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O sistema educacional do final da década de1960 apresentava uma concepção fortemente economicista, que se refletia diretamente na educação no meio rural. Segundo Silva, a modernização do campo apresentava-se como determinante e prioritária para ―a evolução do mundo rural‖ (2003: 66). Essa vertente defendia a implementação de iniciativas para a superação das condições do atraso econômico e cultural do meio rural, atribuído à presença de mentalidades tradicionais e de técnicas agrícolas rudimentares. Nesse contexto, algumas iniciativas de educação popular, baseadas em modelos franceses, aportaram no Brasil, mais especificamente no Espírito Santo. Estas iniciativas populares de organização da educação para o campo são as Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), as Casas Familiares Rurais (CFRs) e as Escolas Comunitárias Rurais (ECRs).

O surgimento desse modelo alternativo de educação é fruto do debate sobre o papel da escola no meio rural, em processo desde o final do século XIX. Desde então este debate caracteriza-se pela diversidade de opiniões sobre o assunto e pela presença no cenário de educadores, intelectuais, religiosos e políticos movimentando-se em torno de congressos, leis, programas e projetos. É nesse bojo que surgem, nas alianças entre movimentos sociais, partidos políticos, entidades religiosas, universidades e organizações não governamentais, as escolas alternativas.

Esse movimento teve seu início na década de 1930, no interior da França, capitaneado por um grupo de agricultores e pessoas afins, provenientes de diversos grupos de organizações sociais da época. Reunia também pais e mães, ansiosos em oferecer a seus filhos e filhas, uma educação diferenciada dos modelos vigentes, tendo como característica principal a gestão compartilhada pelas famílias envolvidas e interessadas, amparados por uma metodologia inovadora, a pedagogia da alternância.

26 A estrutura principal desse novo modelo de educação é a formação por alternância, no qual, de acordo com Silva

A formação dos jovens, nessa dinâmica, compreendia aspectos complementares: a aprendizagem era de início teórica e prática. Os filhos aprendiam com seus pais, ajudando-os de acordo com o ritmo das estações ou o calendário agrícola. Todavia, o jovem deveria compreender o que ele fazia e o porquê das coisas. Daí a necessidade de uma formação geral teórica (SILVA, 2003: 47, grifo nosso)

O princípio dessa pedagogia, sugerido no próprio nome, consiste na combinação de períodos alternantes, passados pelos jovens na vida em família ou estágio em propriedades ou empresas e períodos na escola. Desta forma, enquanto o ―meio escolar proporciona o conhecimento técnico-científico, o meio familiar viabiliza sua aplicação prática nas condições reais e específicas de cada unidade familiar produtiva‖ (SILVA, 2003: 242).

Esta combinação alternada busca romper com a visão reducionista do ato de ensinar como ―uma relação dual, para passar a considerá-lo uma relação mais complexa, na qual o saber não pode ser reduzido a um objeto pré-fabricado, herdado do passado, que deve ser transmitido‖ (SILVA, 2003: 259).

O conhecimento deve ser construído na interação das pessoas entre si e das pessoas com o meio onde estão inseridas. É uma formação que contempla ação- reflexão-ação, num processo contínuo e interminável, pois pressupõe que aprender é inerente à vida humana e que todo homem aprende sempre.

O período na escola é uma reflexão sobre a vida e pode-se até chegar a afirmar que a reflexão que se faz na escola é um valioso instrumento para a formação dos próprios pais. A alternância permite que os conte- údos de ensino da Escola Família sejam verdadeiramente vinculados ao meio de vida do aluno. Não se deseja apenas que, durante o período com sua família, o aluno faça os experimentos que não pode fazer na escola, mas também que trabalhe como tem feito sempre e incorpore a este trabalho as interrogações e as preocupações que lhe são sugeridas na escola. (...) A Escola Família trabalha sobre este critério básico:

27 provocar a interrogação do aluno sobre o ambiente que já experimen- tou... na Escola Família a aprendizagem se processa do mais concreto ao mais geral; da prática diária se vão induzindo os princípios gerais que ajudarão a discernir os diversos usos de práticas agrícolas (GI- ARDONOLI,1980: 21).

