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II. Uma nova terra "prometida": a chegada dos haitianos ao

2.1 Os problemas encontrados no trajeto até o Brasil

2.1.2 Percepção e Recepção aos Haitianos

imigração haitiana e sua rota principal de entrada no país, tecemos comentários sobre a percepção dos haitianos e da recepção da população que mesmo não sendo o destino final, recebeu o primeiro impacto desse fenômeno social, impactando suas vidas privadas.

Com a constância desse fluxo nos municípios aqui citados, verificamos alteração na realidade local e um choque cultural que obrigou nesse contexto, nacionais de Brasil e Haiti serem forçados a estabelecer relações próximas e iniciaram algumas das mais difíceis atividades humanas: a convivência e a tolerância, onde, por parte dos brasileiros havia uma responsabilidade de crescer coletivamente com ares de solidariedade, acolhimento e cooperação, pilares de sociedades religiosas e evitar o preconceito, da xenofobia, do racismo e da intolerância.

2.1.2 Percepção e Recepção aos Haitianos

Com a chegada inicial de poucos haitianos em solo brasileiro, em especial nos municípios de Brasiléia e Epitaciolândia, com o quantitativo de 39 registros de entrada no ano de 2010 e 981 ingressos registrados em 2011 (BRASIL, DPF/MJ, 2017), a população local inicialmente auxiliou no acolhimento dos migrantes, por já terem presenciado outras ondas migratórias passageiras, onde acreditavam ser algo sazonal, fornecendo alimentação, acomodação e até trabalho temporário no período inicial da chegada desses migrantes, onde quem não se solidarizou se manteve alheio ao movimento.

Contudo, após manutenção dessa situação, o que parecia transitório se mostrou permanente, com um aumento considerável do número de haitianos que adentravam em território nacional, através das fronteiras do Estado do Acre, apresentando um caráter definitivo e consolidado deste deslocamento humano.

Referidos números são sintetizados no gráfico abaixo apresentado, após consulta ao STI da Polícia Federal que registrou todos movimentos migratórios regulares que foram efetuados na cidade de Epitaciolândia-AC, independentemente se a entrada se deu por Assis Brasil, Brasiléia ou Epitaciolândia, vez que as três fazem fronteiras com outros países (Peru no caso da primeira e Bolívia para as duas últimas).

Gráfico 2 - Números da imigração haitiana registrada em Epitaciolândia-AC

Gráfico elaborado pelo Autor. Fonte: DPF/MJ (2017) Esse aumento expressivo do número de migrantes através dos municípios de Epitaciolândia e Brasiléia, bem como a identificação de uma perenidade do movimento, fez com que resultasse em uma mudança de postura da sociedade local bem como dos órgãos públicos responsáveis - como apresentaremos posteriormente.

Ressalte-se o procedimento que deveria ser adotado pelo povo do Haiti ao adentrar em solo nacional, assim como a qualquer outro estrangeiro solicitante de refúgio no Brasil (BRASIL, Lei 9.474, 1997). Primeiramente deveriam se dirigir ao primeiro ponto de migração que tivessem contato que, no caso dos haitianos que adentraram pelas fronteiras acreanas, se dava na cidade de Epitaciolândia-Ac. Chegando nesse órgão público, informavam da situação desesperadora que assolava seu país e faziam requerimento de refúgio, a fim de garantir sua permanência no país e obtenção de demais documentos. Vale rememorar que devido ao expressivo quantitativo de haitianos face ao quadro reduzido de servidores para prestar esse tipo de atendimento, houve uma limitação de atendimentos diários, o que resultou em uma longa espera para iniciar o procedimento.

Após diversos dias e em alguns casos, meses, cada estrangeiro se dirigia até a Delegacia Federal, realizava seu requerimento e obtinha o protocolo do pedido de refúgio, documento que lhe garantia buscar outros órgãos como Receita Federal, Ministério do Trabalho e Emprego e Bancos, com objetivo de obter seu cadastro de pessoa física, carteira de trabalho e contas para recebimento de um possível salário. Todos os procedimentos demorados e complicados para um povo que em sua maioria não conseguia falar e entender o português empregado em nosso país.

