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Pedro conhecia o mistério do número sete: “Senhor, quantas vezes devo perdoar ao irmão que

No documento Patrística Vol. 14 - Basílio de Cesaréia (páginas 35-37)

A ORIGEM DO HOMEM SEGUNDA HOMILIA

10. Pedro conhecia o mistério do número sete: “Senhor, quantas vezes devo perdoar ao irmão que

pecar contra mim? Até sete vezes?” (Mt 18,21-2). Pedro sabia muito pouco sobre o mistério. Ainda

não havia aprendido; com efeito, ainda era discípulo. “Até sete vezes?” O mestre não rejeitou o número sete. O discípulo falava conforme sabia. Mas o Senhor o superou largamente.

“Quantas vezes devo perdoar ao irmão que pecar contra mim?” Por que Pedro não perguntou: “Até

seis vezes?”, ou: “Até oito vezes?”, e sim: “Até sete?”. Qual o motivo por que o Senhor não replicou: “Até cem vezes cem”, mas se refere a múltiplo de sete? Nem Pedro fez a pergunta com outro número, nem o Senhor saiu da regra do número sete. Pedro observou que a regra tradicional era antiga. O número septenário acentua a remissão dos pecados, o repouso final, de que é sinal o sábado, o sétimo dia desde a origem. Pedro refere-se a sete vezes, e o Senhor até a setenta vezes sete. Os pecados são castigados sete vezes. Não disse a Escritura: “Quem matar Caim será vingado sete vezes”? (Gn 4,15). Aqui não se trata também de oito, mas de sete. Qual a razão disso? Aguarda um pouco e descobrirás o mistério. O primeiro pecado é vingado sete vezes. O segundo homicídio é o de Lamec. “É que Caim é

vingado sete vezes, mas Lamec, setenta vezes sete” (Gn 4,24). Se, de um lado, o perdão para Pedro é

sétuplo, conforme o castigo de Caim, a vênia, da parte do Senhor, vai até setenta vezes sete, como a condenação de Lamec atinge o número de setenta vezes sete. Por maior que seja o pecado, tão grande será a graça. Se a falta é leve, leve será igualmente o perdão. Aquele a quem pouco se perdoou, com efeito, ama pouco (Lc 7,27). “Onde avultou o pecado, a graça superabundou” (Rm 5,20). Onde se acha, então, o mistério? Chama-se oitavo dia a época do julgamento, em que o pecador será castigado sete vezes, e o que pecou de modo extraordinário, setenta vezes sete. O justo será honrado sete vezes e o justo por excelência setenta vezes sete. Agora, a bondade de Deus para com os homens nos deixa entrever os bens futuros através de enigmas, mas, no momento da manifestação do Senhor, a verdade

será clara e evidente. Ela revelará qual o mérito de cada um. Sem dúvida, o Senhor nos concederá a nós pecadores sete vezes a remissão de nossas dívidas, se aqui na terra for aplacado por meio de nossa confissão e arrependimento. Assim, cientes de como aquele dia é terrível e de que é oferecida aos pecadores ocasião de solver seu débito, façamos previamente penitência, compensando adequadamente as faltas cometidas, e apaguemos nossos pecados, a fim de escaparmos de lá sofrer o peso insuportável de uma dívida acumulada. Digamos, pois, que tal será o sétimo dia correspondente ao oitavo da eterna consumação.

11. “Deus concluiu sua obra e descansou” (Gn 2,2). Naquele dia, já não haverá obras no mundo, nem

casamentos, nem comércio, nem trabalhos agrícolas, mas toda a terra estará abalada, a criação inteira angustiada, o suor será inevitável, e até os justos terão a ansiedade de saber qual a sorte que os espera. Igualmente Abraão não estará temeroso então de ser condenado à geena, mas estará ansioso por saber em que fileira de justos será colocado, se na primeira, na segunda ou na terceira. O Senhor virá dos céus, e os céus se rasgarão, o poder de Deus se revelará, e toda a criação estremecerá. Quem estará, então, livre de temor? Nem os anjos.

