• Nenhum resultado encontrado

Parte I Enquadramento Teórico

Capítulo 2 – A família como projeto de vida

2.4. Perceções Familiares e Parentalidade

As perceções fazem parte da atividade cerebral do ser humano e consistem na atribuição de um significado a uma determinada realidade, por parte de um indivíduo. Esta função cerebral assume importância na vida do Homem, na medida em que irá permitir-lhe organizar e interpretar as informações que recebe, a partir dos órgãos sensoriais, atribuindo, assim, um sentido àquilo que o meio lhe oferece (Wikipedia).

Neste processo, no qual a memória está implicada, são vários os fatores que o influenciam, desde as experiências de vida do indivíduo, às suas características físicas e cognitivas. Há, portanto, fatores internos e externos ao Homem que influenciam as perceções que este constrói: entre os fatores internos destacamos a motivação e a experiência; quanto aos fatores externos, estes são o conjunto de estímulos próprios do meio ambiente. Exemplificando, a perceção que uma pessoa cega tem das ondas do mar é diferente da perceção de uma pessoa sem esta problemática, pois as informações captadas pelos órgãos sensoriais vão ser interpretadas pelo cérebro de modos diferentes, levando a que a construção do significado das ondas seja igualmente diferente entre ambos.

O mesmo acontece quando falamos de Escola Inclusiva. Como já foi alvo de reflexão, em capítulos anteriores, as perspetivas em relação à inclusão de alunos com NEE, no Ensino Regular, tem vindo a sofrer alterações, ao longo dos tempos, o que se deve em parte às perceções ou representações que os estudiosos e os profissionais ligados às áreas das Ciências Sociais vão construindo, a partir das realidades sociais e escolares de que a Escola tem sido palco.

Todas essas mudanças contribuíram para que as ideias que vão sendo construídas, em relação à Escola, ao Ensino Regular, à Educação Especial e à

inclusão das crianças com NEE, se alterem e sejam influenciadas por

Neste contexto, é de grande importância ter em consideração as perceções que as famílias das crianças com NEE têm acerca da inclusão das mesmas, na medida em que fazem parte integrante do processo educativo e as suas “práticas educativas (…) [têm] implicações no desenvolvimento e ajustamento da criança, bem como na aquisição de um conjunto de competências que lhe permitem percorrer todo um processo de socialização com maior ou menor grau de adequação” (Berns, 1997, in Ruivo e Sani, 2002: 110).

Quando falamos em perceções familiares torna-se pertinente apresentar uma definição de parentalidade, uma vez que as figuras que assumem tal papel têm uma ligação diferente com as crianças e, consequentemente, as suas perceções são diferentes, devido precisamente aos fatores internos e externos assinalados anteriormente.

Assim sendo, e segundo Cruz (2005: 13), entenda-se por parentalidade

“numa tentativa de aproximação a uma definição (…) [desse mesmo conceito, um] conjunto de acções encetadas pelas figuras parentais (pais ou substitutos) junto dos seus filhos no sentido de promover o seu desenvolvimento da forma mais plena possível, utilizando para tal os recursos de que dispõe dentro da família e, fora dela, na comunidade”.

Tendo em conta uma das cinco funções dos pais, sintetizadas por Cruz (2005: 14-15), tendo por base autores como Bornstein (2002a), Palacios e Rodrigo (1998) e Parke e Buriel (1998), nomeadamente satisfazer as “necessidades de interacção social da criança e sua integração na comunidade”, os pais e as famílias, na generalidade, têm uma perceção positiva em relação à inclusão, “embora expressem uma série de reservas comuns” (Erwin, Soodak, Winton e Turnbull, 2001, in Beckman, Hanson e Horn, 2007: 88).

São vários os fatores que influenciam as perceções que cada pai e cada mãe tem em relação à inclusão dos seus filhos com NEE, nomeadamente a qualidade de ensino, os quadros de referência individual que cada um constrói, a correspondência entre as necessidades específicas da criança e os serviços que a Escola oferece, as informações a que têm acesso e as suas oportunidades de escolha e tomadas de decisão.

Estes fatores são enumerados por Beckman et al (2007), que refletem a importância que os agentes educativos, a legislação e o serviço educativo oferecem assumem na confiança que os pais das crianças com NEE depositam no trabalho colaborativo e de resposta às necessidades desta, que a Escola desenvolve.