0 5000 10000 15000 2010 2011 2012 2013 2014 2015 39 981 2.219 10.905 12.753 11.871

Imigrantes haitianos

Imigrantes haitianos

O clima inicial que apresentava um povo anfitrião, acolhedor e disposto a prestar auxílio humanitário passa a demonstrar sinais de desconfiança, em especial a fatores como o preconceito racial e por vezes demonstrando aspectos xenófobos, tendo em vista o lapso temporal transcorrido e o volume humano de estrangeiros que aumentava diariamente.

Diversos meios de comunicação exaltavam a figura da invasão haitiana (CARVALHO, 2012), reforçando no imaginário popular a falsa crença de que os haitianos iriam cometer crimes, ou que "acabariam os empregos", trazendo do imaginário ao real a sensação de aversão ao estrangeiro, traduzida em atos de xenofobia e hostilidade gratuita.

Ao preconceito racial devemos aliar a intolerância religiosa, não somente no Brasil, mas em todo mundo. Diversos noticiários globais ressaltavam o fato de que o terremoto de 2010 no Haiti foi um castigo de Deus pela prática da religião Vodu naquele país (PETRY, 2010).

Também devemos enfatizar a disseminação de notícias falsas acerca de possíveis doenças que esse povo poderia carregar, como AIDS e serem portadores do vírus ebola24, que teve um surto epidêmico em países africanos, mas por absoluto desconhecimento e pelo preconceito racial era difundida a ideia que haitianos eram possíveis portadores, motivos suficientes para fortalecer o medo e a desconfiança da população local, conforme Cambricoli (2014), John (2014), dentre outros.

Neste roteiro social, não faltavam mais motivos para que os munícipes que os acolheram passassem a desconfiar da presença e até a repelir, tendo em vista a continuidade da imigração estrangeira e seu aumento progressivo. A chegada, inicialmente tímida, passando para administrável e atingindo um número sem precedentes de estrangeiros em Epitaciolândia fez com que o Governo Estadual decretasse estado de emergência social e reiterasse a situação do decreto (ACRE, 2013).

Como dito em tópicos anteriores, Brasiléia e Epitaciolândia nunca foram o destino selecionado pelos haitianos, porém necessitavam permanecer e utilizar esses municípios para manter uma situação regular em cenário nacional e buscar ofertas de trabalho nas regiões sul e sudeste do país. E em razão do tempo

24 A respeito dessa falsa notícia divulgada em 2014 devemos acrescentar a informação de que a epidemia do vírus ebola ocorreu em países africanos e não no país americano Haiti.

necessário para solicitar e obter os documentos imprescindíveis houve um expressivo número de haitianos permanecendo e transitando nestes locais.

Com essa permanência, observamos que a quantidade dos próprios moradores da região (ambos os municípios somam 35 mil habitantes segundo dados do IBGE), foi ultrapassada pelos mais de 37 mil haitianos que procuraram registro regular em sua entrada, fato que demanda uma incrível reflexão e tolerância ao direito de migrar, bem como uma sociedade madura e capaz de enxergar no outro os direitos humanos que lhe são inerentes.

Infelizmente essa maturidade não se apresentou aos moradores dos municípios citados, que preliminarmente procuraram ajudar, mas posteriormente se viram com um falso direito de praticar atos com vistas a expulsar os estrangeiros do local, como se não fosse um problema nosso, como será detalhado no capítulo posterior quando demonstraremos a postura da população.

Os moradores passaram inclusive a relatar situações de medo e insegurança pela presença dos haitianos no local e passaram a questionar tal presença pelo fato de terem que esperar – os munícipes, por muito tempo para serem atendidos em alguns órgãos públicos ou privados devido ao excessivo número destes ádvenas que também solicitavam atendimento (CALENZO, 2015). Quando a indignação deveria se mostrar pelo órgão não disponibilizar atendimento suficiente para atender toda demanda, mais essa especificação foi direcionada a estes estrangeiros.