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Perceções sobre o desemprego juvenil

Perante a relevância que o desemprego juvenil obteve nos anos mais recentes, e os juízos morais a que muitas vezes os jovens que estão nesta situação estão sujeitos nas suas vidas quotidianas, interessou apurar as

perceções sociais coletivamente partilhadas sobre as atuais causas do de- semprego juvenil. Tradicionalmente, do ponto de vista do senso comum, a situação de desemprego dos jovens era, frequentemente, percecionada como resultado da renúncia voluntária ao trabalho, recaindo sobre o(s) jovem(s), acusado(s) de «não querer trabalhar», um juízo moralizante que tendia a ser fundamentado numa ética do trabalho como dever.

Hoje em dia, no atual contexto de promoção da «empregabilidade» dos jovens, ou seja, de promoção da sua capacidade em se tornar «em- pregável», o juízo moral tende a ser dirigido mais à sociedade e a algumas das suas instituições – nomeadamente à Escola e aos sistemas de forma- ção profissional – e ao facto de estas não promoverem, a montante e a jusante da sua ação, a articulação entre competências, qualificações e lu- gares no mercado de trabalho (Alves 2007; Cardoso et al. 2014). Neste contexto, a situação de desemprego juvenil tende a ser vista como resul- tante do facto de os jovens não se encontrarem preparados para os lugares de trabalho supostamente disponíveis, perceção fundamentada numa ética do trabalho como um direito e forma privilegiada de integração so- cial. Por último, existem ainda argumentos que não se fundamentam nem em justificações de ordem individual, nem de ordem da «emprega- bilidade» do jovem, mas de ordem da própria estrutura de emprego e funcionamento do mercado de trabalho, orientando o ónus do desem- prego juvenil no sentido do pressuposto da sua recente compressão.

Ora, longe dos argumentos individualistas de senso comum que ar- gumentavam a «alergia ao trabalho» por parte dos jovens, ou até de mui- tas das teses que se constroem em torno da «empregabilidade» e da su- posta falta de preparação que a escola dará em termos de competências a este nível, existe um largo consenso geracional na sociedade portuguesa

Quadro 1.5 – Predisposição para iniciar o seu próprio negócio em caso de desemprego. Total da população empregada, por faixa etária (%) 15/24 25/34 35/44 45/54 55/64 65 e + Total Sim 24,5 33,1 32,0 26,5 17,4 24,2 28,3 Não 62,8 47,9 53,2 59,8 71,1 75,8 56,9 Não sabe 12,1 15,7 14,8 13,6 8,9 0,0 13,6 Não responde 0,7 3,3 0,0 0,0 2,6 0,0 1,3

Fonte: Estudo «Emprego, Mobilidade, Política e Lazer: situações e atitudes dos jovens portugueses numa perspetiva comparada», 2015.

Pergunta: «Consideraria a hipótese de dar início ao seu próprio negócio se ficasse sem emprego?» Nota: «sim» corresponde aos que responderam «sim, definitivamente» e «sim, provavelmente»; «não» corresponde aos que responderam «não, provavelmente» e «não, definitivamente».

em torno da perceção do desemprego juvenil como tendo causas de na- tureza estrutural, sobretudo associada ao fenómeno de diminuição do volume de emprego e consequente compressão do mercado de trabalho (quadro 1.6).

Com efeito, os portugueses tendem maioritariamente a reconhecer, independentemente da geração a que pertencem, que «há cada vez menos empregos para quem está a entrar no mercado de trabalho» (per- ceção partilhada por cerca de 61% dos portugueses). Trata-se, afinal, de um contexto estrutural já familiar aos portugueses, jovens e menos jo- vens, considerando que já há 20 anos Pais alertava para a falácia da ina- dequação do sistema de ensino ao mercado de trabalho: «o que se passa é que o sistema produtivo, por continuar estruturado em moldes tradi- cionais, não tem respondido adequadamente aos desafios da moderni- zação. [...] As dificuldades de inserção profissional refletem, acima de tudo, uma incapacidade do sistema económico para gerar suficientes pos- tos de trabalho» (Pais 1998c, 175).

