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3.1 A PSICOLOGIA HISTÓRICO CULTURAL E A PEDAGOGIA HISTÓRICO –

3.1.3 A Pedagogia Histórico-Crítica

Iniciaremos esta seção ao apresentar o cenário no qual foi sistematizada a Pedagogia Histórico-Crítica. Saviani (2011) afirma que, no final da década de 70, era urgente a necessidade de se encontrar opções pedagógicas que não fossem a dominante. Em 1968 houve uma rebelião social, que por meio de uma revolução cultural, pretendia mudar as bases da sociedade.

A mobilização foi motivada por ideologias de esquerda como o marxismo e de outras versões como o maoísmo (versão chinesa do marxismo, porém contraposta a esse por ter a marca do stalinismo). No entanto, fracassou e teóricos tentaram explicar a razão do insucesso. Na opinião de Saviani, as teorias crítico reprodutivistas5 emergiram com essa finalidade. Elas questionavam o objetivo do movimento descrito, que era revolucionar a sociedade por meio da cultura e, dentro da cultura, pela educação. De acordo com suas ideias, a cultura não determina a sociedade e sim o contrário, a sociedade determina a cultura. “Se a cultura é determinada pela sociedade, então não é possível fazer a revolução social pela cultural. Seria necessário fazer o contrário. Só se pode mudar a cultura, mudando as bases da própria sociedade” (SAVIANI, 2011, p. 114). Assim, enquanto não houver mudança, a educação reproduzirá a sociedade em que está inserida, uma sociedade desigual.

Saviani (2011) relata que, no Brasil, em um cenário de ditadura militar e milagre econômico, no campo da educação se perguntava: se a pedagogia oficial era inaceitável, qual seria a alternativa aceitável? A visão crítico reprodutivista não conseguiu responder a questão. Após vários estudos, Saviani publica, em 1982, no artigo “Escola e democracia II: para além da curvatura da vara” uma, proposta de pedagogia, primeiramente chamada de pedagogia revolucionária e posteriormente denominada Pedagogia Histórico-Crítica. A intenção era apresentar uma opção que

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Saviani (2008) classifica como teorias crítico reprodutivistas aquelas que compreendem a educação como fator de marginalização. Buscam entendê-la e, para isso, estudam a estrutura sócio-econômica que determina a forma de manifestação do fenômeno educativo.

levasse em consideração os determinantes sociais da educação e que pudesse promover a articulação entre o trabalho pedagógico com as questões sociais. Logo, a denominação Histórico-Crítica representava melhor suas ideias, visto que o seu objetivo era compreender o movimento histórico que se desenvolvia dialeticamente em suas contradições, assim como observar como a pedagogia se inseria no processo de transformação da sociedade.

A base teórica da pedagogia histórico-crítica é o marxismo, mais especificamente expresso no materialismo histórico. A partir desse referencial teórico, Saviani (2011) busca explicar como são produzidas as relações sociais e suas condições de existência e de que forma a educação contribui nesse processo. Também denominado de filosofia da Práxis por Gramsci, o marxismo articula a teoria e a prática, unindo-as na práxis. É um movimento de caráter prático, mas que se fundamenta teoricamente para justamente direcionar a prática.

A partir dessas bases, Saviani (2011) sugeriu um processo pedagógico que absorve a categoria mediação, no qual a educação é encarada como mediação no interior da prática social global. Ele divide esse processo em prática social inicial, Problematização, Instrumentação, Catarse e Prática Social Final. A partir dessa visão, a prática social6 é estabelecida como ponto de partida e ponto de chegada.

Se a educação é mediação no interior da prática social global, e se a humanidade se desenvolve historicamente, isso significa que uma determinada geração herda da anterior um modo de produção. E a nova geração, por sua vez, impõe-se a tarefa de desenvolver e transformar as relações sociais (SAVIANI, 2011, p. 121).

Segundo Saviani (2011), a Pedagogia Histórico-Crítica possibilita que as novas gerações incorporem os elementos herdados e atuem no processo de desenvolvimento e transformação das relações sociais.

Ele analisa a relação do conhecimento e a mediação do professor e afirma que ele é alguém que já apreendeu as relações sociais de forma sintética e portanto, está em

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Masíglia (2011) esclarece que a prática social é o ponto de partida, onde professor e alunos se localizam. Os alunos se encontram num nível de compreensão fragmentado (sincrético) em relação ao conteúdo que está sendo apresentado a eles pelo professor. O professor se encontra no que Saviani classifica como “síntese precária”, isto é, ele tem clareza de seus objetivos de ensino, articula seus conhecimentos e experiências, mas “a inserção de sua própria prática pedagógica como uma dimensão da prática social envolve uma antecipação do que lhe será possível fazer com alunos cujos níveis de compreensão ele não pode conhecer, no ponto de partida, senão de forma precária” (SAVIANI, 2001, p. 70).

condições de possibilitar essa apreensão por parte dos estudantes, utilizando como ferramenta a mediação entre estes e o conhecimento que se desenvolveu socialmente.

