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Período científico (1881-1941): contexto histórico

4. O TRATAMENTO DO SUJEITO NAS GRAMÁTICAS DO CORPUS

4.1. Período científico (1881-1941): contexto histórico

O século XIX é notadamente referenciado como perìodo histórico de grande ebulição cientìfica e social. É na centúria dos oitocentos que ocorrem muitos dos acontecimentos que modificaram os rumos da história Ocidental. Neste perìodo, desenvolvem-se correntes de pensamento que impactam diretamente a produção intelectual brasileira e tornam o cenário favorável ao advento da modernidade e de todas as transformações dela decorrentes.

O Brasil, nesse momento, é palco de eventos que vão desde a independência do paìs (1822) à proclamação da República (1889), passando pelo fim da escravidão (1888).

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É nesse ambiente de profundas transformações polìticas e sociais que se dá a necessidade de se criar uma identidade nacional para a República recém-proclamada.

No perìodo pós-independência, o futuro que se vislumbrava para o paìs deparava com imensos desafios polìticos, econômicos, sociais e também ideológicos. Não raro, a literatura da época refletia o conturbado contexto de 1800, pondo em questão as noções de brasilidade, ocupando-se da construção de uma marca identitária para a nação brasileira.

No âmbito educacional, a realidade era pouco ou nada animadora. Com uma expressiva população analfabeta e com uma norma-padrão pautada nas regras do português europeu, a consolidação de um modelo linguìstico que abarcasse os fenômenos do PB, bem como a democratização do acesso à educação caminhavam a passos lentos.

Havia, contudo, a necessidade de se reconstruir o ideário nacional, rompendo com a imagem de um Brasil colonial e escravocrata, missão que foi imputada às elites locais.

Convém lembrar que esse processo de rompimento com os grilhões coloniais tivera inìcio a partir da ―invasão lusitana‖ de 1808, após a vinda da famìlia real para o paìs, iniciando o processo de ―libertação intelectual‖ da colônia, a partir das primeiras iniciativas culturais, lançadas por D. João VI, como a criação de uma Biblioteca Nacional, a construção e funcionamento das primeiras tipografias, um teatro, uma orquestra, uma faculdade, instituições vistas como as precursoras de um movimento intelectual com raìzes nacionais, momento em que se considerava a lìngua portuguesa como lìngua de subjugação cultural, uma vez que havia uma polìtica linguìstica traçada desde a época pombalina de imposição da lìngua da metrópole em detrimento da lìngua geral de origem indìgena, adotada e falada pelos jesuìtas até sua expulsão (BASTOS, BRITO e HANNA, 2006, p. 63).

Como bem nos lembra Jesuita (2014, p. 28), ―os gramáticos do século XIX, em sua maioria, membros dessa elite cultural e polìtica, também desempenharam um importante papel no processo de constituição da nossa identidade. Esses intelectuais foram os responsáveis por articular o processo de gramatização da lìngua portuguesa‖.

O autor também nos revela o fato de que a literatura e a gramática figuravam no rol das preocupações da época, por serem representantes de um ideário nacional, o que explica também o grande número de publicações de gramáticas, manuais de uso da lìngua, dicionários, principalmente na segunda metade do século.

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Especificamente no que se refere ao ensino de lìngua portuguesa, havia naquele momento necessidade de se superar os modelos portugueses, até então aplicados ao sistema educacional brasileiro e criar, de fato, parâmetros novos, que guiassem o ensino e aprendizagem do PB.

Conforme afirma Bastos, Brito e Silva (2014, p. 75),

nessa época, há movimentos brasileiros que visam à fixação da lìngua portuguesa como aquela que se distancia de Portugal, sem se diferenciar por completo, implementando caracterìsticas tropicais que definem um falar e um escrever distintos do de Portugal. Podemos mencionar João Ribeiro, que afirma, num artigo publicado pela Academia Brasileira de Letras, que não há dialeto brasileiro, pois a lìngua é a portuguesa tanto para o Brasil quanto para Portugal, os dois grandes paìses de idioma comum; no entanto, percebe-se a existência de um matiz que pertencerá aos brasileiros para sempre, no modo de falar e de escrever.

É nessa conjuntura que, conforme Jesuita atesta, ―No Rio de Janeiro, começa a fervilhar um novo rumo para os estudiosos das Letras, aquilo que Maciel intitulou doutrinas modernas: o método histórico-comparativo‖ (2014, p. 61).