Essa «incapacidade» é um traço estrutural que se tem mantido na so- ciedade portuguesa, intensificando-se em períodos de crise económica e financeira. Em grande medida, a subsistência deste traço acontece porque a regulação feita pelo Estado em termos de políticas de emprego tem mantido o seu receituário em termos de políticas públicas: a) políticas

Figura 1.4 – População jovem (15-34) empregada com predisposição para iniciar o seu próprio negócio em caso de desemprego (%)

Fonte: Estudo «Emprego, Mobilidade, Política e Lazer: situações e atitudes dos jovens portugueses numa perspetiva comparada», 2015.

Masculino Feminino Até ao 9.º ano Secundário Pós-secundário ou superior Patrão Trabalhador por conta própria Trabalhador por conta de outrem Contrato sem termo Contrato de trabalho com termo Sem vínculo contrato Outro tipo de vínculo/contrato Vive confortavelmente com o rendimento atual Vive razoavelmente com o rendimento atual Vive dificilmente com o rendimento atual Vive muito dificilmente com o rendimento atual Total 34,8 26,8 26,7 33,3 37,8 85,5 73,0 23,7 30,5 22,4 36,6 54,8 58,0 36,6 24,6 11,6 31,2

de emprego de curto alcance, em grande medida alicerçadas em forma- ção, estágios, contratos de inserção, e políticas de promoção de autoem- prego; b) e políticas de liberalização do mercado de trabalho (flexibiliza- ção laboral, mobilidade profissional, etc.) que não têm tido o suporte de qualquer «mão invisível» na economia portuguesa no sentido de darem os resultados esperados (aumentar o emprego).

Apesar de os valores serem residuais, é ainda interessante verificar como as perceções sobre as causas do desemprego, que passam por fatores estru- turais como o evitamento das empresas em empregar jovens (13,5%) e pela desadequação da preparação escolar em relação ao mundo do trabalho (9,9%), adquirem expressões mais elevadas entre os jovens com formação superior, mais críticos e desiludidos relativamente ao papel facilitador do diploma de ensino superior na entrada e na continuidade no mercado de trabalho. Já os jovens menos escolarizados são os que mais tendem a iden- tificar, ainda, resquícios do tradicional estereótipo de ociosidade entre os jovens como causa do desemprego juvenil, sendo cerca de 10% destes os que aderem à opinião de que a principal causa do desemprego juvenil está no facto de «os jovens de hoje não querem trabalhar».

Quadro 1.6 –Perceções sobre a principal causa do desemprego juvenil. Total da população, por faixa etária (%)

15/24 25/34 35/44 45/54 55/64 65 e + Total Fatores estruturais

Há cada vez menos empregos para quem está a entrar no mercado

de trabalho 64,8 65,0 63,1 69,0 61,1 47,8 60,8 A escola não prepara para

o mundo do trabalho 4,4 5,8 5,9 5,0 3,5 7,7 5,6 As empresas evitam

empregar jovens 5,8 5,7 4,40 4,7 5,6 6,1 5,4

Fatores individuais

Os jovens de hoje não

querem trabalhar 8,2 7,2 10,7 8,2 12,6 10,6 9,7 Os jovens não querem

aceitar trabalho mal pago 5,2 7,8 4,7 8,2 6,8 9,1 7,1 A maior parte dos

empregos não são

interessantes para os jovens 6,3 5,9 6,70 3,2 4,4 4,3 5,1 Não sabe 5,0 2,1 4,40 1,3 5,0 11,8 5,4 Não responde 0,3 0,4 0,0 0,4 1,0 2,5 0,9

Fonte: Estudo «Emprego, Mobilidade, Política e Lazer: situações e atitudes dos jovens portugueses numa perspetiva comparada», 2015.

O desemprego como possibilidade