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Os professores revelaram possuir percepções distintas sobre a interdisciplinaridade e sobre sua atuação no contexto escolar frente às possibilidades criadas pela interdisciplinaridade. Os entrevistados reconhecem a importância do esforço coletivo do grupo de professores para o aprendizado dos alunos, embora percebam a realidade desse grupo de formas diferentes.

Para a professora Adriana, o grupo de professores do Ensino Médio é muito unido e possui uma relação de amizade. Esse fator, segundo Adriana, influencia positivamente o trabalho em conjunto. A professora explica que a consonância dos professores auxilia no trabalho com os alunos: “[...] nós somos um grupo de professores que além de colegas a gente é amigo e é um grupo muito unido, nos objetivos, nos valores e isso nós temos que passar para os alunos [...]”.

Ao dizer que “A questão da nossa saúde está bem comprometida porque a gente faz além daquilo que é possível, o professor é o único profissional que trabalha de graça, de graça, de graça.”, a professora Betina comenta que a rotina docente, de atualização e busca por novas formas de aprendizado, é cansativa e não reconhecida. Nesse sentido, Japiassu afirma que “[...] o corpo profissional, encarregado de garantir a formação técnica e científica das novas gerações e de difundir ou ensinar os conhecimentos científicos e técnicos fundamentais, precisa ser dotado de uma extraordinária capacidade de renovação.” (1999, p. 85, grifo do autor). Concordamos com o autor e com a professora, pois reconhecemos a necessidade permanente de atualização do profissional da educação e seu tempo escasso e não remunerado pra cumprir com todas as exigências dessa profissão.

Davi defende a ideia de que os professores deveriam ter vivências externas à escola, aplicando seu conhecimento em atividades não ligadas ao magistério. Segundo o entrevistado, “[...] o professor tinha que destinar parte do seu tempo para fazer outra coisa”. Davi explica

que a sua vivência de prestar assessoria ambiental para empresas exige a utilização de conhecimentos de outras disciplinas e propicia a aplicação de seus conhecimentos de Biologia, tornando mais evidente para ele, como professor, a utilidade dos saberes que leciona. O docente explicita seu conceito no trecho:

Isso eu acho que tu acaba arraigando se tu trabalha fora em outro negócio, se tu tens parte do teu tempo designado para uma outra atividade que não a atividade docente. Porque tu acaba trazendo estas experiências do teu dia- a-dia para dentro da sala de aula e assim o aluno consegue ver de forma menos fragmentada os aspectos todos do conhecimento, tu consegues dar uma aplicabilidade para as coisas, porque de repente é o que ele precisa para se incentivar a entender sobre amebas, sabe.

Acreditamos que “Tanto quanto o agir, também o saber não pode se dar na fragmentação: precisa acontecer da perspectiva da totalidade. Isso é válido tanto para as situações de ensino como de pesquisa.” (SEVERINO, 2003, p. 41) e, dessa forma, o professor Davi atua de forma condizente com a perspectiva interdisciplinar. Quando Davi afirma que “Me sinto bem satisfeito quando trabalho assim [...]”, percebemos que tal modo de pensar e agir se traduz na realização pessoal do docente.

O professor Davi ainda expressa a importância de um trabalho interdisciplinar voltado para a comunidade, conforme comenta:

Eu acho que a escola perde muito, até em arrecadação, a gente podia vender trabalhos para os outros, se a escola desse um tempo, para eu, tu, não sei o quê, ficar sentado num lugar pensando como ganhar dinheiro gerando um grupo, um núcleo de assessoria técnica. Nós podíamos ganhar dinheiro, tu queres lugar melhor do que uma empresa vir numa escola para tentar resolver um problema? Nós temos um problema sério de pessoal, bom, nós estamos com um problema sério lá com a nossa seção de efluentes, estamos com um problema sério, de... Aqui tem químico, tem físico, tem matemático, tem biólogo, quer um lugar melhor?

Davi entende que a escola não aproveita totalmente os recursos humanos de que dispõe, e explica a necessidade de retorno dos profissionais à comunidade que os formou:

A escola surgiu por uma necessidade da comunidade de aprimorar os filhos, prá que? Para que os filhos que detivessem o conhecimento retornassem à comunidade e transformassem esse conhecimento em desenvolvimento, depois só a escola não foi suficiente, criaram-se as universidades, as faculdades, que deveriam fazer os filhos voltar à comunidade, então não, eles ficam trancados lá naqueles feudinhos deles, lá produzindo teoremas fantásticos e que não transformam isso num crescimento daquele que

investiu horrores para esse indivíduo tá lá, que é a comunidade, a gente não volta à ela.

O entrevistado acredita que a escola é um “ambiente fecundo” que deveria estar “intimamente vinculada à sua comunidade”, auxiliando-a na solução de seus problemas por meio de um grupo de estudos interdisciplinares.

Em contrapartida ao pensamento de Davi, o professor Ernesto acredita que a separação dos conteúdos escolares é benéfica para os estudantes. Ernesto afirma que

[...] para os alunos que estão em fase crescimento, amadurecimento, tudo mais, essas divisões são benéficas, porque ele se organiza, é mais fácil de se organizar, agora para um adulto, para um cientista, para o que for, pessoa que tem o conhecimento já, essas organizações são ruins, porque ele tem que ter ideia do todo, entende? É importante ele passar por essas divisões para ele ganhando conhecimento, organização, ter o pensamento científico montado e aí depois ele quebrar isso e analisar o todo, então eu vejo dessa maneira.

Discordamos das ideias de Ernesto, pois

Se, por um lado, é impossível responder aos problemas profissionais e científicos sem dispor de um conhecimento disciplinar, ao mesmo tempo a nós, professores e professoras de nossa época, corresponde renunciar às particularidades e buscar em comum a restauração dos significados humanos do conhecimento. (ZABALA, 2002, p.26)

Assim como Zabala, acreditamos que, longe de ajudar a organizar o pensamento científico dos estudantes, a separação dos conteúdos escolares em disciplinas cada vez mais isoladas prejudica o aprendizado e danifica o desenvolvimento do conhecimento científico dos alunos. Ao contrário de Ernesto, que afirma que “[...] tem que ter um pensamento organizacional no início para tu criares a ideia do pensamento e aí depois tu quebras e aí tu analisas o todo.”, entendemos que a visão global dos saberes é importante e necessária em todos os níveis de ensino.

A forma como os docentes percebem a interdisciplinaridade influencia diretamente seu modo de agir. Suas percepções orientam e estimulam uma atuação mais ou menos voltada para o estabelecimento de relações entre as disciplinas. O modo como os professores atuam será abordado no próximo subcapítulo.