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2 REVISÃO DA LITERATURA

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.2 PENSAMENTO CRÍTICO: VERTENTES E DEFINIÇÕES

2.2.1 Pensamento crítico: definições gerais

O termo pensamento crítico tem sido empregado na literatura para indicar os processos mentais envolvidos na habilidade de julgar racionalmente. A palavra pensar/pensamento deriva do latim pensare que traduz um significado de suspender, equilibrar, referindo-se aos pratos da balança, fato que originou em nossa língua também a palavra pesar. Traduzindo o sentido figurado, o de "pesar os prós e os contras", passou a ser utilizado como ponderar, examinar e por fim gerou pensar no sentido de refletir, meditar, raciocinar, formar ideias, elaborando a representação conceitual e a ordenação lógica (Enes, 1979; Houaiss, Villar, 2001). No que tange à etimologia da palavra crítica/crítico, vem do termo grego Kritikos, capacidade para julgar, e Krinein, separar, selecionar, decidir, julgar (Origem da Palavra, 2014).

Uma das primeiras definições e que, ainda hoje, tem sido amplamente utilizada é a proposta por Robert Ennis (1985, 1991, 1993) ao se referir ao PC como atividade reflexiva prática que busca uma ação ou crença sensata. O pensador crítico é sensato, reflexivo, focado em decidir no que acreditar ou fazer. Para isso são necessárias as habilidades e disposições de pensamento, apresentando respectivamente relação com aspectos cognitivos e afetivos da pessoa (Ennis, 1985, 1991, 1993).

A partir da definição de Ennis, percebe-se que o PC é uma atividade prática baseada na busca equilibrada da razão por meio de habilidades e disposições, sendo imprescindível, por parte do indivíduo, possuir disposição para desempenhá- las.

Nesta mesma linha, Richard W. Paul (1993, 1995) acredita que não basta possuir habilidades de PC, sendo necessário atitude para exercê-las. Assim, o pensamento crítico é o modo de pensar sobre qualquer assunto, conteúdo ou problema no qual o pensador aprimora a qualidade de seu pensamento, assumindo habilmente o controle das estruturas inerentes a esse processo e impondo padrões intelectuais sobre este pensamento (Paul, Fisher, Nosich, 1993). A definição ressalta a importância de pensar sobre o pensamento (metacognição) enquanto via necessária para o desenvolvimento da habilidade de PC. Esse processo é fundamental para o desempenho do pensameto consciente, aperfeiçoando-o gradativamente (Halpern, 1993).

Já Edward Glaser(1941) acredita que PC é uma parte do conjunto das habilidades de pensamento, mas não se restringe a habilidades, corroborando com os demais autores ao expor que, além disso, é uma questão de estar empenhado em usá-lo. Compreende assim uma atitude de estar disposto a considerar de maneira consciente os problemas e assuntos que surgem no âmbito de uma situação; o conhecimento dos métodos de investigação e raciocínio lógico e certa habilidade na aplicação desses métodos. Dessa forma, o PC cobra do pensador uma persistência para examinar as crenças e os conhecimentos sob o crivo de evidências plausíveis e que permita novas conclusões (Chaffee, 2009; Fisher, 2013). Para Chaffee (2009), o pensamento crítico é um esforço organizado, ativo e intencionado de uma pessoa com vistas a compreender o ambiente que a cerca, analisando cuidadosamente o próprio pensamento e o das outras pessoas. Dessa

forma, clarificar, melhorar o entendimento e estabelecer relações necessárias com outro conceito (Amorim MMP, 2013; Chaffee, 2009).

O pensamento, para Lipman(1988), é o ato de apropriar-se de um conceito, crença ou opinião, contudo isso não necessariamente implicará um eficiente julgamento. Por outro lado, o pensamento sensível, autorregulado e realizado a partir de critérios que facilitem o julgamento eficaz por meio raciocínio é um pensamento crítico. Assim, considerando o julgamento uma forma de competência, e o pensamento crítico uma forma de pensamento criterioso, não é possível estabelecer competências sem uso de critérios, por meio dos quais o desempenho competente poderá ser avaliado (Amorim MMP, 2013; Lipman, 1988; Passos, 2011). Apenas a partir de critérios predefinidos, envolvendo padrões, leis, metas, métodos, procedimentos, regulamentos, entre outros, será possível diferenciar o pensamento crítico do pensamento não crítico. Dessa forma, por meio do pensamento crítico que é rigoroso, pretende-se alcançar um bom raciocínio (Amorim MMP, 2013, Lipman, 1988).

Em 1990, a American Philosophical Association (APA) formou um júri coordenado por Peter A. Facione (1990), composto por investigadores do pensamento crítico com o objetivo de chegar a um consenso sobre a definição do conceito que poderia apoiar futuros trabalhos de pesquisa. Foi utilizada a metodologia Delphi, que exige a formação de um quadro de especialistas, buscando conjuntamente uma resolução consensual.

