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Em complementação ao empenho para produzir peixes com o reúso direto de água e conseqüente aproveitamento protéico, deve ser considerada, com igual prioridade, a melhoria da qualidade da água ou do efluente. Este trabalho foi realizado num sistema de tratamento de esgotos domésticos por lagoas de estabilização em série, ambientes que aparentam similaridades com os da produção piscícola por viveiros adubados.

Matheus (1993) conjetura que sistemas piscícolas como pós-tratamento, principalmente usando policultivo, podem ser utilizados para tratamento de águas residuárias pelas seguintes razões: (1) controle biológico adequado pela utilização da combinação correta de espécies filtradoras, onívoras, etc.; (2) baixo custo de manutenção e operação e (3) tal sistema contribuiria para a conservação da energia e produção de biomassa.

Conforme pesquisado e relatado por Milstein et al. (1985a; 1985b e 1988), a

policultura, com objetivo dual de produzir biomassa e melhorar qualidade, deve empregar os seguintes peixes: onívoros ou consumidores de fundo - carpa comum (Cyprinus carpio) e tilápia (Oreochromis niloticus); filtradoras - carpa prateada (Hypophthalmichthys molitrix) e onívoras (consumidoras de macrófitas) - carpa capim (Ctenopharyngondon idella). Nesses experimentos, Milstein et al. (1985a; 1985b e 1988) pesquisaram os seguintes itens com

essas espécies de peixes: (1) o efeito da carpa prateada no policultivo; (2) o efeito dos peixes onívoros no policultivo; (3) a influência da quantidade de tilápia em presença e ausência da carpa prateada; (4) o efeito da carpa prateada na ausência e presença dos peixes onívoros; 5) o efeito dos peixes onívoros na ausência e presença da carpa prateada. Milstein et al. (1985a; 1985b e 1988), de acordo com os resultados alcançados em

seus ensaios, concluíram que, geralmente, as algas são de maiores dimensões no regime de peixamento em policultivo do que em monocultura, e ainda que a presença de carpa prateada resulta no aumento de algas menores, o nanoplâncton, e reduz o número e a diversidade do zooplâncton. As espécies de menor tamanho prevalecem em maior quantidade no meio porque suas células não podem ser utilizadas pelas carpas prateadas, as quais possuem aparelho filtrador constituído de lamelas com abertura de 10-14 m (Starling, 1998). Os peixes filtradores promovem o desenvolvimento de pequenas algas de duas maneiras: diretamente, pelo fato de não consumí-las, e indiretamente, pela eliminação de células maiores que, na realidade, são suas competidoras por nutrientes e também responsáveis por diminuir a quantidade de predador das algas, que é o zooplâncton.

Milstein et al. (1998) afirmam que essa situação remete à velha questão sobre "quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha", ou melhor, se o zooplâncton foi reduzido por causa do consumo direto pela carpa ou se foi reduzido porque as carpas consumiram as algas maiores, que servem de alimento para o zooplâncton. Milstein et al. (1998), credita que os dois efeitos puderam ser verificados em seus estudos.

A participação dos onívoros, do tipo carpa comum e tilápia, com o hábito de revolver o sedimento do fundo, sempre causa liberação de nutrientes para a coluna d'água, decorrendo com isso a fertilização e consequente aumento das algas maiores, e um segundo fenômeno observado e relatado, que é a diminuição na quantidade do zooplâncton. Outro efeito evidenciado é a eficiência estabilizadora desses peixes, ou seja, a capacidade de reduzir as grandes flutuações na concentração do fitoplâncton ao longo das variações climáticas durante o ano (Milstein et al.,1985a; 1985b e 1988).