No plano educacional,

as ideias relacionadas ao novo método eram disseminadas no Colégio Pedro II e, para que os candidatos fossem aceitos nos concursos, Maciel alegava que eles precisavam transparecer familiaridade com as teorias de intelectuais como Max Muller, Miguel Bréal, Gaston Paris, Whitney, Littré, Darmesteter, Ayer Brunot, Brachet, Frederich Diez, Boop e adolpho Coelho […] essa novidade positivista na principal instituição de ensino do paìs marcou a quebra parcial da tradição (JESUITA, 2014, p. 62).

Dado o contexto histórico em que a produção cientìfica do século XIX se desenvolveu, faz-se necessário pôr também em discussão a forma como estudiosos da Historiografia da Linguìstica avaliam este perìodo no que se refere especificamente aos estudos linguìsticos.

De acordo com a proposta de periodização aqui adotada, as gramáticas de Maximino Maciel, de João Ribeiro e de Antenor Nascentes estão enquadradas no que se denomina ―perìodo cientìfico‖ (1881-1941) sucedendo o ―perìodo racionalista‖ em vigor de (1802-1881), antecedido apenas pelo perìodo dito ―embrionário‖, que compreende desde as origens até o desenvolvimento do Racionalismo.

―O contributo da nova Ciência Lingüìstica, dedicada à construção da história da lìngua como fenômeno universal, e mergulhada no estudo exaustivo das lìnguas

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clássicas, não conseguiu ambiente propìcio para florescer em terras brasileiras senão a partir da segunda metade do século‖ (CAVALIERE, 2001, p. 59). Soma-se a isso a eclosão do cientificismo que impactou toda a produção intelectual no século XIX, ocasionando uma mudança de perspectiva no que se refere à elaboração de teorias e ao tratamento das questões colocadas em análise, uma vez que a crescente valorização do pensamento cientìfico fez descartar-se teorias que não chegassem à razão por meio da ciência.

O positivismo, o darwinismo e toda a efervescência das correntes de pensamento dos oitocentos fizeram germinar uma gama de estudos linguìsticos que romperam com a tradição racionalista e marcaram uma nova atitude diante dos fenômenos linguìsticos, que passam a ser analisados sob a perspectiva evolucionista, com base inclusive em adaptações da teoria de Darwin acerca da evolução das espécies.

De acordo com Bragadin (2011, p. 29), impulsiona o surgimento de gramáticas histórico-comparativas ―a formulação do novo programa de português, por Fausto Barreto, catedrático da única instituição pública de ensino do Rio de Janeiro na época, o Colégio Pedro II – centro de onde irradiava a nova orientação‖. Além disso, é claro, há que se levar em conta a grande influência dos modelos da gramática histórico-comparada desenvolvidos na Europa e importados.

O perìodo cientìfico é dividido por Cavaliere (2001) em duas fases, a saber, a fundadora e a legatária, sendo esta de cariz mais filológico, caracterizada pelo enfoque em aspectos idiossincráticos do português, e aquela caracterizada pelo foco na palavra, em todos os âmbitos de análise gramatical, resultando numa produção de cunho etimológico. Integra a fase fundadora a gramática de Maximino Maciel e de João Ribeiro, ao passo que a obra de Antenor Nascentes está inserida na fase legatária. É importante destacar, contudo, que a João Ribeiro, dada a sua extensa e significativa produção, é atribuìda participação também na fase legatária.

Cabe lembrar que as fases fundadora e legatária são marcadas pela influência de distintas correntes doutrinárias e modelos de produção gramatical. Num primeiro momento, de encarnado espìrito positivista, a palavra, como objeto de estudo, é analisada conforme os parâmetros das ciências naturais. Posteriormente, é dada nova abordagem ao fato gramatical e as questões inerentes à lìngua vernácula ganham espaço na descrição gramatical. A análise dos fatos linguìsticos compreende, nessa segunda fase, uma especial atenção às peculiaridades da gramática do português, de modo que é possìvel notar um certo afunilamento no que diz respeito aos interesses investigativos.

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Consonante aos ideais da época, tenciona-se, então, atribuir aos estudos linguìsticos o status de ciência. ―Surge, enfim, um novo olhar sobre a gramática, em que o objeto, o fato gramatical, deixa de ser contemplado para ser analisado (Cavaliere, 2001, p. 59).

Essa mudança de perspectiva preparou o terreno para uma posterior ruptura no que concerne aos estudos linguìsticos, que deu inìcio ao perìodo nomeado Linguístico por Cavaliere (2001). Nessa nova fase, a ênfase na descrição do vernáculo cede espaço para as teses de Linguìstica Geral, e emergem correntes linguìsticas que visam, à sua maneira e com base em pressupostos distintos, tratar as lìnguas humanas como objeto de análise de uma ciência dita Linguìstica.