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Capítulo 2. Federalismo e a coordenação federativa como moldura teórica

2.1. Federalismo

2.1.2. O período pós 1994

Com o inicio do Plano Real em 1994, o federalismo estadualista começou a entrar em crise. Abrucio (2005) define a Era do Real dentro de um contexto que viabilizou o Plano Real e acabou desenrolando diversos resultados que apoiaram no fortalecimento do Governo Federal e o consequente enfraquecimento dos governos estaduais.

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Por seu impacto e abrangência de funções, a literatura especializada considera o Plano Real uma conjuntura crítica, na qual permite uma mudança de maior impacto nos atores políticos e sociais em suas preferências (Pierson, 2000 apud Abrucio 2005).

O sucesso do Plano Real reduziu a inflação e estabilizou as transferências intergovernamentais, fortalecendo o Governo Federal e permitindo que este realizasse melhor condução da descentralização nas políticas públicas. Enquanto isso, os governos estaduais começaram a entrar em uma fase de crise financeira, já que o Plano Real estabilizou a inflação e as dívidas dos estados antes escondidas pela alta inflação foram reveladas em sua dimensão real. Os estados ainda repassavam para a União seu endividamento crescente. Como forma de interromper este fluxo, o Governo Federal teve que coordenar o processo de privatização dos bancos estaduais, na tentativa de saldar parte da dívida dos estados e frear novos endividamentos como afirmam Abrucio e Costa (1999).

Como continuação da política de ajuste das finanças, foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000, restringindo ainda mais o endividamento dos estados e municípios, inclusive com imposição de teto de gastos com a condicionalidade de punição, caso o mesmo fosse ultrapassado. Do lado do Governo Federal, houve uma preferência pelo aumento da arrecadação por meio dos Fundos de Participação e pelo Fundo Social de Emergência (atualmente chamado de Desvinculação das Receitas da União – DRU) que, segundo Abrucio e Franzese (2007) informaram, “funcionou como mecanismo de desvinculação dos limites dos limites constitucionais federais à educação e saúde e a Lei Kandir que desonera do ICMS as exportações e promete compensação federal.”34

Nos anos 90 o Governo Federal trabalhou em torno de políticas nas áreas sociais que pudessem aperfeiçoar a coordenação federativa. Seus principais exemplos ocorreram nas áreas de Saúde e Educação, basicamente por meio da “vinculação de repasse de recursos financeiros à prestação mais controlada de serviços pelas esferas de governo subnacionais, pela fixação de metas ou pela adoção de padrões nacionais de políticas públicas.”35

Em meados dos anos 2000, com a redução do impacto da crise fiscal, tem início uma agenda reformista nos estados pensando na necessidade de ampliação de políticas e formas de intervenção governamental, como sua maior atuação no campo das políticas públicas. Apesar de indefinições quanto a seu papel em alguns setores e início de atuação em outros

34Abrucio e Franzese (2007) p. 9 35 idem

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(Abrucio, 2010), os estados têm encontrado espaço principalmente em políticas orientadas para o desenvolvimento econômico, e a coordenação federativa, principalmente neste campo de atuação, tem mostrado avanços apesar das instabilidades de atuação como coordenadores regionais dos municípios.

A coordenação e a cooperação intergovernamental ganharam terreno com base em duas formas de colaboração federativas; a primeira pode ser definida como sistema federativo de políticas públicas com o Sistema Único de Saúde (SUS) como seu precursor e que já na Carta Constitucional possuía suas bases, reforçadas por Lei Orgânica por meio do princípio da hierarquia e regionalização de recursos. (Abrucio, Franzese, Sano, 2011). O modelo do SUS pressupõe uma articulação federativa nacional, tendo a União papel de coordenador, indutor e financiador, e as unidades subnacionais mantiveram considerável autonomia na implementação e produção de consenso sobre a política. Para tanto, a capacidade institucional do Governo Federal atuar na área e a existência de fóruns intergovernamentais de discussão e deliberação na forma de conselhos horizontais e verticais são quesitos fundamentais para a continuidade do consenso e ações colaborativas do sistema para a saúde. Interessante de se notar é que este tipo de modelo de sistema de poítica pública tem sido bem aceito e atualmente encontra-se em fase de expansão para outros setores como Educação e Assistência Social, o que cria mais estímulo para a coordenação federativa36. Franzese e Abrucio (2009) apontam para três fontes a saber, normas constitucionais que apoiam a interdependência federativa, reação do Governo Federal em busca de proposição e execução de ações de coordenação federativa e o exemplo bem sucedido do SUS. O modelo de sistema envolve também Conselhos horizontais e verticais que são arenas intergovernamentais de discussão e deliberação, que são os fóruns bipartites e tripartites dentro do SUS e os Conselhos de Secretários Estaduais.

