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2.1 – PENSAR, SENTIR, QUERER AS CAPACIDADES ANÍMICAS BÁSICAS DO SER HUMANO

Um dos piores erros consiste em acreditar que a pedagogia é a ciência da criança, e não do ser humano.

Janusz Korczak

Todas as atitudes que tomamos em nosso cotidiano, durante a vida inteira, passam por três estágios: Pensar, Sentir e Querer/Agir. A cada decisão que a vida nos impõe, das mais simples, como ir ou não ao cinema, até as mais graves, como cometer ou não um delito, nós pensamos logicamente sobre o fato, avaliamos as sensações que ele nos causa, como: entusiasmo, desânimo, desconforto, determinação, medo, raiva, carinho, vergonha etc. Após este filtro emocional, nós decidimos que atitude tomar sobre o fato. Conforme apresentado por Veiga (2008, vídeo) em aula do projeto Dom da Palavra:

Então consideramos que a arte de educar é proporcionar às crianças um desenvolvimento por inteiro, contemplando o Pensar, o Sentir e o Querer. Que consigam ter um pensamento claro, um sentimento capaz de estabelecer relações de forma saudável, e que consigam realizar coisas boas no mundo. […] Então, estas três capacidades devem estar interligadas, integradas, e sempre conversando e harmoniosamente se estabelecendo.

Compreendendo este processo, percebemos que a formação equilibrada do ser humano depende do desenvolvimento integrado destas três atividades anímicas: Pensar, Sentir, Querer/Agir. Steiner (2007a, p. 99) destaca a importância desta compreensão quando afirma que:

Não podemos compreender o homem no tocante a seu elemento anímico se não o separarmos, articulando-o em pensar, sentir e querer. Mas nunca estes existem puramente, pois os três interagem numa unidade, entremeando-se. E assim ocorre na entidade humana total, atingindo o físico.

A Antroposofia preconiza que cada uma destas capacidades anímicas, olhada separadamente, tem características que lhe são preponderantes:

• O Pensar (pensar cognitivo, cognição, intelecto, memória) se relaciona principalmente com o sistema neurossensorial, e se realiza num estado de consciência que podemos chamar de vigília plena. Do ponto de vista temporal, relaciona-se mais com o passado, onde reside o que já existe como conhecimento.

• O Querer (agir, vontade, ação volitiva) se relaciona com os sistemas metabólico e motor, e se realiza num estado de inconsciência, ou vigília dormente. Isso porque não temos consciência alguma sobre o funcionamento de nosso metabolismo e de nossos movimentos, necessários para realizar nossas ações. Do ponto de vista temporal, relaciona-se com o futuro, o que queremos vir a realizar.

• O Sentir (sensações, vida sensível) situa-se entre o Pensar e o Querer. Relaciona-se com os sistemas rítmicos respiratório e circulatório, e se realiza num estado de semiconsciência, ou consciência onírica. Sabemos que nossas emoções têm efeito direto sobre nosso ritmo respiratório, nossa frequência cardíaca e até sobre nossa pressão sanguínea. Do ponto de vista temporal relaciona-se mais com o presente, representando o reflexo emocional do que acontece a cada momento vivido.

Quadro 2 – As capacidades anímicas do homem Capacidades anímicas do homem Pensar / cognição intelecto / memória Sentir / sensações vida sensível Querer / vontade agir / ação volitiva

Características preponderantes Sistema relacionado e ponto de concentração neuro sensorial - cabeça rítmico respiratório e circulatório - tórax metabólico e motor – abdome e membros Em que estado de consciência se realiza vigília plena / consciência vigília onírica / semiconsciência vigília dormente / inconsciência Relação temporal mais forte com o

passado

mais forte com o presente

mais forte com o futuro

Fonte: Lanz (1990, pg. 28) - Organização nossa

Estas três capacidades anímicas se desenvolvem e se relacionam de forma diferente a cada período da vida. Uma criança pequena, por exemplo, tem o Querer muito forte e intimamente ligado ao Sentir. Quando ela se agita pedindo alguma coisa é porque cada movimento dela está ligado à sua vontade. Já com o idoso acontece o contrário, o Querer tornou-se independente do Sentir, que passou a ligar- se mais ao Pensar. Como sustenta Steiner (2007a, p. 88):

