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Nas avaliações acerca da percepção da doença e seu tratamento deve-se levar em conta dois universos amostrais, quer seja, os profissionais de saúde, bem como a população em geral, assim com a integração destes grupos. Foi observada percepção altamente positiva nos profissionais locais que atuam em saúde pública. Percebeu-se também que há perfeito conhecimento acerca da causa-efeito de eventos associados aos agravos à saúde.

O reconhecimento da importância da malária em Anajás e em outros municípios da mesorregião do Marajó foi evidenciada nas entrevistas. As informações técnicas relativas a doença foi acrescida da dimensão do universo político, que refletiu o

comprometimento dos investimentos em estruturas, que por sua vez objetivaram a otimização de ações de combate e controle da doença.

O uso inadequado de instrumentos de gestão constituiu fator limitante para implantação de intervenções mais eficazes para promoção da saúde local, tanto por parte dos gestores, quanto dos trabalhadores em saúde. Entretanto, avanços para controle da doença no município tem sido empreendido, como a capacitação de lideranças, drenagem de áreas alagadas de risco, pequenas obras de saneamento para eliminação de criadouros do vetor, aterro, limpeza das margens dos criadouros, modificação do fluxo da água, controle da vegetação aquática, melhoramento da moradia e das condições de trabalho da população e uso racional da terra.

Outras estratégias conjuntas contribuíram para o controle da malária, tais como a criação de canais de informação a população sobre a doença, a orientação e informação a população flutuante do município, o aumento do número de laboratórios volantes, a capacitação de voluntários das comunidades distantes da sede do município para diagnostico, tratamento e mapeamento de criadouros para controle da população de anofelinos. Por fim, exemplo curioso foi a implantação do “malariômetro” em uma comunidade rural, onde eram registrados os casos novos e classificada a incidência da doença na comunidade a fim de acionar a equipe de endemias do local. A percepção acerca da doença foi diferenciada na comunidade. Alguns relataram o medo ou temor do acesso malárico, justificando o comportamento de ansiedade e apreensão daqueles que já apresentaram infecções passadas, ao pressupor novamente os mesmos sinais e sintomas. Contudo, alguns indivíduos se vangloriam por terem apresentado vários episódios da doença e que acreditavam ter resistido, graças a sua determinação. Estes consideraram-se quase imunes, ao ponto de se permitirem determinar a melhor forma de tratamento. Outros pacientes foram motivados pela vontade de superação dos intemperes dos episódios maláricos, e se demonstram confiantes na terapia, mesmo conhecendo seus agravantes, considerando-a como um “mal necessário à cura”.

Muitos acreditam que para cura da doença, torna-se necessário esforço para o enfrentamento dos sinais e sintomas da doença associados às reações adversas ao trato gastrintestinal causadas pelos AM. Corroborando este fato, a debilidade e os distúrbios gastrintestinais foram as principais queixas da comunidade.

Chama atenção o relato sobre a forma farmacêutica de comprimidos, a quantidade e as características sensoriais, como o sabor amargo da CQ. Foram descritas alternativas para mascarar o sabor desagradável como a inserção dos comprimidos em massa interna do pão francês ou ingerida com doce de goiaba, acompanhada de bastante líquido. Outro consenso na comunidade foi a percepção de que a redução dos sintomas da doença ocorre a partir do terceiro dia de tratamento, com diminuição gradativa da febre e da cefaleia, persistindo as vertigens e zumbido no ouvido. A sensação de cura estabelecida, neste caso, é percebida em torno do sétimo dia de tratamento.

A população demonstrou pouca percepção acerca das medidas clássicas de prevenção individual da doença, tais como o uso de mosquiteiros impregnados com inseticida, o uso de telas nas portas e janelas, o uso de repelente e, ainda, evitar locais de banho em horários de maior atividade do mosquito, isto é, pela manhã e final da tarde. A exemplo, alguns mosquiteiros distribuídos pelos órgãos oficias foram recortados e utilizados na proteção de hortaliças.

Figura 12. Características peridomiciliar em área urbana no município de Anajás. Fonte: Pesquisa, Anajás-PA, Brasil, 2014.

Na Figura 12 apresenta-se os peridomicílios da sede do município, com destaque para a ausência de telas de proteção nas janelas e infraestrutura precária.Na interação entre o profissional de saúde e a comunidade sobrevêm aspectos sócio econômicos e culturais do marajoara, ao considerar suas raízes indígenas, impressas em seu comportamento.

A princípio, a elevada mobilidade populacional entre as 212 comunidades ribeirinhas do município dificulta a interação entre profissionais de saúde e a comunidade, contudo, o número elevado de notificação provenientes da zona rural aponta elevada mobilidade populacional, favorecida pelo acesso fácil à sede do município por via fluvial.

Apesar de existirem 26 unidades notificantes distribuídas no município, sendo duas na zona urbana e vinte e quatro na zona rural, a maioria dos casos foram registrados na sede do município. A busca ativa nas comunidades rurais mostrou-se instável e ineficiente, a exemplo do ano de 2012, em que haviam apenas cinco barcos para servir os agentes de saúde nas ações preventivas, dos quais dois estavam em manutenção.

A rejeição da estratégia terapêutica ao surgimento dos primeiros eventos adversos é um exemplo clássico em diversos grupos étnicos. No entanto, o comportamento típico e genuíno do povo desta região, sugere avaliação mais acurada das doses dos AM usadas em indivíduos com biótipo marajoara. Isto é corroborado, pelo estado nutricional da população, na maioria das vezes, regido por subsídios puramente regionais, prontamente acessíveis e de certa forma, ainda primitivos, oriundos da caça e pesca e do cultivo de tubérculos como a mandioca e batata.

Outro ponto importante destacado foi a “cultura do tratamento incompleto” ou do “meio tratamento”, que está relacionada a necessidade de subsistência. Tão logo a intensidade dos sinais e sintomas reduz, o indivíduo retorna a suas atividades habituais, geralmente ligadas ao extrativismo do açaí e do palmito, adentrando-se novamente em área de risco. Por fim, o alcoolismo foi considerado um fator importante neste município, pois além da interação medicamentosa, haviam problemas psicossociais envolvidos nos relatos, que podem ter levado ao tratamento parcial.