Outro resultado esperado, devido a esse sinergismo dos peixes sobre a qualidade da água, é a otimização do processo fotossintético que ocorre mediante o favorecimento do desenvolvimento do fitoplâncton, especialmente das pequenas algas (nanoplâncton e picoplâncton). A produção primária garante uma grande variação do regime de oxigênio, gás carbônico, alcalinidade e pH da água do tanque piscícola ao longo do dia (Moscoso e Galecio, 1978). Elevando o oxigênio dissolvido, eleva-se a eficiência da remoção de DBO e da taxa de nitrificação. A maior variação de pH aumenta a remoção microbiológica de coliformes fecais e ainda favorece a remoção de nitrogênio pelo efeito de volatilização do gás amônia (NH3) causada pelo deslocamento do equilíbrio (Bailey Green et al., 1996;

Fazendo menção às intervenções promovidas intencionalmente pelo homem na cadeia trófica, área de pesquisa que tem experimentado excepcionais resultados a nível mundial desde seu surgimento na década de 70, cita-se um tipo de manejo denominada biomanipulação (Starling, 1989; Matheus, 1993; Starling, 1998). O termo biomanipulação designa qualquer intervenção nos mecanismos internos de funcionamento dos ecossistemas aquáticos com vistas a promover a melhoria na qualidade da água (Starling, 1998). A maioria dos estudos de biomanipulação efetuados a partir de 1970 se concentraram na investigação do papel dos peixes fitoplanctófagos como reguladores dos níveis inferiores da cadeia de nutrição dos ecossistemas (Matheus, 1993). No Brasil, esta é uma área muito pouco conhecida. No entanto, existem estudos avançados nesse assunto, principalmente com respeito às tentativas de se obter uma ferramenta adicional para recuperação mais rápida do lago Paranoá, em Brasília (Starling, 1989 e 1998), através da retirada de peixes onívoros (tilápias) e introdução de peixes filtradores (carpa prateada).

De acordo com Starling (1989), a biomanipulação é vista atualmente como uma ferramenta de manejo que se utiliza das interações dos diferentes componentes biológicos dos ecossistemas com a finalidade de contribuir para melhoria da qualidade das suas águas. Starling (1989), em um dos seus estudos, comprovou, através de experimentos em laboratório e em campo, que a carpa prateada pode ser utilizada com eficiente técnica de biomanipulação para o controle da elevada abundância da alga cianofícea

Cylindrospermopsuis raciborskii no lago Paranoá.

Starling (1998) concluiu que o controle da população de tilápias no Lago Paranoá representa uma estratégia promissora, potencialmente capaz de reduzir em 46% a turbidez, em 31% o Fósforo Total, em 70% o florescimento de algas e em 38% a biomassa total de fitoplâncton, resultando um aumento de 33% no nível de transparência da água. Starling (1998) sustenta que o controle da retirada da tilápia poderia ser feito, de uma forma controlada e oficial, através de um programa de liberação da pesca com redes de abertura padronizada para pescadores existentes na região. Atualmente esses pescadores não possuem liberação para a pesca por tarrafas. Essa permissão oficial traria vantagens econômicas para a população que vive da pesca ou se alimenta dessa forma de proteína de custo baixo. Atualmente, esse programa está em implementação, estabelecendo cooperativas de pescadores, com uma fase inicial de treinamento intensivo com ênfase nos aspectos ambientais da despeca (Starling, 2000). Como parte adicional da tática de biomanipulação no lago Paranoá, Starling (1998) enuncia que a introdução de peixes filtradores, como a carpa prateada, estimularia a contínua remoção do fitoplâncton, em especial as algas grandes presentes no lago. Isso poderia diminuir o uso de algicida, atualmente empregado para controle da florescência de Microcystis sp. Starling (1998) reporta que, pelo crescimento observado desse peixe filtrador em seus diversos ensaios,

nas condições atuais do lago Paranoá, existe grande potencial para exploração em monocultivo de carpas prateadas em tanques-rede de forma pouco dispendiosa.

A retirada controlada de tilápias e o manejo na estocagem adicional de carpas prateadas pode vir a constituir em uma importante estratégia de biomanipulação para promover a melhoria na qualidade da água e então acelerar a restauração do lago Paranoá, que é um dos lagos urbanos mais importantes do país (Starling,1998).