A maioria dos pesquisadores concordou que o pensamento verdadeiramente crítico só pode ser exercido por aqueles com a capacidade e a disposição de pensar criticamente. Por esta razão, uma pessoa que é capaz de pensar criticamente e opta por não fazê-lo, não é um pensador crítico. Como resultado desse trabalho, tem-se o Relatório Delphi (Delphi Report). Este relatório é mundialmente utilizado, sendo base conceitual a diversos trabalhos e testes/escalas que avaliam o PC. Está organizado em quatro seções, abordando: na primeira seção, a necessidade de se realizar o estudo, o conceito de pensamento crítico e de pensador crítico; na segunda seção, descreve a metodologia do trabalho realizado; na terceira, as habilidades de PC e na quarta seção, as disposições de PC (Facione PA, 1990).

Para PA Facione (1990), o conceito de PC consensuado no Relatório Delphi foi:

Nós entendemos que o pensamento crítico seja um julgamento de autorregulação que proporciona resultados de interpretação, análise, avaliação e inferência, bem como julgamento com base em evidências, conceitos, metodologias, critérios, ou contextos. Como tal, o pensamento crítico é uma força libertadora na educação e um recurso poderoso na vida pessoal e cívica. É essencial como uma ferramenta de inquérito. Embora não seja sinônimo de bom pensamento, é um fenômeno humano universal e autorretificador (Facione PA, 1990, p. 2).

Este conceito é amplo e inclui não apenas as características do PC, mas também o coloca como recurso para o ensino, além de ferramenta para enfrentar os desafios sociais, políticos e éticos da vida cotidiana em um mundo cada vez mais complexo e multifacetado. Os juízes, com o intuito de delinear o carácter pragmático do pensamento crítico, definem as características do pensador crítico:

O pensador crítico ideal é habitualmente inquisitivo, bem informado, confiante na razão, de mente aberta, flexível, disposto a ser justo na avaliação, honesto em enfrentar preconceitos pessoais, prudente na tomada decisões, disposto a reconsiderar, claro sobre os assuntos, organizado nas questões complexas, diligente na busca de informações relevantes, sensato na seleção de critérios, focado na investigação e persistente na busca de resultados, sendo tão precisos quanto o assunto e as circunstâncias permitam. Assim, educar bons pensadores críticos significa trabalhar em direção a esse ideal. Isto combina o desenvolvimento de habilidades de pensamento crítico com estímulos a essas disposições que de forma consistente produzem conhecimentos úteis e que são à base de uma sociedade racional e democrática. (Facione PA, 1990, p. 2).

Ennis (2013), um dos participantes do Relatório Delphi, enumera 15 disposições de um pensador crítico ideal, sendo elas: (1) buscar uma hipótese clara para uma questão ou tese; (2)procurar e oferecer ponderações claras; (3) buscar a informação; (4) valer-se de fontes confiáveis; (5) avaliar a situação em todo o seu contexto global; (6) refletir sobre a razão original e fundamental das coisas; (7) buscar alternativas; (8) considerar pontos de vistas diversos com mente aberta/flexível; (9) avaliar os próprios pensamentos e crenças; (10) levar em conta os pontos de vistas e opiniões com base nas evidências; (11) ser preciso tanto quanto o assunto permitir; (12) abordar de forma organizada com as partes de um todo complexo; (13) fazer uso das habilidades de pensamento crítico e suas disposições; (14) estar atento aos sentimentos, ao nível de conhecimento e ao grau de maturidade das outras pessoas; (15) buscar a assertividade, a verdade, se o conceito de verdade for apropriado.

Para Paul e Elder (2002), os pensadores críticos se esforçam para desenvolver traços ou características essenciais de raciocínio. Os autores descrevem os nove hábitos intelectuais interrelacionados que levam ao domínio da autodisciplina. Resumidamente, são: integridade intelectual, humildade intelectual, senso de justiça intelectual, perseverança intelectual, imparcialidade intelectual, confiança intelectual na razão, coragem intelectual, empatia intelectual e autonomia intelectual.

Já Chaffee (2012) descreve qualidades básicas para um pensador crítico: mente aberta, bem informado, mentalmente ativo, curioso, pensador independente, argumentador competente, criterioso, autoconsciente, criativo e apaixonado.

Em suma, buscando algum nível de convergência das diferentes definições disponíveis na literatura, pensamento crítico envolve competências ou habilidades cognitivas e disposições do pensador crítico. Estas disposições, que podem ser vistas como atitudes ou hábitos intelectuais, incluem mente aberta, curiosidade, flexibilidade, uma propensão a buscar razão, o desejo de ser bem informado e um respeito e vontade de entreter diversificados pontos de vista, imparcialidade, persistência e prudência (Facione PA, 1990).

Os pesquisadores da área, como Ennis (1985, 1991, 1993, 2013), PA Facione (1990), Fisher (2013), Glaser (1941), Paul (1993) e Paul e Elder (2002), concordam que estas habilidades e disposições estabelecem um complexo quadro normativo que permite aprofundar e compreender as qualidades da cognição humana passíveis de ser estudadas, desenvolvidas e avaliadas.

Entre as diversas definições propostas na literatura, considerando as características e objetivo deste trabalho, adotar-se-ão como fundamentação as propostas do Relatório Delphi (Facione PA, 1990), utilizando os testes California Critical Thinking Dispositions Inventory (CCTDI) e California Critical Thinking Skills Test (CCTST), para mensurar as disposições e habilidades, respectivamente, de PC no ensino de enfermagem (Facione N, Facione PA, 2009, 2016a, 2016b).

2.2.2 Pensamento crítico: revisão e definições específicas no ensino de