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2. O LUGAR DA HISTÓRIA: o tempo histórico e teórico para a tessitura APABG

2.5 O lugar da percepção: origens e caminhos

O que é percepção? Responder a essa questão requer trilhar por vários caminhos dados à complexidade da acepção. Poder-se-ia, por exemplo, ligá-lo à abordagem mais fisiológica, a de se perceber o ambiente através dos sentidos. Porém, seria uma abordagem reduzida, pois se limitaria à potencialidade da percepção aos aspectos biológicos. Ou quem sabe, cogitar a percepção no sentido de perceber os estímulos do ambiente e responder aos mesmos, de escolher entre um ou outro caminho, mais relacionado aos comportamentos imediatos. Um

pouco mais amplo em relação ao primeiro, mas foca no comportamento humano, portanto unidirecional. Seja biológico ou de comportamento, ambos parecem não contemplar o entendimento do que seja percepção, sugere um espaço vago, um algo a mais. Mas o que é então percepção? Este vocábulo envolve outros conceitos? Outras ideias, compreensões?

Marin, ao resgatar os estudos sobre percepção, apresenta alguns caminhos trilhados pelo conceito e como este foi se reconfigurando conforme a assimilação e evolução de certos campos do conhecimento. Embora a psicologia seja a ciência que mais se desponta neste gênero, a autora apresenta que a abordagem a respeito da percepção é anterior aos estudos da mesma. Inicialmente tratada em pesquisas a respeito do como se dava o fenômeno da percepção. Que mecanismos fisiológicos e físicos envolvem a percepção dos organismos em relação aos elementos do ambiente. Um tratamento biofísico da percepção (2008, p. 206).

Com o despontar da psicologia a percepção toma outra roupagem, as pesquisas são direcionadas à percepção humana. Os estudos de Wilhelm Wundt, busca reunir elementos para tornar a psicologia uma ciência empírica. Diferencia a experiência mediata, pertencente ao campo das ciências naturais da imediata, onde a investigação envolve a subjetividade, o mundo interno, dados pertencentes à psicologia (ARAUJO, 2009, p. 211).

Com esse objetivo, ele aposta em romper com um modo de fazer psicologia à época, onde a mente ou era tratada com um caráter espiritual (metafísico) ou a concepção material (materialista). Sendo assim, Wilhelm Wundt recusa integralmente as concepções metafísicas, propondo outra que se detivesse à experiência psicológica no sentido próprio. Trazendo o mundo interno (imediato) e o externo (mediato) como elementos que se completam e a não subordinação entre ciências da natureza e a psicologia. Para tanto, usa como metodologia de pesquisa o experimento e a observação, e divide o campo de análise em dois espaços: o da psicologia individual e a psicologia dos povos. Sendo que no primeiro, os experimentos devem ser aplicados à “[...] sensação, a percepção e a representação [...]”, pois podem ser analisados durante seu processo. Ao segundo, só resta para análise à observação, não sendo possível o controle experimental (2009, p. 213).

Observa-se assim, a inserção da percepção nas apreciações da psique humana, todavia com um caráter empírico. Com o foco no comportamento humano, onde se intenciona compreender como os estímulos internos e externos produzem respostas. Quer-se dizer, envolvendo aspectos fisiológicos e comportamentais, uma visão mecanicista do processo. A mudança de rumo acontece com o despontar das ideias da Gestalt e posterior acolhimento desses conceitos pela psicologia ambiental (MARIN, 2008, p. 207).

O termo Gestalt é de origem alemã e significa forma. Estudos realizados por pesquisadores como Kurt Koffka (1886-1941), Wolfgang Köhler (1887-1968), Max Wertheimer (1880-1943) originaram a Teoria da Gestalt. Esta teoria vem contrapor-se a ideia estruturalista de percepção, que se fundava na percepção das estruturas básicas do todo. Para a Gestalt o todo é que permite vislumbrar as partes, portanto dá à percepção da totalidade mais importância (STENBERG, 2000, p. 120).

Embora a Teoria da Gestalt emergisse no campo da psicologia, Marin destaca o seu caráter filosófico. Fato caracterizado “[...] a partir dos estudos de percepção das cores de Goethe e, posteriormente, pela influência na fenomenologia e no existencialismo” (2008, p.208).

