• Nenhum resultado encontrado

II. Uma nova terra "prometida": a chegada dos haitianos ao

2.3 Reflexos aos haitianos motivados pela Resolução nº 97/2012 CNIG

Apesar de a demonstração de avanço com o posicionamento adotado, nosso país retrocedeu qualitativamente com a mesma Resolução CNIG nº 97/2012, que é datada de 12 de janeiro de 2012 (exatamente dois anos após a catástrofe natural) e em seu artigo 2º, caput, declarava que "o visto disciplinado por esta Resolução Normativa tem caráter especial e será concedido pelo Ministérios das Relações Exteriores, por intermédio da Embaixada do Brasil em Porto Príncipe". (CNIG, 2012, art. 2º) (destaque nosso), criando uma barreira territorial à concessão do visto que deveria ocorrer diretamente no território do Haiti.

Complementava referido artigo, em seu parágrafo único, que "Poderão ser concedidos até 1.200 (mil e duzentos) vistos por ano, correspondendo a uma média de 100 (cem) concessões por mês [...]" (CNIG, 2012, art. 2º) limitando numericamente a entrada de haitianos, como se fosse uma ordem de chegada, não respeitando a condição humanitária objetivada.

Conforme exposto anteriormente, o Brasil normatizou a situação jurídica dos haitianos, definindo a questão como solicitantes de visto permanente por questões humanitárias, porém com a edição da citada resolução surge um novo debate jurídico a respeito de como definir os critérios para ingresso dos haitianos.

Cabe reafirmar a lacuna normativa durante o período de deliberação entre os órgãos do Conselho Nacional para Refugiados e do Conselho Nacional de Imigração, onde foi decidido que não seriam protegidos à luz do Estatuto dos

Refugiados e seriam enquadrados em estrangeiros com visto permanente. Durante esse período - transcorrido entre janeiro de 2010 até janeiro de 2012, foi mantida a rota irregular, considerada mais rápida pelos haitianos de sair de seu país e ingressar no Brasil pelos Estados da região Norte.

Ocorre que, quando da publicação da Resolução CNIG nº 97/2012, que em seu texto original limitava em cem vistos por mês em média, considerados mil e duzentos vistos por ano, já havia em trânsito, muito mais de mil haitianos com destino ao Brasil. E o volume destes migrantes que adentraram em território nacional no ano de 2012, que como já exposto, fechou na marca de 2.219 haitianos regulares que solicitaram refúgio no país.

Com essa deliberação, o Governo Brasileiro criou uma restrição que prontamente foi executada nas regiões de fronteira. A Polícia Federal passou a restringir o número de haitianos que adentrariam no país, aos cem vistos registrados no Brasil e rapidamente um conglomerado de haitianos passou a permanecer em áreas de fronteira, como na ponte que interliga o Brasil com o Peru.

Problema que teve um crescimento significativo haja vista que a cada haitiano barrado de entrar neste território, chegavam novos migrantes daquele país, que já haviam saído de sua origem e acreditavam na possibilidade de ingressar em solo brasileiro para buscar condições de sobrevivência própria e para seus familiares.

Imagem 6 - Policial Federal restringindo entrada de haitianos na fronteira

Crédito da Imagem: Fotografia registrada pelo autor. (2013) Mas além de um problema jurídico, o fato se tornou um grave problema social. Um grupo de mais de trezentos haitianos que, como dito retro, diariamente

era majorado, passou a se acumular pelas vias públicas do Peru, haja vista que ao sair do Haiti, para uma viagem de aproximados dez dias até o Brasil, a fronteira brasileira ainda estava aberta, porém com a publicação da resolução houve nova posição política e governamental e estes estrangeiros se viram obrigados a permanecer em país que não era seu destino.

O problema social foi se agravando à medida que o tempo transcorria e não havia alteração de posicionamento do Brasil e os ínfimos recursos financeiros que estes alienígenas portavam estavam se exaurindo, sem nenhuma perspectiva de melhoria de condição ou de ingresso em território brasileiro e com impossibilidade financeira de retorno a seu país. E consequencia direta também se dava com seus familiares que se viram obrigados a permanecer no Haiti e aguardavam alguma ajuda financeira dos desbravadores30.

Assim, a sociedade civil, organizações de direitos humanos, igrejas, Ministério Público, começaram a pressionar o Governo Brasileiro para que fossem garantidos os Direitos Humanos (THOMAZ, 2012) e após três meses de indefinição, houve alteração na resolução CNIG nº 97/2012, conforme explicado anteriormente.

Por parte do Governo brasileiro foi explicitado que as medidas se justificavam em razão do forte combate aos coiotes (CASTRO, 2014), bem como para evitar a imigração precária por parte dos haitianos. Contudo a resolução implantada inicialmente, com o arcabouço jurídico já disposto neste capítulo, não traduziu efetivamente uma garantia de acesso aos Direitos Humanos.

Novamente por pressões de órgãos internacionais e organizações não governamentais, o Governo Brasileiro alterou o posicionamento, modificando o caput do artigo referido para excluir a determinação de obtenção do visto na representação diplomática no território do Haiti e expor apenas que a concessão seria a cargo do Ministério das Relações Exteriores, através de nova Resolução CNIG, desta vez a de número 102 (CNIG, 2013).

Também promoveu alterações no parágrafo único do artigo 2º em comento, suprimindo integralmente seu texto, não criando mais limitação numérica, oportunizando sua concessão a todos solicitantes que adentrassem no território

30 Qualificamos como desbravadores neste parágrafo os haitianos que se deslocaram inicialmente, antes de demais parentes e amigos. Desbravaram pois não conheciam a rota, não tinham conhecimento da recepção brasileira e também não sabiam como se instalariam nesse país. Após esses fatos, com a obtenção de recursos, iriam preparar o deslocamento destes que permaneceram na terra natal.

nacional ou buscassem alguma representação diplomática brasileira em país estrangeiro. Referidas modificações novamente foram motivo de congratulações por parte dos organismos internacionais e demais países (CASTRO, 2014).

Atualmente, vigora a Resolução CNIG nº 123 (BRASIL, 2016) que prorroga o prazo de vigência da resolução CNIG 97/2012 até 30 de outubro de 2017, permitindo aos haitianos que ingressem no país a solicitação de visto de permanência por razões humanitárias.

Registramos ainda que a nova lei de migração, instituída pela Lei nº 13.445 (BRASIL, 2017), trás a figura do visto por questões humanitárias, com a institucionalização da política deste tipo de visto, bem como com a desburocratização de seu processo. Nos termos dessa lei, tal garantia será ofertada a todo e qualquer estrangeiro que adentre ao país e solicite refúgio ou outra forma de proteção humanitária internacional, confirmando o caráter normativo desta legislação de acordo com normas internacionais de proteção aos Direitos Humanos. (BRASIL, 2017)

Assim, conforme relatado durante este capítulo, vimos que os haitianos migraram até o Brasil, mesmo diante dos problemas encontrados no trajeto. O posicionamento brasileiro se mostrou cordial e solícito em um momento que se preconcebia uma imigração transitória. Posteriormente a sociedade brasileira se apresentou como proprietária exclusiva do território, como se o país fosse dividido por capitanias, como em fase histórica do passado. Foi apresentada a formulação da política legislativa brasileira e as adaptações necessárias para a recepção desse povo e consequente adequação do país às normas internacionais que o mesmo está sujeito.

Já em território nacional, passaremos a analisar especificamente o fenômeno social ocorrido com a presença dos haitianos no Brasil e o comportamento público e particular dos brasileiros face à nova presença identificada no país.