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Percepções e planos de futuro nos adolescentes

CAPÍTULO II – PERSPECTIVA TEMPORAL DE FUTURO

5. Percepções e planos de futuro nos adolescentes

5.1. O surgimento dos planos e das representações de futuro

A adolescência reúne as condições necessárias para a apropriação do tempo abstracto pela sua transformação em termos pessoais (Fontaine, 2004). As mudanças cognitivas características deste período permitem ao pensamento a libertação da experiência imediata, pelo que o adolescente é capaz de raciocinar sobre situações hipotéticas, de elaborar projectos, imaginar estratégias para alcançar objectivos e tratar informações de um modo mais complexo, comparativamente ao período em que era criança (Fontaine, 2004). De facto, existe uma relação observável e teoricamente fundada entre a concepção do futuro e o desenvolvimento intelectual na adolescência (Detry & Cardoso, 1996).

“O adolescente, então, concebe que as coisas sendo o que são poderiam também ser de outra forma. É nesta etapa que o futuro se torna interessante para o jovem, visto que a capacidade de imaginar diferentes possíveis dá ao futuro uma densidade que não tinha anteriormente” (Wallon, 1985, cit. in Detry & Cardoso, 1996).

Trata-se de um período que remete para um processo de conquista de autonomia onde, simultaneamente, o futuro se coloca como uma interrogação. O adolescente vive no campo nas possibilidades, o que proporciona uma reflexão sobre o que poderá vir a ser, buscando integrar as suas experiências passadas e desenvolvendo a consciência de ser autor do seu próprio destino (Oliveira, Pinto & Souza, 2003). Lewin (1939) defende mesmo a existência de uma maior perspectiva temporal de futuro na adolescência, reflectindo uma necessidade para lidar com novos objectivos impostos pela proximidade da idade adulta.

Os adolescentes que têm a oportunidade de chegar a níveis intermédios de ensino são desafiados a definir um projecto de futuro mais concreto (Oliveira, Pinto & Souza, 2003), registando-se uma interdependência entre o senso de identidade do jovem e o seu projecto de futuro.

Apesar do senso comum poder sugerir que planos para a educação após o ensino secundário e para o emprego só se formam mais tardiamente no percurso escolar de cada um (Hossler & Maple, 1993, cit. in Wahl & Blackhurst, 2000), a investigação

recente relacionada com aspirações educativas e ocupacionais revela que importantes processos de desenvolvimento da carreira ocorrem já bem antes da adolescência. De facto, há planos de carreira que se formam nos anos iniciais da escolaridade básica (Ring, 1994, cit. in Wahl & Blackhurst, 2000).

O estudo de Pyne e Bernes (2002), por exemplo, mostra que os estudantes, mesmo em níveis não muito avançados de escolaridade, conseguem pensar acerca da sua carreira, apesar do modo como pensam depende, naturalmente, do seu estádio de desenvolvimento.

Neste processo, é inegável a influência dos diversos agentes educativos. Por exemplo, a família ou os amigos são elementos fulcrais na concretização das intenções dos estudantes continuarem ou desistirem da escola (Cowley et al., 2003). Na realidade, as aspirações parentais percepcionadas parecem ter um papel importante nas aspirações académicas dos estudantes (Mau, 1995; Wahl & Blackhurst, 2000; Bright et al., 2005), ou seja, as expectativas e o apoio parental são variáveis chave que influenciam as aspirações dos estudantes (Wahl & Blackhurst, 2000). Os resultados de Young (1983) suportam também a influência da família, dos pares e da escola, ao nível do micro e meso-sistema, usando a terminologia de Brofenbrenner (1979, 1993).

O estudo de Bright et al. (2005), cujos resultados dão suporte à ideia de que factores contextuais são decisivos na tomada de decisão na carreira, é um exemplo. Os autores, entre outros, mostraram a importância dos pais, colegas e professores na tomada de decisão dos seus estudantes (ainda que os participantes neste caso não fossem adolescentes). No factor “professor”, foram incluídas dimensões como a área de docência, a qualidade do ensino, o entusiasmo revelado, o tempo passado com o aluno, as oportunidades providenciadas pela disciplina (visitas de estudo, experiências de trabalho, oradores convidados, etc.). Este factor era ainda percepcionado como uma influência constante e independente do género, o que indica a importância destes elementos na moldagem de escolhas de carreira e no estabelecimento de planos para o futuro (Bright et al., 2005).

Já Lent e colaboradores (2002, cit. in Bright et al., 2005), identificaram várias categorias de influências percepcionadas por estudantes no seu processo de tomada de decisão na carreira, nomeadamente a exposição directa e/ou vicariante a actividades

relacionadas com o trabalho, as condições do trabalho ou reforços, o sentimento de competência numa actividade, as experiências de lazer, mas também a família, os amigos e os professores.

É ainda de referir o estudo de Füchsle e Trommsdorff (1980, cit. in Trommsdorff, 1983), relativo ao efeito da aprendizagem cognitiva e social na orientação temporal de futuro, em que se verificou justamente que pais e os professores, ao influenciarem o processo de socialização dos jovens, apresentam também uma influência na sua a orientação futura. De facto, é inegável que, tanto pais como professores, seguem valores subjectivos em relação ao desenvolvimento das crianças, estruturando o futuro de modo específico e organizando os seus objectivos de educação e socialização de acordo com as suas próprias expectativas.

