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CAPÍTULO 3 – DETECÇÃO ELETROQUÍMICA DE INTERAÇÕES ENTRE

3.1.2 Peptídeos e Proteínas Associados ao Desenvolvimento da DAlz

Apesar dos esforços contínuos realizados durante anos de pesquisa, as causas primárias exatas da DAlz ainda permanecem incertas [225]. Entretanto, há um consenso de que o desenvolvimento da doença pode estar associado principalmente à ocorrência de dois elementos proteicos cerebrais específicos: os peptídeos β-amiloide (βA) e formas hiperfosforiladas da proteína tau (pTau), os quais formam agregados tóxicos que se depositam no cérebro de pacientes acometidos pela DAlz (placas senis extracelulares e emaranhados neurofibrilares intracelulares, respectivamente), levando progressivamente à morte das células neuronais [209].

3.1.2.1 Peptídeos βA

O acúmulo cerebral de peptídeos βA no meio extracelular na forma de placas senis é considerado o evento inicial que conduz aos danos neurológicos característicos da Dalz. Esta

hipótese – denominada hipótese da cascata amiloide – foi postulada pela primeira vez no trabalho de Hardy e Higgins (1992) [226], e afirma que a deposição das referidas placas desencadeia uma série de eventos patológicos que incluem a ocorrência de danos sinápticos, hiperfosfosrilação da pTau (proteína associada aos microtúbulos) e formação de emaranhados neurofibrilares, culminado na morte celular e declínio cognitivo [226,227].

Os peptídeos βA são gerados a partir da clivagem proteolítica da denominada proteína precursora de amiloide (PPA) [206], proteína transmembrana contendo 770 aminoácidos expressa em altas quantidades em neurônios e que está envolvida em funções como crescimento e desenvolvimento neuronal, formação de sinapses e neuroplasticidade [228,229]. A produção destes peptídeos consiste em um processo fisiológico normal que é intensificado durante os eventos mencionados anteriormente. Além disso, os mesmos contribuem para a homeostase de lipídeos nas células neuronais a partir de sua ligação a moléculas de colesterol e transporte das mesmas [230]. A reciclagem ou degradação de tais fragmentos proteicos é predominantemente realizada em lisossomos [231].

A clivagem da PPA ocorre por meio de dois mecanismos, denominados não- amiloidogênicos e amiloidogênicos (Figura 3.1), os quais são catalisados por uma série de enzimas proteases, incluindo a α- e β-secretase (ADAM10 e BACE1, respectivamente) e o complexo enzimático de quatro proteínas denominado γ-secretase. O mecanismo não- amiloidogênico é mediado pela α- e γ-secretase e resulta na produção de fragmentos proteicos solúveis (sPPAα, p3 e AICD), enquanto que o amiloidogênico envolve reações mediadas pela β- e γ-secretase e tem os peptídeos βA e os fragmentos sPPAβ e AICD como produtos [229,231].

Figura 3.1 – Mecanismos de clivagem da PPA mediados pelas enzimas α-, β- e γ-secretase.

Fonte: Adaptado da referência [231].

A clivagem mediada pelo complexo γ-secretase ocorre em diferentes sítios, o que resulta em uma população heterogênea de peptídeos βA no que diz respeito ao tamanho das cadeias resultantes. Fragmentos com quarenta resíduos (βA1-40) consistem nas espécies mais numerosas, seguido por fragmentos compostos por quarenta e dois aminoácidos (βA1-42), os quais são menos solúveis e apresentam uma maior propensão a processos de agregação [227,232]. Se não forem adequadamente degradados, ou ainda se existir um desequilíbrio entre sua produção e degradação, os peptídeos βA resultantes da clivagem amiloidogênica da PPA tendem a dobrar-se na forma de folhas-β e passam por processos sucessivos de agregação, partindo das formas monoméricas para gerar dímeros, trímeros, oligômeros e fibrilas, culminando na formação de placas senis extracelulares que se depositam no cérebro, levando a danos sinápticos progressivos que conduzem à neurodegeneração e à demência [206,233–236]. Além dos efeitos tóxicos nas sinapses, a presença de peptídeos βA pode comprometer o funcionamento mitocondrial, acarretando prejuízos no metabolismo energético que acabam por favorecer a morte celular [230].

