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Capítulo 2. Federalismo e a coordenação federativa como moldura teórica

2.2. Relações Intergovernamentais (RIGs) e Governança Multinível

2.2.3. Tipos de governança multinível (MLG)

Além do pressuposto de que a governança se tornou multijurisdicional, não há acordo sobre como deveria ser organizada. Hooghe e Marks (2003, 2010) observaram duas visões contrárias que estruturam o conceito.

A primeira versão concebe que a dispersão de autoridade para jurisdições (internacional, nacional, regional, local) em número limitado de níveis, que têm propósitos gerais, acumulando várias funções, incluindo gama de responsabilidades de políticas e, em muitos casos, um sistema judicial e instituições representativas, em que as jurisdições não tem qualquer interseção. Neste tipo de governança, cada cidadão se coloca dentro de uma jurisdição, que se insere dentro de outra jurisdição em uma situação que remete à figura das bonecas russas (uma boneca russa inserida dentro da outra e assim por diante), na qual

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existe apenas uma jurisdição relevante para cada escala territorial. As jurisdições territoriais tendem a ser estáveis por muitas décadas ao passo que a alocação de competências de políticas pelos níveis é flexível.

A segunda visão de governança é nitidamente diferente, pois concebe jurisdições especializadas para prover serviços locais específicos, solucionar problemas de recursos comuns, selecionar padrão de um produto, monitorar a qualidade da água de um rio em particular ou arbitrar sobre disputas de comércio internacional. O número de jurisdições é potencialmente grande e as escalas nas quais podem atuar variam bastante, além de não necessariamente serem fixas, podendo ser flexíveis e enxutas, adaptando-se às necessidades de mudanças na governança.(Hooghe e Marks, 2010). As visões foram chamadas de de Tipo I e o Tipo II propositadamente, para se evitar a complexificação ainda maior do termo. Há uma tentativa de delimitar melhor as características destas categorias, que Hooghe e Marks (2003) denominaram como “jurisdições de propósito geral” para o Tipo I, e “jurisdições de função específica” para o Tipo II (Hooghe e Marks, 2003 apud Best, 2011).

Tabela 1: Tipos de Multi-level Governance

Tipo I Tipo II

Jurisdições de propósito geral Jurisdições especializadas/ setoriais Maior compartimentalização entre as

jurisdições

Maior entrelaçamento (horizontal e vertical) entre as jurisdições

Relação hierárquica entre as jurisdições As relações jurisdicionais são fluídas Governança baseada na divisão territorial

do poder

Governança baseada no campo de política pública ou problemática

Número limitado de níveis jurisdicionais Número ilimitado de níveis jurisdicionais Arquitetura institucional sistêmica Desenho institucional flexível

Constitucionalmente definida, com baixa probabilidade de reformas radicais.

A constitucionalização de um arranjo de MLG II é incremental e demorado

Fonte: Best, (2011), baseada em Hooghe e Marks (2003, 2010).

A governança de Tipo I tem como inspiração o federalismo, por causa da preocupação com o compartilhamento de poder entre os níveis de governo que atuam especificamente em

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alguns níveis. A unidade de análise é cada nível de governo ao invés da política individualmente. As funções são agrupadas e as jurisdições são compartimentalizadas, os níveis jurisdicionais têm número limitado47 e a estrutura de governo envolve todo o sistema/ é sistêmica. O Tipo I não fica confinado apenas aos países. Este tipo apresenta número limitado de jurisdições com propósito geral48, incorporando várias funções, “incluindo uma série de responsabilidades de políticas públicas (policy), e em muitos casos, um sistema judiciário e instituições representativas.” (Hooghe e Marks 2003).

Já a governança do Tipo II está fundamentada em suas especializações/setores de ação, já que consiste em jurisdições de propósito específico em vez de propósitos gerais, com entrelaçamento entre as jurisdições, que são alinhadas em vários níveis (e não apenas alguns níveis limitados) que operam em várias escalas territoriais possibilidade de serem efêmeras, flexíveis e de natureza variável. (Hooghe e Marks 2010)

Jurisdições do Tipo II são desenhadas para responder de maneira flexível as mudanças na preferência dos cidadãos e dos requisitos funcionais. Essa idéia está baseada no argumento de Charles Tiebout no qual a mobilidade dos cidadãos entre jurisdições múltiplas e competitivas proporciona um equivalente funcional à competição de mercado.” (Hooghe e Marks, 2003, 2010).

O Tipo II de governança está estruturado por meio de um grande número de níveis. Ao invés de se conceber autoridade em esferas locais, regionais, nacionais e internacionais bem definidas, deve-se buscar a jurisdição que tem melhor condições de prover o bem ou serviço público. “O estudiosos da escolha pública acreditam que cada bem ou serviço público deve ser provido pela jurisdição que na prática internaliza seus beneficios e custos. O que resulta destas jurisdições em diversas escalas é algo similar ao marble cake.” (Hooghe e Marks, 2003, 2010).

Sob a governança de Tipo II, a capacidade de tomar decisões coletivas e conseguir sua adesão é difusa entre a grande variedade de atores e compreende uma autonomia dispersa da parte dos diversos grupos voluntários. Problemas de ação coletiva são negociados em arenas heterogêneas mobilizadas por vários tipos de grupos. A governança de Tipo II está inserida na estrutura legal determinada pela jurisdição do Tipo I. O resultado disso é um

47 Estudantes de relações intergovernamentais normalmente distiguem os níveis local, regional e central,

apesar de que na prática pode haver variações de número de níveis.

48 O poder decisório esta disperso pelas jurisdições, mas agrupado em pequenos pacotes. Estudiosos de

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grande número de jurisdições do Tipo II relativamente independente e funcionalmente diferenciada ao lado de numeros menores de jurisdições do Tipo I de própósitos mais gerais.

A governança do Tipo I, apresenta um modelo compartimentalizado, com cooperação intergovernamental reduzida, remetendo ao modelo de Autoridade Hierárquica ou Centralizada de Wright. No caso da governança do Tipo II, que apresenta diversos pontos de interseção entre os três entes federativos, lembra também um dos modelos propostos por Wright (1988), o modelo de Autoridade Sobreposta.

2.3. Caminhando para o objeto empírico: o impacto do federalismo e das

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