Até porque os pais que dão reforço positivo aos filhos e que são consistentes nas suas práticas de socialização induzem nas crianças uma expectativa positiva em relação ao mundo, maior confiança nos outros e uma crença nas próprias capacidades, associadas a um optimismo geral (Füchsle & Trommsdorff, 1980, cit. in Trommsdorff, 1983). Assim, pode assumir-se que as crianças que percepcionam os seus pais como presentes e que lhes dão afecto acreditam mais no seu sucesso como resultado das suas actividades e estão mais inclinadas a investir no alcance de objectivos futuros do que as crianças que não recebem apoio dos pais.

Os educadores e demais agentes educativos devem, assim, atentar a todos estes resultados para ajudar os estudantes a se tornarem mais interessados no estabelecimento de objectivos de longo prazo (Cowley et al., 2003), até porque frequentemente se encontram ausentes desse processo. Por exemplo, é muito baixa a frequência de pais que contactam alguém na escola no sentido de obterem informação educativa para o prosseguimento de estudos dos seus educandos (Cowley et al., 2003). Por outro lado, todos estes dados remetem também para a importância de factores que ultrapassam os pais e a família. Sendo certo que o espaço social exterior à família se torna cada vez mais importante à medida que as crianças crescem (Detry & Cardoso, 1996), as práticas educativas e de socialização não podem ignorar tal facto.

No entanto, não obstante o papel crucial que os pais e outros membros da família têm no desenvolvimento de aspirações académicas dos estudantes, tem-se verificado uma

frequente desconexão entre o que os estudantes pensam acerca de si, o que pensam que os pais julgam acerca de si e o que realmente estes acreditam (Cowley et al., 2003). Situação que remete novamente para a necessidade de concertação de estratégias e envolvimento dos diversos agentes neste processo.

É também relevante mencionar o estudo de Hektner (1994, cit. in Cowley et al., 2003), que comparou estudantes de zonas rurais com estudantes de zonas não rurais e verificou que os de zonas rurais pareciam ter maiores incertezas acerca dos seus planos futuros e probabilidade menor de continuarem na escola. Além disso, constatou-se que os pais e estudantes de zonas rurais esperam dos professores um papel mais intensivo no fornecimento de informação educacional e que, apesar de existirem diversas fontes de informação, os estudantes rurais recolhem pouca informação além daquela associada ao papel do professor (Cowley et al., 2003).

5.2. Os conteúdos perspectivados

À semelhança do mencionado anteriormente, parece existir alguma concordância no conteúdo das representações e dos planos do futuro que os indivíduos, neste caso, jovens e adolescentes, concebem. Inerentes à própria existência humana, as dimensões de socialização e de relacionamento interpessoal, o bem-estar em geral, a carreira (escolar e profissional) e o trabalho, são elementos que se afiguram frequentemente presentes.

De resto, são os próprios instrumentos de avaliação da PTF que, não obstante a sua diversidade, abordam frequentemente essas dimensões. Por exemplo, o questionário elaborado por Stouthard e Peetsma (1999), entre outros, preconiza justamente a avaliação da PTF em quatro domínios-objecto, designadamente (a) a carreira escolar e profissional; (b) o lazer; (c) as relações sociais e (c) o desenvolvimento pessoal, dimensões que se inter-relacionam e que podem ser cruzadas com uma extensão futura ou presente, bem como um valor afectivo negativo ou positivo.

Paredes e Pecora (2004), num estudo envolvendo as representações de futuro de adolescentes, identificaram três categorias por onde se distribuíam as respostas, nomeadamente, a formação académica, a qualidade de vida em geral (em que se incluíam a saúde a felicidade) e o trabalho. As autoras concluíram que as representações

sociais de perspectivas de futuro dos adolescentes eram construídas com base nos elementos estudo, trabalho, família e qualidade de vida. Verificaram ainda que a representação social do estudo como possibilidade de ascensão social era manifestada na permanência na escola; o estudo e a sua continuidade, neste sentido, como veículo de garantia de um futuro melhor.

Os adolescentes, de resto, parecem mostrar um nível considerável de optimismo em relação ao futuro, demonstrando confiança e motivação para alcançar metas (Oliveira, Pinto & Souza, 2003). No entanto, trata-se de uma perspectivação que poderá assumir alguns contornos irrealistas, já que os resultados revelam também que aumenta a insegurança, a indecisão ou o medo quando se passa do campo teórico ou virtual para uma dimensão de confronto com a realidade, isto é, perante a necessidade de operacionalizar esses desejos.

Daí que, simultaneamente, os seus comentários dos participantes revelam também que estão vocacionados para formais mais efectivas de orientação educacional, dado existirem “(…) lacunas e a necessidade de sanar dúvidas, inseguranças e incertezas tanto ao nível da escolha profissional, como do mundo do trabalho e dos relacionamentos afectivos” (Oliveira, Pinto & Souza, 2003:26).