Também eles haverão de comparecer, embora não tenham de prestar contas a Deus; entretanto, a aparição gloriosa de Deus incutirá temor a todos. Não ouves a palavra de Isaías: “Oxalá que fendesses

o céu e descesses; diante da tua face os montes se abalariam”? (Is 63,19). Então o mar estará

congelado, a criação ficará parada, a natureza morta. Todo o uso da palavra será ocioso, diante do evento que se revelará dos céus. Então os justos serão arrebatados, então as nuvens lhes servirão de carro, então no cortejo dos justos achar-se-ão os anjos, então os justos, quais estrelas, serão elevados da terra aos céus. Os pecadores, ao contrário, em cadeias e grilhões, devido ao peso dos pecados, resvalarão para baixo, por causa de sua consciência carregada. Aquele sétimo dia, com efeito, é figurado por este sétimo dia:

“Deus concluiu sua obra e descansou”. Naquele dia não existirão mais as ocupações da vida presente. As paixões juvenis estarão adormecidas; não se contratará matrimônio; cessará o desejo de procriação de filhos; já não haverá solicitude acerca de lucros pecuniários. Tu, ó avaro, esquecer-te-ás de tua bolsa. Tu, ó latifundiário, não te lembrarás de terras. Da glória te esquecerás, ó ambicioso. Tais cogitações, todas elas, desvaneceram. A alma comparece diante daquele que a atemoriza, na expectativa de terríveis e iminentes acontecimentos. Com efeito, o temor expele pensamentos apaixonados que tinham direitos de cidade em nossas almas. Onde se instala o temor de Deus, todas as máculas das paixões de nossa mente são purificadas. Este sétimo dia, de fato, é o tipo daquele sétimo dia.

12. “Deus tomou do pó da terra e modelou o homem” (Gn 2,7). Ainda não está perfeitamente acabada

a criação do cosmo. A sequência não foi cortada para se incluir a narrativa acerca do homem, mas foi dito: “Deus criou o homem, concluiu sua obra e descansou” (cf. Gn 1,2; 2,2). Após ter dito que ele repousou, informa-nos a Escritura sobre o modo como criou: “Deus tomou do pó da terra” (Gn 2,7). Ao ouvires a referência ao pó da terra, aprende a permanecer impávido. Não julgues o homem pela aparência externa. Por que haverás de te ensoberbeceres? Se surgirem em ti pensamentos que produzem tumores e inchaço em teu coração, recorda a criação, compenetra-te de como foste criado. “Deus tomou do pó da terra e modelou o homem” (Gn 2,7). Como é possível esquecer-te do que és? Tu te esqueces quando te afastas da terra. Se, porém, jamais te apartas da terra, mas continuas conatural a ela, caminhas sobre a terra, repousas sobre ela, és julgado sobre a terra. Em tudo o que fizeres sobre a terra, seja grande ou pequeno, conserva junto de ti o lembrete de tua pequenez. És irascível e violento? De onde te vem a ira? De falta de atenções? Não pudeste aceitar o comentário de

tua ascendência humilde? Logo tiveste um assomo de cólera? Excita-te a emulação, para replicares em termos piores que aqueles que ouviste? Abaixa os olhos, e a cólera se acalma.

Contempla a terra e reflete. A Escritura declara que sou de humilde ascendência, que fui plasmado da terra. Alguém falou a meu respeito menos do que mereço pelo que sou; ele não afirmou que saí da terra, mas que sou originário de outro homem. Quanto mais não é merecedor de honra um homem possuidor de uma alma que a terra, que se calca aos pés! Eu, porém, considero a terra antiga como sendo minha mãe; e assim nascer de um escravo não se torna uma ofensa, mas é honroso o fato de ter nascido com uma alma. Quem pensava injuriar-me mais honrou-me involuntariamente do que me ultrajou. Quanto a mim, contudo, estou ciente de qual é minha natureza, sei o que sou e de onde vim. Desta forma, o fato de lembrar-nos de que saímos da terra não permite à cólera despertar. Seja uma aliada da razão a terra, sempre presente, qual lembrete.

No documento Patrística Vol. 14 - Basílio de Cesaréia (páginas 35-37)