3.1.2.2 Proteínas tau (pTau)

As pTau constituem estruturas proteicas nativamente não-dobradas e altamente hidrofílicas, que são membros da família de proteínas de associação a microtúbulos (MAPs) [237]. Os microtúbulos são polímeros de α- e β-tubulina que formam um dos principais

filamentos proteicos que constituem o citoesqueleto das células eucarióticas. Estes componentes, além de manter a estrutura e formato celular, estão envolvidos no processo de divisão celular e no transporte de materiais e vesículas no interior da célula, o qual é realizado por proteínas motoras (dineínas e quinesinas) que se movem na superfície dos mesmos [237,238].

A formação e estabilização dos microtúbulos são reguladas pelas MAPs, incluindo a pTau. Especificamente, a pTau é expressa predominantemente em neurônios, e apresenta localização axonal. Assim como outras MAPs, a pTau tem papel essencial na formação, estabilização e organização dos microtúbulos nos axônios. Além disso, atua no controle do transporte intracelular a partir da regulação da atividade motora das quinesinas e dineínas ao longo dos mesmos [239].

Após ser sintetizada, a pTau pode ser modificada estruturalmente por meio da inserção de diferentes grupos funcionais ou associação a outras proteínas. Entre tais modificações estruturais, podem ser citadas reações de fosforilação, acetilação, ubiquitinação, nitração e glicação, entre outras, as quais geram diferentes proteoformas que participam da regulação da função da pTau como um todo nos neurônios [240,241]. De modo especial, a fosforilação da pTau controla a sua afinidade de ligação às moléculas de tubulina nos microtúbulos, o que é regulado por cascatas de sinalização envolvendo quinases e fosfatases (enzimas que catalisam a transferência e remoção de grupos fosfatos de seus substratos, respectivamente) [238,242]. Em condições normais, a pTau é fosforilada em múltiplos sítios (em cerca de trinta dos setenta e nove disponíveis para fosforilação) [243], o que é importante para a dinâmica de construção e desconstrução dos microtúbulos existente nos neurônios saudáveis [244]. Entretanto, processos de hiperfosforilação podem ocorrer durante eventos patológicos que originam as doenças neurodegenerativas conhecidas como tauopatias, entre as quais está a DAlz [240].

Ao contrário de sua forma normal, formas hiperfosforiladas da pTau são insolúveis, apresentam uma drástica diminuição na afinidade de ligação aos microtúbulos e associam-se entre si para formar estruturas filamentosas de conformação helicoidal que se redistribuem e culminam na formação de emaranhados neurofibrilares [236,238] (Figura 3.2), os quais se depositam no corpo celular dos neurônios afetados [238,242]. Neste sentido, a neurotoxicidade exercida por tais formas hiperfosforiladas da pTau relacionam-se a falhas da atuação adequada da mesma na estabilização dos microtúbulos [238], o que diretamente bloqueia o transporte vesicular de nutrientes e outras moléculas essenciais no interior dos neurônios, levando à neurodegeneração e morte celular [209].

Figura 3.2 – Efeito da hiperfosforilação na atividade da pTau e formação de emaranhados neurofibrilares.

Fonte: Modificado da referência [236].

Os efeitos tóxicos da pTau podem também estar relacionados com o aumento da produção e acúmulo de peptídeos βA no espaço extracelular, uma vez que a formação de emaranhados neurofibrilares de formas hiperfosforiladas da pTau é um dos eventos que integram a hipótese da cascata amiloide [226,245]. O desequilíbrio na produção e degradação dos peptídeos βA pode levar indiretamente a uma disfunção nas atividades de enzimas quinases e fosfatases, ocasionando fosforilações múltiplas nas moléculas de pTau e, consequentemente, a formação de seus respectivos agregados neurotóxicos [245].