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3. CONCEPÇÃO DE QUALIDADE EDUCACIONAL

3.2 PERCURSO-BRASIL: ALGUMAS NOTAS

Na história da educação brasileira a obrigatoriedade escolar enquanto uma face do direito à educação assumiu várias feições conforme o período histórico. No Império, a Constituição Imperial de 1824 via o direito à educação inscrito como instrumento para garantia de outros direitos, como os civis e políticos, percebe-se que essa norma dispõe de maneira extremamente difusa e dissolvida, seguindo uma lógica circunscrita pela gratuidade da instrução primária distante da ideia de obrigatoriedade. Lembrando que nesse período o

37 discurso que imperava sobre a relação entre educação e cidadania, era de uma cidadania nos marcos da garantia dos direitos civis e políticos.

A ideia de gratuidade prosseguiu durante o período Imperial com algumas legislações esparsas em províncias como Minas Gerais que previam a obrigatoriedade, entretanto, a efetivação se dava de modo quase inexistente ou bastante insipiente por alegações variadas, atribuindo o descumprimento às condições ou circunstâncias as quais o país passava. No final do Império os debates em torno da obrigatoriedade educacional, inclusive com declarações de intelectuais como o Conselheiro Luiz Corrêa de Azevedo no ano de 1874 na qual afirmava ser a instrução uma obrigação filosófica de todos, não culminando em atentado à liberdade individual, mas uma necessidade de apropriação cultural e de melhoramento humano, ou melhor, um meio de alcançar a liberdade tendo como base o esclarecimento.

Obviamente, a instrução popular dependia de maneira sine qua non da obrigatoriedade para a sua concretização. Nesse sentido a instrução popular é vista como uma obrigação que a lei deve imputar àqueles que não o querem. O que se deve ressaltar é que as camadas populares não eram educadas por sua culpa ou descuido, e sim por fatores alheios aos seus domínios e ligados aos interesses dos poderosos.

Na Primeira República a Constituição deixou a cargo das Constituições estaduais se posicionarem a respeito da obrigatoriedade. Estados como São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Mato Grosso se posicionaram garantindo a obrigatoriedade do ensino nesse período. Horta (1998) ao discutir a obrigatoriedade escolar no início da República afirma que a “[...] defesa da obrigatoriedade escolar, presente entre os intelectuais do final do Império não foi suficiente para consagrá-la como princípio federativo” (HORTA, 1998, p. 14). Essa postura de não obrigatoriedade reduziu as possibilidades de efetivação dos direitos, bem como para a consolidação dos princípios republicanos.

A Constituição de 1891 não destinou para o Estado a obrigação de prover educação a todos, com isso perdeu oportunidade constitucional de avançar no debate tendo como objetivo a consolidação do direito à educação. Nesse sentido, pode-se asseverar que na legislação federal anterior a 1930 não tinha lugar para “[...] a obrigatoriedade escolar, tanto no que se refere à obrigatoriedade dos pais, já inscrita na legislação estadual, quanto no que se refere à obrigatoriedade do Poder Público, ainda presente de forma muito débil nos debates” (HORTA, 1998, p. 16).

38 Impulsionada pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, a Constituição de 1934 materializou os institutos da gratuidade e obrigatoriedade em seu texto. Segundo Horta:

O texto definitivo da Constituição de 1934 consagrará o princípio do direito à educação, que ‘deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos’ (art. 149) e o princípio de obrigatoriedade, incluindo entre as normas a serem obedecidas na elaboração do plano nacional de educação, o ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória, extensivo aos adultos, e a tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário. (HORTA, 1998, p. 18).

É bom lembrar que por mais que essa Constituição cultivou o princípio da obrigatoriedade, já que há uma restrição de frequência obrigatória somente para aqueles que estão matriculados, esse aspecto é apresentado no artigo 150 alínea a, desta Carta Maior, e isso provocou prejuízos, pois não significou o condão de obrigar o Estado em relação a proceder investimentos volumosos com a finalidade de ampliar o atendimento na educação pública.

Em relação à Constituição de 1946, por mais que nos debates constituintes não houvesse formalmente definição contrária à obrigatoriedade e gratuidade de quatro anos para todos os cidadãos, a afirmação do dever do Estado e o sentido de obrigatoriedade escolar foi reforçado por educadores como Otávio Martins. Logicamente, houve posicionamento não formal de educadores, como Sud Menucci, contra a obrigatoriedade por entenderem que a educação não era dever do Estado e sim de toda a sociedade. De todo modo, Horta (1998) pontua que para Gustavo Capanema:

[...] na legislação ‘quando se diz obrigatoriedade, tem de entender-se que ela é para o aluno’ (Brasil, 1946, v.XXIII, p. 384). Assim, para Capanema, o conceito de obrigatoriedade escolar, tal como se apresentava na legislação, não implicava dever do Estado. E será essa concepção restrita de obrigatoriedade escolar que se fará presente na Carta Constitucional de 1946. (HORTA, 1998, p. 20).

Desta forma, a versão final da Constituição de 1946 aprisionou o conceito de obrigatoriedade e ceifou o avanço no sentido de firmar (explicitamente) o dever do Estado de oferecer educação a todos. Contraditoriamente, essa Carta Magna reconhece o direito à educação a todos e dispõe a garantia de “[...] a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino

39 primário e a gratuidade do ensino oficial ulterior ao primário para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos”. (HORTA, 1998, p. 20).

Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 é estabelecido que a educação é direito de todos e será dada no lar e na escola (art. 2º), além disso outra determinação relevante para essa discussão é a obrigatoriedade do ensino primário a partir dos sete anos (art. 27) e a obrigatoriedade de comprovação de matrícula por parte dos pais ou responsáveis para poder exercer função pública, cabendo isenção somente nos casos de insuficiência de escolas, estado de pobreza e doença ou anomalia grave na criança (art. 30 e seu parágrafo único).

Com a Emenda Constitucional de 1969 inaugurou no ordenamento constitucional brasileiro que a educação era dever do Estado de maneira explícita e relacionou faixa etária, obrigatoriedade e nível de ensino. Essas relações foram fundamentais para a elaboração da Lei nº 5692/1971. Por fim, com o advento da Constituição Federal de 1988 é recuperado o conceito de direito público subjetivo presente nos debates da década de 1930. Estabelece-se previsões de punição e remédios jurídicos a fim de resguardar o direito à educação para todos enquanto dever do Estado.