Os estudos da psicologia gestáltica influenciam outras áreas, como psicologia social e a psicologia ecológica. Como Kurt Lewin que, segundo Carvalho e Steil, ao desenvolver “[...] as noções de ecologia psicológica, espaço vital e campo psicológico nos quais a percepção torna-se conceito chave para a psicologia social na compreensão das relações recíprocas entre a pessoa, o comportamento e o ambiente” (2013, p. 61). A partir dessas intersecções surge à psicologia ambiental que sofreu estes influxos, oriundos da ampliação dos conceitos de inter- relação entre ambiente social, físico e aspectos psicológicos (PINHEIRO, 1997, p.385).

A psicologia ambiental, área recente da psicologia, emerge nos anos 1960. É uma área da psicologia que procura compreender a estruturação do espaço físico, seja artificial ou natural, em conexão com o ser humano. Ou conforme destacado por Moser “A Psicologia Ambiental estuda a pessoa em seu contexto, tendo como tema central as inter-relações – e não somente as relações – entre a pessoa e o meio ambiente físico e social” (1998, p. 121). Não excluindo da relação às extensões culturais e sociais, inerentes ao ambiente onde se insere o humano, e que intervêm na percepção do segundo sobre o primeiro. Quer-se dizer, de que forma um sugestiona o outro. Por abranger uma dimensão e análise ampla, a psicologia ambiental é influenciada por algumas áreas do conhecimento, tais como a arquitetura, a geografia humana, o urbanismo, e, em menor grau, a sociologia (MOSER, 1998, p. 127).

Agregando e ampliando o conceito de percepção, Carvalho e Steil salientam a contribuição de J. J. Gibson, estudioso da psicologia ecológica, que delineia a percepção como resultante da relação direta do sujeito e o ambiente. Carvalho e Steil destacam que

Gibson defende que a percepção ambiente é direta e que a informação não está na mente do percebedor, mas no ambiente; assim como o significado não resulta do processamento dos estímulos sensoriais mediados por representações mentais, mas se

dá na relação direta entre o sujeito perceptivo e o ambiente que ativamente propicia ações para este sujeito (CARVALHO e STEIL, 2013, p. 62).

A contribuição de Gibson à percepção amplia a relação humano-ambiente, dá a ela um aspecto de totalidade, é o sujeito inserido no mundo, que percebe o mundo e este ao sujeito, numa relação mútua. Sua teoria da affordance refere-se a essa perspectiva que o mundo, ou as coisas do mundo oferecem a quem as percebe, são “[...] às possibilidades para ação que um objeto ou o ambiente fornece, possibilita, propicia para aquele que o percebe” (CARVALHO e STEIL, 2013, p. 63). Nesse sentido, a percepção colhe outros significados, outros tons e novos caminhos.

O campo das ideias da percepção também se reveste de elementos pelo viés fenomenológico, que confluindo e contribuindo na noção de percepção ambiental. Pontuam- se aqui os conceitos desenvolvidos por Merleau-Ponty (MP). Por sugerir que suas teorias geram um movimento, outro olhar com relação ao vínculo humano-mundo.

Merleau-Ponty (MP) em seu livro Fenomenologia da Percepção desenvolve a sua teoria da percepção defendendo uma compreensão ampla do mundo. De uma abertura do ser ao mundo e deste ao ser. Ele insere na experiência da percepção o mundo vivido, “O mundo é não aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo; eu estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável” (MERLEAU-PONTY, 2006, p.14). A compreensão ampla de mundo, da totalidade, envolve todos os aspectos, os sentidos, as compreensões. Todos têm sua verdade e seus significados e sua existência. É perceber-se como ser inerente ao mundo, seja na relação com o outro, com o mundo e consigo mesmo. De perceber a essência do fenômeno que é estar no mundo. Concepções cabíveis no horizonte da percepção ambiental77.

O autor vai refutar diversas teorias de percepção desenvolvidas até aqui, considerando- as limitadas para dar conta da compreensão e o entendimento amplo do perceber. Entendimentos que separam corpo e alma, objetividade e subjetividade, humano do mundo (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 18), resgatando a essencialidade da percepção.

Para isto, MP recupera aos fenômenos as suas essências. Não são as sensações que favorecem a percepção, mas o todo observado. Não é por associação, contiguidade, semelhança ou por recordações que se percebe, mas pela experiência, pelo reconhecimento, pelo todo. “Nosso campo perceptivo é feito de „coisas‟ e de „vazios entre as coisas‟” (MERLEUA-PONTY, 2006, p. 38)

Salienta-se que os conceitos de percepção, em especial a percepção ambiental se fazem presentes em muitas pesquisas de educação ambiental. Principalmente aquelas que intencionam analisar a relação das comunidades com o seu ambiente. E o olhar fenomenológico tem proporcionado um ampliar dessa percepção.