Esta pedagogia torna-se uma alternativa para a educação no campo, já que o ensino nesse contexto, de uma forma geral, não contempla as especificidades e as necessidades da população que vive no meio rural. Martins (s/d), enumera alguns problemas: a escola desvinculada da realidade local, a falta de recursos para atividades básicas do campo, a necessidade dos alunos ficarem na propriedade com sua família para trabalhar e terem dificuldades de acompanhar o calendário tradicional das escolas, a desvalorização da escola multisseriada e a falta de vagas nas escolas agrotécnicas.

Há uma pequena distinção entre os modelos educacionais que se organizam com base na pedagogia da alternância, as Escolas Famílias Agrícolas, as Casas Familiares Rurais e as Escolas Comunitárias Rurais. Com base no trabalho de Claudemiro Godoy do Nascimento pretendemos uma breve definição de cada um dos modelos citados.

Em primeiro, as Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), talvez a forma mais conhecida de organização por alternância. Estas estruturam a formação escolar dos educandos/as a partir do regime seriado e regularizado junto às Secretarias Estaduais de Educação, oferecendo também a formação técnica, tanto no Ensino Fundamental, bem como, de forma mais específica no Ensino Médio, onde se trabalha a Educação Profissional de Técnico em Agropecuária (NASCIMENTO, 2004).

As Casas Familiares Rurais (CFRs) priorizam a formação técnica dos jovens, mas adotando o regime de suplência, o que as diferencia das EFAs. A permanência dos jovens por até duas semanas na escola, alternando com uma semana em casa, confere- lhes, em grande parte, a denominação de Casa Familiar Rural (NASCIMENTO, 2004).

Já as Escolas Comunitárias Rurais (ECRs) localizam-se principalmente no Norte do Espírito Santo (ES) e na Bahia. Assemelham-se às EFAs no que se refere às características metodológicas, no entanto são grupos autônomos que estão ligados a movimentos sociais e eclesiais que pressionam o poder local para realizar a implantação e a aprovação da Pedagogia da Alternância, para que a experiência possa ter validade. Na maioria das vezes, essas experiências surgem com o apoio de instituições oficiais, como prefeituras locais e o governo do Estado. (Nascimento, 2004).

28 Ainda com base nas informações de Nascimento (tabela 1), no ano de 2004, as Escolas Famílias Agrícolas eram assim divididas nos estados:

Tabela 1 - Número de Escolas Famílias Agrícolas por estado

Estado Número de Escolas Famílias Agrícolas (EFAS)

São Paulo 01 Rio de Janeiro 04 Minas Gerais 14 Espírito Santo 23 Bahia 33 Sergipe 01 Ceará 01 Piauí 08 Maranhão 10 Pará 02 Amapá 04 Amazonas 01 Rondônia 04 Tocantins 02 Mato Grosso 01

Mato Grosso do Sul 02

Goiás 03

Fonte: Nascimento, 2004

Para muitos pesquisadores, a pedagogia da alternância constitui-se numa opção interessante a ser utilizada no processo de escolarização do meio rural, ao utilizar uma metodologia de ensino-aprendizagem que oportuniza meios para que o agricultor torne- se, na perspectiva da economia popular solidária, um agente comunitário, um agente multiplicador de técnicas inovadoras para o desenvolvimento do lugar onde ele ou ela está inserido, criando suas próprias condições de trabalho, a partir da vivência que ele ou ela tem do conhecimento de que é capaz de gerar. Por isso, segundo Silva, as escolas que se amparam na pedagogia da alternância propiciam

29 ... uma educação específica e diferenciada que, enraizada na cultura do campo, contemple no processo de formação os valores, as concepções, os modos de vida dos grupos sociais que vivem no campo. Uma escola que seja também instrumento de melhoria das condições de vida e de trabalho dos agricultores e do meio rural. Uma escola com um projeto político-pedagógico alicerçado na realidade histórica, nas lutas, nos desafios e sonhos de quem vive e trabalha no campo (SILVA, 2003: 243).

Mesmo atuando em desigualdades de condições, as escolas baseadas na pedagogia da alternância procuram preencher lacunas deixadas pelo ensino oficial, ao centrarem-se no mundo rural, objeto das mesmas preocupações da rede agrotécnica federal, o que nos leva a um breve histórico do surgimento e evolução do ensino agrícola oficial do Brasil.