Essa mediação é importante, visto que para o ser humano se desenvolver, entender o seu papel no mundo, ele precisa compreender a dinâmica de funcionamento da sociedade e ter um olhar crítico sobre essa realidade. Martins (2012) discorre sobre as contribuições do ensino escolar:

O ensino escolar corrobora a formação e desenvolvimento de todos os processos funcionais, desponta como condição imprescindível ao desenvolvimento do pensamento. Potencializar o alcance possível do longo e delicado processo de formação de conceitos é, a nosso juízo, o ápice da educação escolar, na medida em que é essa formação que proporciona ao indivíduo o verdadeiro conhecimento da realidade (MARTINS, 2012, p. 10).

Para Martins (2012) a condição sine qua non para formar indivíduos livres é que a educação escolar tenha como objetivo principal o desenvolvimento do pensamento complexo, superior, visto que, se assim não for, o poder de decisão do cidadão sobre o seu próprio livre arbítrio, sobre o autocontrole da conduta, fica seriamente comprometido, assim como a possibilidade de transformação do modelo atual de sociedade.

[...] à educação escolar compete corroborar o desenvolvimento do pensamento teórico, uma vez que o conceito eleva a mera vivência à condição de saber sobre o vivido, isto é, permite avançar da experiência em si ao entendimento daquilo que a sustenta – condição imprescindível para as ações intencionais. Cabe destacar, ainda, que a formação dos conceitos ultrapassa a esfera dos conceitos espontâneos, cotidianos, subordinando a si as transformações mais decisivas da percepção, da atenção, da memória e das demais funções à medida da ampliação dos domínios sobre os signos culturais (MARTINS, 2012, p. 10).

Destarte, a Psicologia Histórico-Cultural e a Pedagogia Histórico-Crítica defendem a educação escolar caracterizada pela potencialidade desenvolvimentista e equalizadora dos conhecimentos, em contraposição à secundarização do ensino dos conhecimentos sistematizados historicamente e consolidados pela prática social da humanidade. A apropriação do patrimônio cultural se constitui recurso fundamental no sentido de incentivar a existência ativa dos indivíduos (MARTINS, 2012).

A pesquisadora critica a educação escolar que fragmenta o conhecimento em nome da racionalidade, desconsiderando as outras dimensões da personalidade humana, desvalorizando os aspectos cognitivos e os conteúdos escolares. Ela enfatiza que

esse tipo de ensino leva ao empobrecimento da vida afetiva dos indivíduos, e compromete a sua constituição como cidadão. Provavelmente formando operários prontos a obedecer, sem qualquer visão crítica da realidade, sem conhecimento da sua história, da história das descobertas e da humanidade.

Nessa perspectiva, nossa proposta é promover o ensino de Desenho Técnico de modo interdisciplinar, integrado à História da Arquitetura e da Matemática, a fim de contribuir com o desenvolvimento psíquico do educando e com a sua formação, tanto profissional quanto cidadã.

Para esse fim, utilizaremos como suporte a proposta de Saviani, que constitui um método pedagógico sistematizado em momentos, tendo em vista que, entre eles, existe uma relação de interdependência. A opção pelo termo momentos, em detrimento da denominação passos é sugerida pelo autor, visto que considera que os últimos passam a ideia de sequência cronológica e essa não é a intenção. A divisão da Pedagogia Histórico-Crítica em momentos tem caráter somente didático, pois cada um é constituído por outros momentos articulados e que relacionam-se entre si (CHISTÉ, 2015), a saber:

1) Prática Social Inicial; 2) Problematização; 3) Instrumentalização; 4) Catarse;

5) Prática Social Final;

Para Martins (2011) no momento da prática social inicial é necessário reconhecer tanto o professor quanto o aluno em sua concretude como sínteses de múltiplas determinações e a prática pedagógica como um tipo de relação que pressupõe o homem unido a outro homem, em um processo mediado pelas apropriações e objetivações que lhes são disponibilizadas. Assim, é possível considerar que esse momento deve, com base nas demandas da prática social, selecionar os conhecimentos historicamente construídos que devam ser traduzidos em saber escolar. O ponto de partida da prática educativa é a busca pela apropriação, por parte dos alunos, das objetivações humanas.

De acordo com Saviani (2011) a prática social inicial é a fase em que o professor deve propor desafios aos educandos, no intuito de despertar interesse, mobilizá-los. Por conseguinte, o educador estabelecerá uma relação entre o conteúdo e o cotidiano do estudante, incentivando a aprendizagem.

