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O conjunto de processos, ações, concepções e agentes que constituem aquilo que se convencionou chamar de Educação, na forma como é conhecido e reconhecido pela tradição teórica pedagógica - do qual o Sistema de Ensino, compreendido como instituição ou conjunto de instituições sociais dedicadas à formação dos indivíduos, não representa a totalidade, embora seja fundamental – é um fenômeno social e cultural especificamente humano. Neste sentido, a compreensão do que seja a Educação, enquanto fenômeno social e cultural que se realiza através de ações, isto é, na sua prática, deve considerar esta dimensão social e cultural, entendida como contexto em que os processos educativos, assim como os seus objetivos, significados e concepções, acontecem de fato. Uma das características mais comuns associada às descrições e elaborações teóricas concernentes à Educação é a tendência a considerá-la como um valor superior que se situa em um âmbito metafísico, universal e não- histórico, destacando-a da realidade cultural, social e histórica em que a sua prática acontece.

Se a realidade da Educação é a sua prática e esta prática acontece em um contexto social, cultural e histórico específicos, é necessário compreendê-la nestes termos, mesmo que, para fins de melhor inteligibilização dos fenômenos que são abarcados por esta rubrica, incorra-se na tentativa constante de formular regras ou padrões universalizantes. É sob esta perspectiva que postular a existência de processos de reprodução cultural no interior de uma cultura ou afirmar que todas as culturas estão continuamente em processo de mudança são categorias que pretendem criar uma compreensão inteligível de caráter universal, mesmo que estas afirmações estejam apoiadas em observações empíricas e teorizações de antropólogos, sociólogos e psicólogos. Feitas estas ressalvas, com base nas análises anteriores, a presente investigação integra no quadro de seus pressupostos as seguintes afirmações:

a) Todas as culturas possuem mecanismos de transmissão de seu patrimônio cultural, seja para as novas gerações, seja para os indivíduos que são integrados tardiamente em sua comunidade;

como, a noção de indivíduo, a noção de telos (na medida em que se colocava em questão a missão do homem neste mundo), o papel da religião e a sua relação com a vida prática. De fato, havia uma série de aspectos culturais que vinham se modificando na Europa, de forma mais acelerada a partir do final do século XIV, afetando os diversos setores da vida social (política, religião, economia, conhecimento, educação, entre outros), e este cenário complexo propiciou o contexto bem específico em que a Reforma ocorreu. Sob certo aspecto, poderia ser dito que a Reforma foi um movimento de transformação cultural profunda e radical. Não tão radical a ponto de abolir o referencial religioso cristão, mas o suficiente para transformá-lo de forma significativa. Com efeito, esta grande transformação ocorrida na Europa provocou uma mudança de dimensão, no mínimo, equivalente nas noções e práticas educativas, mesmo no seio da religião católica (como pode ser observado na prática educativa jesuíta, fruto da Contra-Reforma) e estas mudanças, por sua vez, foram preponderantes para o desenho que o mundo teria nos séculos seguintes (vide o desenvolvimento do capitalismo, conforme a tese de Max Weber, ou a influência dos jesuítas na formação da cultura brasileira).

b) Este patrimônio envolve não somente as conquistas materiais de uma cultura (técnicas, objetos e edificações, entre outros), como também as suas construções imateriais (concepções de mundo, hábitos, conhecimentos, comportamentos, crenças, entre outros);

c) Este patrimônio é dinâmico e está em contínua transformação;

d) A Educação pode ser compreendida como o processo complexo e contínuo por meio do qual uma cultura transmite o seu patrimônio aos indivíduos que a compõem e, ao mesmo tempo, promove a inserção do indivíduo na sua comunidade;

e) Nas culturas ocidentais, principalmente a partir do pensamento grego antigo, a Educação passou a catalisar, também, os anseios de transformação social e cultural, sendo considerada como instrumento fundamental para a modificação dos contextos social e cultural, seja no âmbito da superação de situações históricas específicas, seja no âmbito de realização de modelos ideais.

Propor definições fechadas, principalmente em relação a termos que se referem a situações complexas, significa estabelecer limitações que podem comprometer a compreensão. Considerando este aspecto e tomando como referência o que foi exposto até aqui, assume-se, para esta investigação, a seguinte noção geral em relação à Educação: a Educação é um conjunto de práticas, instituições, concepções e agentes que, em primeiro lugar, tem como finalidade reproduzir o modelo da cultura no qual é realizada, ao mesmo tempo em que, nas sociedades modernas, catalisa os anseios de mudança da realidade social e cultural. Este papel dicotômico que, sob certo aspecto, poderia ser considerado dialético, relaciona-se com as oscilações, contradições e multiplicidades inerentes às discussões dos teóricos e profissionais que se ocupam deste tema.

