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3 MARCO TEÓRICO

3.2 O TRIBUTO SOB O OLHAR COMPORTAMENTAL

3.2.3 A percepção do tributo pelo cidadão

A aversão do contribuinte ao pagamento de impostos pode ser considerada como característica intrínseca à natureza humana, balizada na preservação dos ganhos pessoais e minimização das percas. Santos (2013, p. 89), que em seu trabalho chama essa predisposição de alergia fiscal, pontua que:

De facto, o pagamento de qualquer imposto representa, para o contribuinte, a renúncia a uma parcela da sua riqueza sem receber, em troca, o benefício de uma contrapartida direta. Ora, por impulso natural, o Homem procura orientar a sua conduta de forma a maximizar o prazer e a minimizar o sacrifício - daí que, à partida, se possa falar de uma predisposição inata contra o pagamento de impostos.

Dentro desse raciocínio, o imposto por natureza é algo sempre impopular e indesejado, por se mostrar como uma ameaça ao patrimônio do indivíduo. Essa ideia pode ser depreendida das palavras de Seligman ao afirmar que jamais algum imposto será popular pois, no fundo, nenhum indivíduo possui espirito público suficiente para preferir os interesses de outros em detrimento dos próprios41. Já na visão de Branco

(2012, p.172) “os impostos, historicamente e desde sempre, representam intromissão, invasão e constrição da esfera existencial pessoal, nomeadamente da esfera patrimonial”.

Diante dessas afirmações e em um olhar preliminar, a prática da tributação pode parecer conflitante à preservação do direito de propriedade42. Contudo, se por um

lado o imposto é um instrumento para fazer face ao aparelhamento e funcionamento do Estado, esse mesmo Estado foi concebido como tutor do direito à propriedade. A prática da tributação a ele foi consentida pelos cidadãos em prol do bem comum, seja de forma direta, individualmente, seja através de seus representantes (SANTOS, 2013). Ou seja, a obrigação tributária deve ser resultado de um consentimento social e não de uma imposição arbitrária do ente público.

Contudo, apesar da acepção teórica anteriormente exposta, e mesmo nos dias atuais sendo dotados de sujeições a seu poder de tributar, os Estados encontram-se reiteradamente promovendo medidas, ante as lacunas legais, voltadas ao aumento crescente da carga tributária. Branco (2013, p. 172-173) demonstra sua preocupação

41 “[…] no tax can ever be popular for at bottom individuals are never sulficiently public-spirited to prefer

the interests of others to their own” (SELIGMAN, 1911, p. 217).

no que se refere a essa postura estatal de buscar meios para desvincular-se do princípio da legalidade estrita, relativizando o papel de consentimento do cidadão:

a constitucionalização da propriedade como direito fundamental constitui um modo de tutela desta concepção antropológica e representa a principal barreira jurídica à constante tentação dos poderes públicos de apropriação e expropriação dos bens da esfera privada dos cidadãos, pelo uso e abuso do instrumento fiscal, tentação justificada pelas razões de “interesse público” desligadas da ideia de representação posta pelo princípio da legalidade, e que, não raro, converte o Estado Fiscal num Estado não de Direito, ao degradar a pessoa em cidadão, o cidadão em contribuinte, o contribuinte em súdito.

No pensamento de Silvestre (2013), o hiato existente entre a imediata diminuição do capital do indivíduo e o nem sempre aumento imediato da qualidade de vida deste sujeito gera uma forte e iniludível tensão entre o Estado e os contribuintes, que tendem a evitar, reduzir ou protelar o pagamento dos tributos devidos. Ainda, conforme a autora, o cumprimento da obrigação tributária enseja outros dispêndios, que transcendem a diminuição patrimonial:

O pagamento de tributos [convoquemos, exemplarmente, o caso do IRS (Portugal) ou do IR (Brasil)] impõe ao contribuinte, para além da imediata redução da sua capacidade econômica, despesas gerais e custos de cumprimento tais como: custos psicológicos e tempo dispensado a fim de cumprir com essas mesmas obrigações. A quantificação dos custos de cumprimento da obrigação fiscal deve revelar o tempo destinado à recolha de informações de ordem técnico-administrativa, ao preenchimento e ao envio da declaração, no caso de contribuintes que não recorram à ajuda profissional paga (2013, p. 347-348).

Tal aversão natural ao pagamento de impostos, oriunda desde as práticas tributárias gregas e romanas antigas, se hipertrofia com o surgimento do Estado moderno e com a consequente perda do controle visual do sujeito passivo sobre a arrecadação e aplicação dos tributos. Por mais que os tributos possuam destinação fixada em lei, nem sempre resultam em melhoria substancial, notória e de forma equânime na vida de todos os cidadãos/contribuintes. Essa situação se agrava em países territorialmente extensos e com profundas diferenças culturais, políticas e econômicas, a exemplo do Brasil (SILVESTRE, 2013).

É mister ressaltar que a percepção de cada contribuinte acerca do que entende ser justo pagar é bastante subjetiva. A sensibilidade para pagar tributos varia muito de pessoa para pessoa: existem indivíduos que mesmo pagando pouco ou nada sentem- se mais penalizados que os demais (SANTOS, 2013). Isso reforça o entendimento de que existem fatores, além do racional, que interferem nesse nível de sensibilidade e,

num segundo momento, na predisposição de se pagar ou se esquivar do tributo. Dessa forma, a análise tradicional sob o âmbito exclusivo da decisão racional, focada na maximização do ganho com o mínimo de sacrifício, negligencia o papel fundamental das emoções e crenças no processo de estruturação das decisões e ações do contribuinte acerca da obrigação tributária (SILVESTRE, 2013).

A decisão de se pagar ou não o tributo, destarte, é complexa e resulta de motivações externas e internas do indivíduo. Para Silvestre (2013) as oportunidades e recompensas disponíveis para evadir são fatores externos que influenciam a decisão em favor do inadimplemento da obrigação tributária. Por outro lado, fatores de ordem econômica, sociológica, técnica, religiosa e moral intrínsecos/internos à pessoa do contribuinte também devem ser ponderados na análise desse processo de escolha. Nesse sentido se faz importante o debate acerca do conceito da moral fiscal, que será abordado adiante.