A Assistência Social, por sua vez, pelo SUAS (Sistema Único de Assistência Social) também criou suas arenas intergovernamentais de deliberação e formas de gestão municipal. Entretanto, teve como legado um conjunto de programas diferentes promovidos por diferentes agências governamentais e instituições filantrópicas, de forma descontinuada

36 A adoção da coordenação federativa conforme Abrucio (2010, 2011) aponta dá-se como forma alternativa à

dicotomia centralização versus descentralização, visão que tem se instalando em várias políticas, onde prepondera a negociação mais frequente com estados e municipios mais autônomos na elaboração e na implementação de programas governamentais. Essas estratégias de coordenação têm sido implementadas nas áreas de saúde, assistência social e, em menor escala, na segurança Pública. Normalmente as ações partem da União, uma vez que os estados ainda encontram dificuldades em assumir um papel de coordenação nos municípios.

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e fragmentada, com problemas de desarticulação intergovernamental inclusive dentro da esfera federal, estadual e municipal. Da mesma forma que o SUS, Normas Operacionais Básicas para transferências de recursos foram estabelecidas e os objetivos do sistema são semelhantes aos do SUS: “estabelecer divisão de competências e responsabilidades entre as três esferas de governo, níveis de gestão para cada uma das esferas e mecanismos e critérios para transferência de recursos.”37

No caso da educação, a criação do FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) acumulou 60% dos recursos relacionados a estados e municípios, com o objetivo de redistribuir estes recursos de acordo com o tamanho da rede em termos de matrícula, levando a uma redistribuição horizontal de montante entre as municipalidades em cada estado, com a expectativa de que houvesse responsabilização do ensino fundamental, além de parte destes recursos serem destinados ao salário dos professores e sua capacitação, reduzindo as desigualdades de condições entre os entes, e caberia à União suplementação de verbas aos estados que não atingissem o mínimo de financiamento por aluno por ano. A ação de coordenação da União pelo FUNDEF acabou gerando maior consciência intergovernamental (Abrucio e Franzese 2007; Abrucio, Franzese, Sano, 2011).

Outro instrumento cooperativo que tem ganho terreno nos últimos anos é o associativismo territorial, materializado em diversos formatos como consórcios, arranjos territoriais e intersetoriais coordenados pela União como por exemplo os Territórios da Cidadania, Territórios Rurais, Conselhos Nacionais de Segurança Alimentar, Comitês de Bacias, Regiões Metropolitanas, Regiões de Desenvolvimento (RIDEs) e os Arranjos Produtivos Locais (APLs).

O associativismo territorial é definido por Abrucio, Sano, Sydow (2010) como “uma aliança, com maior ou menor grau de formalidade, entre níveis de governo, tanto no plano horizontal como vertical, no qual o território se torna referência a partir da qual se organiza a política pública.” Com o crescimento do papel do governo federal no processo de consorciamento, é possível de se observar que os instrumentos de colaboração intergovernamental entraram definitivamente na agenda do governo Lula, e como tem sido visto neste início de governo Dilma Roussef, a sua permanência como regime de politicas públicas. Outro ponto interessante a se destacar é o fato de haver muitas ações vinculadas a

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programas ou políticas públicas específicas. Por um lado, observa-se um destacado número de consórcios intermunicipais, por outro lado, a participação dos estados nos consórcios ainda é baixa, com sinais de crescimento de sua participação na articulação de parcerias com municípios e ainda em sua indução.

O despontar de iniciativas de associativismo territorial de forma alguma impacta na descentralização com base no municipalismo, na verdade torna-o mais entrelaçado tanto horizontal quanto verticalmente, aumentando a coordenação e cooperativismo.

Os consórcios, associações de dois ou mais entes da mesma natureza, são segundo afirmam Abrucio, Franzese e Sano (2011) e Abrucio, Sano e Sydow (2010) a articulação territorial mais importante no Brasil. Há uma relação de igualdade que preserva tanto a decisão quanto a autonomia dos governos locais, que não admite subordinação hierárquica a qualquer dos parceiros ou entidade administradora. Os principais exemplos de consórcios vêm exatamente da área da saúde, educação e meio ambiente. O maior número de consórcios é formado pela parceria dos municípios com os estados. Dos consórcios realizados entre a União e municípios, as principais áreas são novamente saúde em segundo lugar assistência e desenvolvimento social.

Os Conselhos de Secretários Estaduais consistem em outra forma de associativismo territorial, que têm como objetivo trabalhar na articulação dos estados e Distrito Federal em torno de temas e questões de interesse comuns para desenhar “estratégias de ação coordenada e influir nas políticas que vêm do Governo Federal.”38

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