Marsíglia (2011) considera necessário que o educador faça o diagnóstico do potencial que o aluno apresenta em aprender e não somente a detecção do que ele já sabe, e cabe colocar em destaque:

[...] aquilo que ele só consegue fazer na relação com o professor, ou seja, aquilo que está na zona de desenvolvimento iminente (ZDI). Ao trabalhar com a zona de desenvolvimento iminente já está considerando-se o nível de desenvolvimento atual (o que o aluno já sabe). Em outras palavras, quando o trabalho educativo põe em movimento as funções inter-psicológicas, está também movimentando as funções intra-psicológicas. A síntese precária da qual parte o professor implica suposições sobre o que os alunos serão capazes de fazer com sua ajuda, isto é, suposições sobre a zona de desenvolvimento imediato dos alunos. Se o ponto de partida fosse apenas o conhecimento do nível de desenvolvimento efetivo (atual), as possibilidades de planejamento do trabalho educativo seriam muito escassas (MARSÍGLIA, 2011, p. 33).

O segundo momento do processo pedagógico é a problematização, a consideramos não como um passo procedimental a ser executado, mas que precisa ser contemplado em todo o processo. Marsíglia (2011) a define:

É o momento em que [...] se torna evidente a relação escola-sociedade com as questões da prática social (que precisam ser resolvidas) e os conhecimentos científicos e tecnológicos (que devem ser acionados).Trata- se de colocar em xeque a forma e o conteúdo das respostas dadas à prática social, questionando essas respostas, assinalando suas insuficiências e incompletudes; demonstrar que a realidade é composta por diversos elementos interligados, que envolvem uma série de procedimentos e ações que precisam ser discutidas. No momento da problematização, o professor precisa ter claro como orientará o desenvolvimento da aprendizagem, baseando-se naquilo que já tem como material da etapa anterior e seus objetivos de ensino. Além disso, seu planejamento deve abordar as diversas dimensões do tema e evidenciar a importância daquele conhecimento, fazendo-o ter sentido para o aluno (MARSÍGLIA, 2011, p. 33).

A partir do exposto consideramos importante que o professor explore também a interdisciplinaridade, que nessa pesquisa, ocorrerá, principalmente entre o Desenho Técnico, a História da Arquitetura e a Matemática, assim como outros nichos e dimensões que possam integrar o conhecimento sistematizado às questões sociais e profissionais nas quais os estudantes estão inseridos.

Tal abordagem interdisciplinar busca resgatar historicamente os conteúdos a serem ensinados, para que o estudante não apreenda somente as técnicas de forma

fragmentada, mas também estude o contexto no qual determinada técnica surgiu, com qual finalidade, o que representou, qual importância tem na atualidade e quais suas relações com a realidade do educando. Frigotto (2008) enfatiza a necessidade do trabalho interdisciplinar na produção do conhecimento, nos processos educativos e de ensino, visto que, quando isolamos um conteúdo do seu contexto original, prejudicamos a formação do pensamento crítico do estudante e, como consequência, o modo de pensar fragmentário produz conhecimentos que, ao serem transformados em ação, podem gerar problemas graves como o desconhecimento da realidade e dos motivos relacionados aos problemas presentes na sociedade. A instrumentalização é o próximo momento do processo pedagógico que engloba:

[...] o acervo de apropriações de que dispõe o professor para objetivar no ato de ensinar, isto é, dos objetivos, da seleção de conteúdos e procedimentos de ensino, dos recursos didáticos que lançará mão, etc, [...] e as apropriações a serem realizadas pelos alunos do acervo cultural indispensável à sua formação escolar e que lhes permitam superar a “síncrese” em direção à “síntese” (MARTINS, 2011, p. 2).

Durante todo o processo pedagógico consideramos a importância da mediação docente, em que o professor exercerá o papel de facilitador, incentivador da aprendizagem. Ele será uma ponte entre o estudante e o conhecimento, colaborando para que o educando atinja os objetivos previstos. O professor mediador estabelecerá relações entre os conceitos científicos e os conceitos cotidianos (espontâneos), já discutidos nesse texto a partir da teoria sistematizada por Vigotski.

Para Vigotski (2010), a mediação é a forma de apresentar e tratar um conteúdo que facilita o aprendiz a coletar informações, relacioná-las, organizá-las, debatê-las com seus colegas e com o professor, no intuito de construir um conhecimento que o ajude a entender sua realidade humana e social, assim como interferir nela.