É pertinente à vida humana o fato de se percorrer um caminho das capacidades anímicas humanas à medida que o querer cheio de sentimentos da criança evolui para o pensar cheio de sentimentos do ancião. Entre ambos se situa a vida humana, e só educaremos bem para essa vida humana se pudermos enfocar psicologicamente tal fato[...] É justamente com isso que temos que lidar de várias formas na educação: com o desligamento do sentir em relação ao querer e com sua posterior ligação com o pensar cognitivo. Isso concerne então à idade madura. Só prepararemos corretamente a criança para a idade posterior fazendo com que o sentir possa desprender-se tranquilamente do querer; então mais tarde, como homem ou mulher, ela poderá ligar o sentir liberto ao pensar cognitivo, tornando-se adulta para a vida.

Quadro 3 - Os polos opostos na natureza do homem

Natureza Corporal Anímica Mental-Sensível

Criança Irrequieta e

inconscientemente ativa

Estreita conexão entre o Sentir e o Querer

Caráter volitivo Idoso Tranquila e contemplativa Estreita conexão entre o

Sentir e o Pensar

Caráter mais racional e intelectual

2.1.1 – Desenvolvendo as capacidades anímicas - exemplos

O Pensar educa-se, basicamente, exercitando-se o raciocínio lógico (matemática, álgebra, geometria etc.), vivenciando-se experimentos científicos (biologia, astrologia, botânica etc.), estudando a história, interpretando textos etc.

Já o Sentir desenvolve-se através das experiências emocionais. Estas podem ser proporcionadas pela vivência das relações humanas, pelo contar histórias (contos de fadas, lendas, fábulas, mitos, biografias etc), e pela interpretação de musicas, canções, poemas, pela dança, pelo teatro etc. Interpretando personagens, heróis, vilões, sábios, aventureiros, idealistas, mesquinhos, nobres, plebeus, deuses etc, a criança e o adolescente vivenciam as qualidades que influirão na formação de seu caráter: coragem, solidariedade, avareza, alegria, tristeza, humor, lealdade etc.

O querer, a capacidade de agir, de decidir e atuar, desenvolve-se através do fortalecimento da vontade de criar ou realizar algo absolutamente individual. Para tal, são indicadas as atividades que exigem uma ação manual transformadora, como criar um texto, um desenho, uma escultura, um trabalho em madeira etc. Steiner (2007a p. 62/63) afirma que para desenvolver a vontade é fundamental a repetição:

O sentimento é a vontade envolvente, ainda não nascida; mas na vontade vive o homem total, de forma que na criança é preciso contar com as resoluções subconscientes. [...] Ora, temos que perguntar: como, então, exercer uma influência positiva sobre a natureza sentimental da criança? Só o poderemos pela repetição das ações! Não é dizendo uma vez à criança o que é correto que os senhores provocarão o acertado desempenho do impulso volitivo, mas à medida que a levarmos a fazer algo hoje, amanhã e depois de amanhã. O certo não é impingir à criança admoestações e preceitos de moral, mas em dirigi-la a algo que se considere capaz de despertá-la para o sentimento correto, deixando-a fazê-lo repetidamente. O treino da vontade depende da repetição consciente.

Como vimos, do ponto de vista da Pedagogia Waldorf, as atividades artísticas, muito mais do que simples prazer ou entretenimento, são essenciais para a formação equilibrada do ser humano, e precisam acontecer durante a infância e a adolescência, no período do ensino fundamental. O educador precisa conhecer como se desenvolvem, no decorrer da vida, as capacidades anímicas humanas - pensar, sentir e querer - e saber quando e como estimular seu desenvolvimento em cada criança.