No que diz respeito à qualidade de ensino, esta corresponde ao modo como a criança se sente na escola, em contacto com os colegas, professores e todos os agentes educativos que dela fazem parte, dando-se destaque às características do docente titular de turma, cuja afetividade e atitudes para com a criança irão determinar o tipo de relacionamento entre ambos. Este fator influencia o bem-estar da criança com NEE, ponto este que para os pais é de extrema importância, para a confiança que irão depositar no docente em questão, bem como na sua perceção em relação aos benefícios e/ou malefícios da inclusão.

As experiências pessoais dos pais, bem como as dos seus familiares e/ou amigos mais próximos, em relação à inclusão das crianças com NEE, irá igualmente influenciar as ideias que irão construir acerca desse mesmo processo. O quadro de referência individual será constituído, assim, pelas suas vivências, mas também pelas opções que lhes são oferecidas (em termos de escolha de escola, professores, entre outros aspetos) e, ainda, o sistema de serviços prestados.

Para além deste conjunto de fatores e informações que vão influenciar elevadamente as perceções das famílias face à inclusão, os referidos autores salientam a influência que a correspondência entre as necessidades específicas da criança e os serviços prestados exerce nesta significação. Trata- se especificamente das considerações de ordem logística, disponibilidade de serviços especializados e do número de alunos que compõem a turma, em que a criança com NEE está inserida. Estes três pontos levam, muitas das vezes, a que os pais pensem na “possibilidade de as necessidades dos seus filhos serem descuradas pelo facto de haver demasiadas crianças na sala de aula em relação ao número de adultos” (Beckman et al, 2007: 91).

Em relação às escolhas e tomadas de decisão, Winton (1993: 19, in Beckman et al 2007: 92) considera que as “famílias são as principais responsáveis e que têm o direito de participar activamente nas decisões relativas aos seus filhos”, como exercício pleno da sua parentalidade.

Devido à complexidade das ações inerentes às funções associadas à parentalidade, que alguns autores encarem-na “como «a tarefa mais desafiante e complexa da idade adulta» (Zigler, 1995: XI, in Cruz, 2005: 14). Exemplo disso são as tomadas de decisão relativamente a questões escolares, já que as mesmas contribuem de uma forma decisiva para a formação da opinião dos familiares, em relação à inclusão das suas crianças com NEE. Beckman et al (2007: 92) alertam para o facto de, muitas vezes, as opções estarem disponíveis, mas haver falta de formação profissional, de informação acerca dessas mesmas opções, bem como constrangimentos de ordem logística.

Esta “falta de informação acerca da inclusão, dos seus direitos (…) [e da oferta educativa, bem como] o modo como a informação é ou não é comunicada às famílias, [assume-se como] um factor essencial para a sua capacidade de tomar decisões” (ibidem).

Todos estes fatores vão ter um peso nesta construção de um significado em relação à inclusão das crianças com NEE, por parte das suas famílias, sendo que podemos encontrar pais que encaram os “programas inclusivos como as oportunidades de aprendizagem que faltavam nas salas de aulas de educação especial (…) [e] outros pais (…) [que sentem] que as suas crianças (…) [necessitam] de serviços altamente especializados e intensivos” (idem: 90). A pertinência desta reflexão prende-se com o facto de haver grande necessidade de se adotar “uma abordagem centrada na família”, (…) [pois é importante que sejam assegurados] “os esforços de intervenção (…) guiados pelas prioridades da família e que as intervenções (…) [tenham] por base os seus recursos” (McWilliam, 2005: 41).

É sabido que as práticas parentais embargam um efeito causal no desenvolvimento da criança e, por esse motivo, o envolvimento parental na educação escolar dos seus filhos é cada vez mais encarado como um aspeto tão importante quanto os outros elementos do processo educativo.

Neste sentido, torna-se imprescindível perceber como encaram os pais este processo de inclusão e o que esperam eles da Escola e da Sociedade, perante as NEE dos seus filhos.

Efetivamente, tem se vindo a caminhar para um gradual reconhecimento da necessidade de se estabelecer uma relação de cooperação entre a escola e a família, nos processos de ensino e de aprendizagem de todas as crianças, assumindo grande relevância quando se trata das crianças com NEE. Assim sendo, quanto mais envolvidos e presentes os pais estiverem em todo este processo, mais positiva será a sua perceção em relação ao trabalho que a Escola desenvolve na construção de uma sociedade cada vez mais inclusiva e que responda à heterogeneidade dos indivíduos.

Como explica Monteiro (2008), de uma relação mais estreita entre escola e família, espera-se “eventualmente mais sucesso académico que conduza, eventualmente, a um maior sucesso profissional e que, consequentemente, conduza a uma melhor qualidade de vida... objectivo feliz!”.

CAPÍTULO 3 - A RELAÇÃO ESCOLA/FAMÍLIA, NA