o para posições estreitas e sectárias, como aquela de que ―só no socialismo a mulher poderá ser livre‖ e, portanto devem elas participar apenas da luta pela derrubada do capitalismo aguardando o grande dia de sua libertação. Ou

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É enfatizada não somente a atuação das mulheres na Marcha com Deus pela Liberdade, mas o vínculo permanente da direita com as organizações específicas, como eram os casos da Arregimentação Feminina, União Cívica Feminina, CANDE e mesmo organizações mistas, como a Tradição, Família e Propriedade.

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Para o MR8, nos DF dos sindicatos, por exemplo, poderiam ser assumidas questões específicas ou denunciadas situações de opressão às mulheres, sempre e quando esses espaços não se transformassem em ―grupos de debates‖, já que sua função primeira era organizar as mulheres em torno das lutas gerais do povo brasileiro. Ver: RIBEIRO, Maria Rosa Dória. Relações de poder no feminismo paulista – 1975-1981. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em História Social, IFCH, USP, São Paulo, 2011. p.238-9.

então para posições sexistas (greves de sexo e coisas semelhantes) 183.

Retornando à posição do PCB, esse considerava que o movimento de mulheres deveria ser composto por todas as mulheres que ―a partir de graus de conscientização e situações diferentes‖ adquirissem consciência de sua marginalização nas esferas do trabalho, família e sociedade. Com tal composição, na medida em ele que fosse democrático, seria unitário, o que significava a manutenção de sua organização com autonomia frente aos partidos, correntes religiosas e filosóficas.

O partido defendia, no entanto, que essa autonomia não deveria ser confundida com apoliticismo, numa clara menção às correntes do movimento com as quais nesse momento já se enfrentava. Tais correntes priorizavam as discussões sobre sexualidade, organizando-se através dos grupos de consciência e foram muitas vezes consideradas pelas comunistas e seus partidos, sejam as do PCB ou PCdoB, pequeno- burguesas e divisionistas. Sua postura frente a tais correntes era, textualmente, a seguinte:

Nós comunistas somos favoráveis a um movimento feminino autônomo. Pensamos, no entanto, que quando as feministas exigem autonomia estão pensando é na despolitização do movimento (…). E com isto não concordamos 184

.

Aprofundando sua crítica, o PCB afirmava: ―o movimento feminino não deve ser um gueto onde as mulheres, analisando o seu cotidiano, separam-no mecanicamente das grandes questões nacionais‖. Propunha, então, outra forma de articulação e organização da luta, baseada na unidade expressa nas plataformas comuns de luta, campanhas por reivindicações determinadas ou por coordenações temporárias ou permanentes, que considerando as diversas formas de organização do movimento, pudessem o fazer convergir em torno das reivindicações compartilhadas.

Para o PCB, o movimento feminino deveria estar voltado prioritariamente para as reivindicações específicas das mulheres e luta da transformação de sua ―condição‖. Através do exame crítico do

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Relatorias do III Ativo de Mulheres do PCB, 1978. 184

cotidiano, as mulheres ganhariam consciência de sua situação e forças para lutar contra ela; situação que, insiste o partido, faria ―parte da sociedade como um todo e de seu caráter‖.

A forma como deveria ser articulada a relação entre a autonomia do movimento e a também defendida unidade do movimento de massas sob a hegemonia dos comunistas, porém, foi objeto de discordâncias nos ativos da Seção, como se verá na avaliação da militância na França e Itália. Foi consensual, no entanto, após alguns debates a respeito, a preocupação de que as organizações de massa não se confundissem com o partido. Para a SF do CC, tais organizações deveriam ser tão amplas quanto possível, e não um partido de mulheres ou um braço de algum partido político (ainda que esse fosse o próprio PCB).

Não obstante defendesse com insistência a autonomia do movimento de mulheres, na prática foram observados alguns percalços, como a dificuldade para atuar no movimento junto a outras forças políticas. Por um lado, houve embates com as forças trotskistas e vinculadas às organizações que optaram pela luta armada (chamadas pelas pecebistas de ―gauchistas 185‖ ou ―ultraesquerda‖); e por outro, com as militantes ou coletivos caracterizados como ―existencialistas‖, ―sexistas‖, ―estruturalistas‖ ou mesmo ―feministas‖. A recíproca foi verdadeira.

É possível que as denúncias de aparelhamento dirigidas à esquerda ou ao partido sejam condizentes com práticas de militantes nesses espaços, já que a formulação teórica e programática nem sempre é harmônica com a prática cotidiana, no entanto, como pôde se perceber, o aparelhamento não foi a postura oficial do PCB e menos ainda a intenção da Seção Feminina.

É inegável – e coerente – no entanto, que as pecebistas atuaram no movimento como comunistas organizadas. Desempenharam sua militância, na medida em que podiam, de forma orgânica (coletiva, organizada e planificada). Esforçaram-se para levar sua posição partidária para todos os lugares em que estiveram presentes e para ampliar sua esfera de influência – quando possível, integrando mais mulheres à organização.

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