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Pequenas cidades: Entre conceitos e identidades

A definição do que é uma cidade depende da ótica adotada, tendo como pressuposto que ela é resultado de uma construção histórica, social e econômica, portanto, não representa uma definição única, tendo em vista a sua identidade, sua concepção, sua particularidade. Geiger (1963, p. 12) afirma que “não existe uma fórmula para definir cidade [...] cidades são

frutos de civilizações distintas, são formadas em condições históricas diversas e pertencem a sistemas econômicos diferentes”.

Devido às suas especificidades que as tornam únicas, há necessidade de que sejam estudadas, como diz Jurado da Silva (2011) “com prudência. Isso para que não se venha proferir generalizações e simplificações propondo uma regra universal e categórica para a definição desses centros”.

A compreensão do que vem a ser uma cidade pequena deve superar o senso comum, o imaginário que povoa as mentes das pessoas, que a relacionam à tranquilidade, à falta de oportunidade ou até mesmo ao saudosismo de épocas passadas. O presente estudo deve ultrapassar esses limites reducionistas trazendo à concepção das cidades de pequeno porte, a sua identidade, bem como a possibilidade de percebê-las enquanto espaços de vivência, frutos de uma construção histórica, que traz em si aspectos sociais, econômicos e políticos. Jurado da Silva traz a discussão desses aspectos quando diz:

Quem nunca ouviu indagações a respeito das cidades pequenas, tais como: cidade pequena pacata, cidade pequena miserável, cidade pequena que vivi, nasci ou que conheci? Contudo, esse movimento não cessa e possui uso muito amplo, reproduzindo-se como recortes espaciais e como uma percepção do espaço, baseada na vivência e no sentido prático da construção social e econômica empregada pelas pessoas corriqueiramente (JURADO DA SILVA, 2011, p. 36).

A conceituação de pequena cidade não é fácil, pois há concepções que levam em consideração valores quantitativos (número de habitantes ou extensão territorial, por exemplo) e outras, os valores qualitativos, que apesar de mais subjetivos, são bem interessantes. Esses levariam em conta, a qualidade de vida, o bem-estar da população.

Endlich (2006) traz a discussão de que

O conceito de pequena cidade é daqueles de difícil elaboração. As localidades assim denominadas oferecem elementos para se discutir não só o conceito de cidade, pois nelas são avaliados os qualificativos que devem compor o limiar entre a cidade e a não-cidade. As pequenas cidades são localidades em que tais requisitos se apresentam, ainda que com patamares mínimo (ENDLICH, 2006, p. 85).

Se não há como definir uma cidade, adotando apenas um critério, as pequenas cidades também passam por essa mesma sistemática. Também no caso das cidades pequenas, vários critérios devem ser adotados para que a delimitação não seja arbitrária, por isso devem ser

observadas as condições históricas, geográficas e culturais de cada uma, respeitando as suas especificidades e a relação que têm com outras cidades da região.

Um estudo da representação das pequenas cidades “deve necessariamente fazer uma análise das variáveis econômicas e sociais no contexto regional, observando as especificidades da área em que está inserida”, bem como “as particularidades históricas e culturais, avaliar as políticas públicas” implementadas (SOARES e MELO, 2005, p. 3).

Assim sendo, as cidades pequenas podem ser compreendidas como espaços que vão ganhando forma no decorrer do tempo, devido às relações que aí se estabelecem. Toda a reestruturação, inovação ou manutenção de espaços e edificações primam por essa construção que é histórica, social, econômica e também povoa o imaginário, constitui a identidade, formando-as. Tudo se enquadra nessa formação, a reformulação de espaços é constante, pois os interesses também o são, o antigo e novo permeiam as novas relações.

Ademais, as ruas, as quadras, os monumentos, os espaços públicos, a distribuição espacial das edificações, das moradias e dos equipamentos urbanos revelam os meandros do processo de expansão urbana e nos remete a pensar nos constantes processos de refuncionalização dos espaços, onde o novo aparece metamorfoseando o antigo, que se refuncionaliza a fim de atender novos interesses, e cujas novas configurações da forma sobrepostas aos resquícios permanecentes ao escoar do tempo nos convidam a pensar os vários caminhos trilhados na formação da identidade das cidades (PEREIRA, 2011, pp. 14 – 15).