Masetto (2000) defende que o professor deve lançar mão de técnicas e recursos e os divide em três grupos:

No primeiro reuniu as que geralmente são utilizadas para integrar o grupo, equipe de trabalho: apresentação simples, apresentação cruzada em duplas, tempestade cerebral, e outras. O segundo é formado por técnicas de simulação que desafiam o estudante a solucionar problemas propostos: dramatização, desempenho de papéis,

jogos de empresa, estudos de caso, etc. O terceiro é formado por técnicas que colocam o aluno em situações reais: excursões, estágios, aulas práticas, visitas a empresas, escritórios, consultórios, etc. Através dessas atividades é possível verificar a aprendizagem, observando se o educando consegue relacionar a teoria com a prática.

O pesquisador defende que podem ser considerados atos didático-pedagógicos mediadores da aprendizagem a exposição dialogada, a leitura do mundo, a leitura orientada de textos selecionados, os trabalhos em grupo, a pesquisa sobre o tema, o seminário, as entrevistas com pessoas-fonte, as palestras, as análises de vídeos ou filmes, as discussões, os debates, a observação da realidade, o painel integrado, os trabalhos individuais, os trabalhos em laboratórios ou experimentais, a demonstração, as tarefas de assimilação de conteúdos, as tarefas de elaboração pessoal, o grupo de observação e o grupo de verbalização, o uso de recursos audiovisuais, o ensino com pesquisa, entre outros.

Outro momento do processo pedagógico proposto por Saviani (2001) é a Catarse:

Catarse é a efetiva incorporação dos instrumentos culturais transformados agora em elementos ativos de transformação social. Para o pesquisador o momento catártico é o ápice do processo educativo, visto que é nesse instante que se realiza, por meio da mediação, a passagem da síncrese à síntese. Os alunos adquirem uma capacidade de manifestar uma compreensão da prática, em termos tão complexos quanto era possível ao professor (SAVIANI, 1999, p.81-82).

É o momento em que o aluno é solicitado a demonstrar o quanto se aproximou das soluções para os problemas apresentados sobre o assunto proposto. A Catarse é entendida como a síntese do cotidiano e do científico, do teórico e do prático, alcançada pelo educando que atinge um grau intelectual mais elevado de compreensão, subjetivando, interiorizando os conceitos científicos. Em outros termos, a catarse é a apropriação do saber por parte do estudante.

Ela pode ocorrer em diversos momentos da prática educativa visto que é processual e não pontual. Pode manifestar-se em forma de elaboração teórica da nova síntese, por meio da qual o estudante mostra a si mesmo o nível de compreensão do tema ou em forma de expressão prática da nova síntese que é a exteriorização, a manifestação pública de sua aprendizagem pela avaliação. Este é o momento no qual se manifesta como o educando se apropriou do conhecimento, de que forma

resolveu as questões propostas, como reconstituiu seu processo de reconstrução da realidade.

A Prática Social Final completa os momentos concebidos por Saviani para o processo pedagógico. É a retomada das discussões da prática social inicial, no entanto, tanto aluno quanto professor encontram-se em posições diferentes da inicial:

[...] a prática social referida no ponto de partida (primeiro passo) e no ponto de chegada (quinto passo) é e não é a mesma. É a mesma, uma vez que é ela própria que constitui ao mesmo tempo o suporte e o contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a finalidade da prática pedagógica. E não é a mesma, se considerarmos que o modo de nos situarmos em seu interior se alterou qualitativamente pela mediação da ação pedagógica; e já que somos, enquanto agentes sociais, elementos objetivamente constitutivos da prática social, é lícito concluir que a própria prática se alterou qualitativamente (SAVIANI, 2001, p. 72- 73).

Destarte, nossa intenção foi, a partir dos pressupostos relacionados à Psicologia Histórico-Cultural e à Pedagogia Histórico-Crítica, planejar o trabalho que fizemos com os estudantes do curso técnico em eletrotécnica. Em nossa intervenção buscamos nos aproximar dessas ideias tendo a consciência de que os momentos propostos por Saviani são filosóficos, processuais, interdependentes e não seguem uma ordem rígida, engessada. Desse modo, convidamos os estudantes da eletrotécnica a formamos um grupo de pesquisa, norteado pela pesquisa-ação. Apresentaremos de modo mais detalhado nossa proposta de intervenção no capítulo referente à metodologia de pesquisa.

Após tentar compreender como funciona o psiquismo do estudante por meio da psicologia Histórico-Cultural estabelecida por Vigotski e utilizar como alicerce desta a teoria pedagógica proposta por Saviani, a Pedagogia Histórico-Crítica; buscamos adiante estudar o conceito de Desenho Técnico, sua História, assim como estabelecemos relações entre esse, a História da Arquitetura e a Matemática.

3.2 DESENHO TÉCNICO: CONCEITUAÇÕES E BREVE HISTÓRICO

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