Retornando ao que foi proposto anteriormente, de conceber uma definição ou noção de Pedagogia aplicável à presente investigação, foi pressuposto inicialmente, diante da multiplicidade de definições propostas para a Pedagogia (como ciência, teoria, técnica ou método), que esta disciplina, de uma forma ou de outra, é um discurso que se estabelece tendo como objeto a Educação. A partir da noção geral proposta para a Educação, propõe-se que a Pedagogia seja o discurso que tem por objetivo fundamentar uma prática educativa que, em seu interior, propõe uma certa relação específica com o duplo papel social que a Educação exerce: de reprodução e de transformação cultural e social. Este discurso chamado Pedagogia pode, por vezes, enfatizar a necessidade de transformação social e cultural através das práticas educativas, como pode, também, dar uma ênfase significativa a valores e práticas tradicionais,

como forma de sobrevivência de elementos culturais considerados fundamentais por um grupo social. Seja como for, de uma maneira mais extrema ou mais branda, toda a Pedagogia, seja conservadora, seja revolucionária, necessita estabelecer uma relação com a cultura instituída, com a ordem vigente, pois não é possível apagar uma cultura e substituí-la por outra. Mesmo que uma ordem social seja alterada, ainda permanecem a língua, os costumes, os valores e demais elementos culturais.

A Pedagogia, enquanto discurso de fundamentação, faz uso de diversos aportes teóricos e práticos. Apóia-se em outros discursos, como o discurso filosófico (as teses de diversos filósofos), o discurso científico (Psicologia, Sociologia, Matemática, entre outras Ciências), o discurso religioso e o discurso político, só para citar os mais conhecidos. Algumas vezes, o próprio discurso pedagógico é articulado como discurso filosófico, científico, religioso ou político. Reitera-se aqui que, por trás de um discurso pedagógico, há necessariamente uma concepção que possui referenciais antropológicos, cosmológicos, epistemológicos e axiológicos. Esta concepção pode ser expressa de forma ostensiva ou estar subjacente ao discurso, mas nunca está ausente. O discurso pedagógico se subsidia de outros discursos, inclusive, para justificar e fundamentar as suas posições antropológicas, cosmológicas, epistemológicas e axiológicas.

Considerando os argumentos expostos, a proposta de uma Pedagogia do Problema, nos moldes da presente investigação, ao se considerar como uma possível Pedagogia, é um discurso de caráter filosófico, cuja finalidade reside em analisar a possibilidade de estabelecer uma relação pedagógica com o conhecimento a partir da perspectiva dos problemas, o que representam e qual a sua função no contexto da produção do conhecimento. De antemão, é possível afirmar que o fazer pedagógico, em seu viés mais prático, tradicionalmente, salvo algumas práticas dissidentes, aceita como pressuposto que os processos educativos estão assentados sobre a autoridade positiva do saber validado pelas instâncias que possuem o poder para fazê-lo. Neste sentido, a proposta de uma Pedagogia do Problema se insere no contexto das teses que postulam um certo tipo de mudança cultural, embora a sua abrangência esteja restrita ao âmbito epistemológico, isto e, à relação que se pode estabelecer com o conhecimento, no processo educacional.

na História da Filosofia com as seguintes palavras: “O ponto de partida de toda a investigação filosófica sempre consiste de uma formulação prévia do problema que se quer solucionar” (1969, p. 29). É possível estender a sua afirmação, também, ao campo da investigação científica. Obviamente, esta afirmação é própria de uma abordagem epistemológica que compreende a investigação como processo e que, ao enunciar os diferentes momentos deste processo, destaca a formulação do problema como marco inicial e fundamental. Seria pouco produtivo enumerar todos os autores que, ao tratar do processo de investigação filosófica ou científica, destacam, de forma reiterada, a importância da formulação do problema para o transcurso das investigações, em geral, ou de suas próprias investigações, em particular. Além disso, freqüentemente, os manuais de pesquisa científica apresentam procedimentos e orientações que tem por objetivo indicar os parâmetros segundo os quais um problema deve ser formulado, para que possa ser considerado como filosófico ou científico. Há autores, inclusive, que consideram impróprio o uso do termo problema, quando aplicado ao âmbito da pesquisa filosófica, mas este é um tema que será tratado mais adiante.

A grande incidência destes discursos (que afirmam a importância da formulação do problema para a investigação filosófica ou científica e que prescrevem procedimentos adequados para a sua correta formulação) parece ‘eclipsar’ o fato de que o problema, propriamente dito, enquanto objeto de investigação, é pouco tratado. A este respeito, Abbagnano faz uma observação curiosa: “Embora falem o tempo todo em problema e achem que é sua função solucionar certo número deles, especialmente dos definidos como ‘máximos’, os filósofos não se preocuparam muito em analisar a noção correspondente” (2003. p. 797). De fato, dizer que alguma coisa é importante e enunciar maneiras adequadas de produzir esta coisa, em moldes aceitáveis por uma comunidade, não é, de maneira alguma, o mesmo que dizer o que é esta coisa ou qual significado é anunciado pelo uso do termo correspondente. O próprio Mondolfo, remonta à questão proposta por Ménon à Sócrates, no diálogo Ménon, de Platão, como formulação do “problema de como é possível procurar o que não se conhece?” (1969, p. 29):

¿Y de que manera buscarás, Sócrates, aquello que ignoras totalmente que és? ¿Cuál de las cosas que ignoras vas a proponerte como objeto de tu búsqueda? ¿Porque si dieras efectiva y ciertamente com ella, ¿como advertirás, em efecto, que es ésa que buscas, desde el momento que no la conocías? (1988, Vol. II, p. 300).

As intrigantes questões propostas por Ménon a Sócrates e mencionadas por Mondolfo constituem um bom ponto de partida para que se possa indagar acerca da natureza

dos problemas, da posição que ocupam em relação ao conhecimento humano e das condições que caracterizam a sua elaboração.