A conceituação de pequena cidade não é tarefa simples pelo fato de haver dificuldades teóricas para a fundamentação desse conceito. Não há uma definição muito clara de suas características. Portanto, há que se definir critérios para que essa caracterização seja melhor trabalhada e aprofundada na pesquisa proposta.

O desenvolvimento da noção ou mesmo do conceito de pequena cidade se esbarra em questões que se relacionam por um lado, com dificuldades teóricas mais amplas como a própria problemática da definição de cidade, no contexto contemporâneo. Por outro, diz respeito também ao frágil conhecimento empírico dessas espacialidades (ALVES et al, 2008, p. 9). Não há no Brasil um conceito de pequena cidade que possa ser considerado mais amplo, porém, ao se utilizar o termo, ele está carregado de significados tanto no âmbito intelectual quanto no âmbito do senso comum, visto que tal conceito está imbricado de diversos sentidos, visões e análises. O termo pequena cidade ao ser utilizado, não se reduz ao número de habitantes, como parece ser para a maioria das pessoas um critério de análise, pois não seria o suficiente para tratar de sua dimensão, visto que levaria a uma interpretação

equivocada, pois haveria uma generalização incapaz de esclarecer as diferenças encontradas em sua gênese e dinâmica econômica, social e política.

Santos (1981) ressalta que além do número de habitantes, que segundo ele, é artificial, o que define uma cidade é o seu dinamismo e desenvolvimento.

As estatísticas internacionais estabeleceram um marco de 20.000 habitantes para esse tipo de cidade, mas isso, no entanto, não significa grande coisa, visto como um marco numérico é sempre artificial; os marcos reais são os funcionais; isto porque só a partir de um certo estágio de desenvolvimento e dinamismo é que a cidade se define (SANTOS, 1981, p. 15).

Para Santos (1982) para que uma aglomeração seja considerada cidade, existe uma dimensão mínima que está relacionada à capacidade de satisfazer “[...] as necessidades vitais reais ou criadas de toda uma população, função essa que implica em uma vida de relações [...]” (SANTOS, 1982, p. 71).

Gonçalves (2005, p. 199) endossa essa ideia ao dizer que “compreendemos as cidades pequenas como uma das dimensões socioespaciais, geradas pelo processo histórico de produção do espaço urbano e regional”. Segundo ele, vários são os elementos que caracterizam as pequenas cidades, quais sejam, “as dimensões espaciais, o número de habitantes, a pouca diversidade de funções urbanas, a dependência de um centro maior, a temporalidade lenta”. Porém, mesmo entre as que são definidas como pequenas, há diversidade. A generalização não cabe enquanto critério de caracterização, pois é possível encontrar em meio a cidades consideradas pequenas, aquelas que cumprem um papel mais centralizador, ao fornecer trabalho, acesso a bens e serviços a outras ao seu entorno, assumindo assim, muitas vezes, uma característica que seria mais comum a uma cidade de porte médio ou grande.

É interessante que se faça a análise da cidade pequena a partir dos aspectos qualitativos como um complemento aos dados quantitativos, pois estes geralmente incorrem à generalização e com isso, à rotulação do lugar, na maioria das vezes de forma pejorativa. É comum ao se tratar de cidades pequenas a atribuição de um menor volume populacional, como se essa característica fosse o suficiente para dar conta da amplitude de seu significado. Porém, sabe-se que a funcionalidade local é também outra caracterização que se faz. Cidades próximas a centros industriais consideradas “dormitórios”, cidades sem oportunidades de lazer, cultura ou trabalho podem figurar entre aquelas consideradas cidades pequenas, mas podem ter diferentes características de extensão territorial urbana e mesmo de contingente

populacional. Mesmo que essas características não sejam suficientes para defini-las, são bastante utilizadas. O que se pode destacar é que a generalização é reducionista e não dá conta da teia de relações que se estabelecem em todos os lugares em que há uma concentração humana, seja ela pequena ou grande. Santos (1982) chama a atenção para esses aspectos:

Quando se fala de cidades pequenas, a noção de volume da população vem logo à mente. Aceitar um número mínimo, como o fizeram diversos países e também as Nações Unidas, para caracterizar diferentes tipos de cidades no mundo inteiro, é incorrer no perigo de uma generalização perigosa. O fenômeno urbano, abordado de um ponto de vista funcional, é antes um fenômeno qualitativo e apresenta certos aspectos morfológicos próprios a cada civilização e admite expressão quantitativa, sendo isso outro problema (SANTOS, 1982, p. 70).

A busca por critérios para a definição do que seriam as pequenas cidades, que é preocupação de vários pesquisadores, precisa superar os dados estatísticos e demográficos, pois além desses, há outras variáveis a serem observadas como as dimensões territoriais, econômicas, funcionais, sociais, políticas, históricas, culturais, ambientais, buscando-se privilegiar, segundo Endlich (2006), essas dimensões, bem como as particularidades de cada espaço, para que a compreensão dessa relação se estabeleça de forma mais abrangente.

Assim, a cidade sendo fruto da realização humana reflete seu tempo e as relações dialéticas que a perpassam, possibilitando um resgate histórico sobre sua constituição, envolvendo também a região da qual faz parte. A partir disso, a análise de transformações, bem como os papéis desempenhados é essencial para a construção conceitual, facilitando a compreensão das especificidades de cada uma, fortalecendo suas particularidades.

As relações que se apresentam na cidade vão além das estatísticas numéricas, elas estão interligadas por vivências, olhares, sentimentos, desejos que trazem à tona, a subjetividade inclusa nessa teia de interconexão. Portanto, faz-se necessário o olhar mais apurado para os fenômenos que estão presentes na vida cotidiana do lugar.

Bacelar (2005, p.10) define a pequena cidade dentro da perspectiva de quem nela vive e se sente incluso em um meio em que é reconhecido, lhe dá segurança e, na maioria das vezes, retrata o sentimento de pertencimento. Ele ressalta que “Nascer e crescer numa pequena cidade sempre foi, para muitos, motivo de alegria. Esta alegria vem do contato direto e explícito com as coisas da natureza e da liberdade de pertencer a um lugar onde as relações interpessoais passam mais pelo campo afetivo que material”.

Os municípios pequenos tendem a ter características que os aproximam da ruralidade. Segundo Veiga (2003), em países com características e importância socioeconômicas iguais ou superiores ao Brasil, a delimitação de urbano e rural utiliza como critérios o tamanho (área do município), a densidade e a localização da população, enquanto que a delimitação brasileira é feita apenas com o uso do critério sede dos municípios como “urbana”, ou seja, apenas o aspecto da organização político-administrativa é levado em consideração. Esse fato faz com que haja imprecisão na verificação da urbanidade ou ruralidade dos municípios brasileiros, que pode e deve ser complementada com o estudo de características regionais.

Fazendo-se uma reflexão sobre os pontos levantados por Veiga (2003), no Brasil o termo cidade pequena, que normalmente diz respeito a uma localidade com características diferentes do que se chama de rural, pode ser considerado sinônimo do município pequeno. Ainda que, a definição do campo do urbanismo, município, de acordo com inúmeros autores, representa a sede administrativa e cidade é - definição dada por Reis Filho e Medrano (2007) - o espaço físico ocupado por uma população com características urbanas. Sendo assim, nesse trabalho, dadas as especificidades brasileiras, cidade pequena e município pequeno podem ser considerados sinônimos. Neste trabalho opta-se por utilizar o termo município, porque as políticas que serão analisadas no final, ou seja, as relacionadas ao desenvolvimento sustentável, incluem também os aspectos rurais.

A discussão sobre a definição do termo cidade pequena aqui realizada é relevante para se verificar as iniciativas locais destinadas ao desenvolvimento sustentável e também à incorporação dessas categorias de cidade, às políticas públicas direcionadas a esse fim.