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CAPÍTULO I – PARADIGMAS E TEORIA(S)

1. Posicionamento e paradigma científico: Paradigma qualitativo e abordagens fenomenológicas

Esta investigação procurou, desde as suas primeiras ideias e conceções, instrumentalizar-se como um processo de construção de conhecimento científico como outro qualquer. Considerando a ciência como um produto histórico (Haraway, 1988; Bourdieu, 2004), esta parece ser a forma de produção de conhecimento mais sistemática e viável da realidade que nos rodeia (Popper, 1972). O que tem vindo a distinguir a ciência de outras formas de conhecimento é “a existência de uma metodologia consciente, explicitado e permanentemente sujeito a revisão crítica” (Canário, 2003: 2), pelo que implica a escolha de um método consciente e estratégico que “articula teoria e experiências para abordar um objecto” (Caria, 2003: 9). A escolha de uma metodologia não se resume apenas à escolha de um método, mas sim a conjunto amplo de processos que atravessam todo o percurso de investigação que engloba pólos morfológicos, técnicos metodológicos ou epistemológicos (Bruyne et al, 1977), assumindo-se como a base e permanente objeto de orientação de todo o processo de pesquisa.

Partindo do pressuposto que “já não se pode mais falar em pesquisa sem qualquer paradigma” (Kuhn, 2006: 109), a explicação do paradigma pelo qual nos orientamos no processo de investigação é de elevada importância, pois são estes posicionamentos que orientam o pensamento e a investigação e influenciam todo o processo de pesquisa e as opções de métodos e técnicas (Bogdan & Biklen, 1994; Silva, 2010). Neste sentido, o “paradigma é o equivalente de uma linguagem ou de uma cultura: determina as questões que podem ser formuladas e as que devem ser excluídas, o pensável e o impensável” (Bourdieu, 2004:29). Assiste-se a uma época de transição de paradigmas (Santos, 2002) em que a auscultação das vozes marginais tem adquirido importância e a sua relevância insere-se num momento histórico em que se assiste ao fim das grandes narrativas mais evidentes (Magalhães & Stoer, 2005) e se segue fugindo de um centralismo histórico, para um processo ideologicamente contraditório, rumo às narrativas locais e globais (Hall, 2003). Ao afirmarmos que procuramos ouvir as vozes, damos pistas sobre o paradigma em que nos situamos. Se procuramos ouvir as vozes e os múltiplos sentidos subjetivos dados ao social e aos fenómenos sociais, afirmamos a sua justificação dentro de um “paradigma qualitativo” (Silva, 2011: 51) no qual as suas metodologias propõem

“a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação” (Bogdan & Biklen, 1994: 16).

No paradigma qualitativo, o conceito de “voz” tem sido utilizado para remeter a importância de compreender as perspetivas e sentidos de grupos marginalizados e injustiçados que, antes, não se faziam ouvir, podendo denunciar as injustiças que têm vivido. A “voz” surge, assim, como significado de empoderamento ou agência e é “um conceito heurístico para assegurar e defender uma política da representação e participação” (Fonseca, 2008: 57), o que só faz sentido na aplicação de prática ética e reflexiva que se influi pelo pressuposto de uma “epistemologia da escuta” (Berger, 2009) que permita a mudança emancipatória e a ação transformadora. Reconhece-se que “o conhecimento acontece (…) por alteração de quem faz investigação, e esta alteração toma lugar naquilo que é uma plataforma partilhada com os sujeitos participantes do estudo, possuidores de discurso e de sentidos para a sua realidade” (Silva, 2011: 52). Defende-se, neste estudo, que os sujeitos têm capacidade de conhecer a sua realidade, tendo, melhor que ninguém, um conhecimento verdadeiramente situado onde procuramos compreender as intenções e significados dos discursos que produzem (Haraway, 1988; Amado, 2013). Neste sentido, no decurso de todo o processo de investigação existem ruturas epistemológicas, nomeadamente com o senso comum. Esta rutura insere-se no pólo epistemológico que diz respeito ao:

“tratamento das questões relativas à concepção e à construção do objecto científico no âmbito das metodologias qualitativas. Nela situaremos as diversas posições ontológicas tomadas nestas abordagens, isto é, as concepções relativas ao nível de realidade dos objectos de conhecimento” (Lessard-Hébert et al, 1990:17).

Uma abordagem compreensiva30 assenta na procura “do sentido da acção através do

conhecimento das intencionalidades e compreender, no fundo, o significado daquilo que se compreende e é significante” (Silva, 2011: 57). Procuramos conhecer as interpretações que os sujeitos atribuem às práticas quotidianas e que se demonstram significativas para um melhor entendimento daquelas que são as competências necessárias no trabalho com jovens descendentes de imigrantes ou pertencentes a minorias étnicas.

A fenomenologia, “estudo da experiência vivida ou o mundo da vida. A sua ênfase está no mundo tal como vivido por uma pessoa, não o mundo ou a realidade separado da

30 Na sociologia compreensiva de Max Weber, compreensão quer dizer “apreensão interpretativa do sentido ou da conexão de sentido” (1997: 27).

pessoa” (Laverty, 2003: 4), é um dos referentes teóricos deste estudo, nomeadamente no que diz respeito à forma como diretores, coordenadores, professores/as, profissionais e jovens estão organizados/as nos seus contextos e como atribuem significado à realidade em que estão inseridos/as e ao fenómeno em análise. É, por este motivo, uma “abordagem que pretende (…) perceber a relação entre o fenómeno e o seu significado” (Silva, 2011: 57), através da auscultação dos sujeitos e assente também na perspetiva do interacionismo simbólico que assenta “sobre a premissa de que a ação humana tem sempre lugar numa situação que confronta o ator e que o ator age na base da definição da situação que o confronta” (Atkinson, 2001: 27).

2. O papel da teoria na investigação: uma investigação em Ciências da Educação

A teoria, “modelos teóricos de pensamento, que orientam o conjunto da investigação” (Pais, 1993: 10), não está independente do paradigma e de todo o processo de investigação, assumindo particular importância para o/a investigador/a, pois parece assumir o papel de alargamento de visões do mundo, ao mesmo temo que justifica e orienta a pesquisa. Neste sentido, a teoria pretende assumir diferentes funções como ilustrativa, analítica, probatória e de reconstrução de sentido (Amado, 2013).

Inicialmente, a teoria assume a função de quadro concetual de partida com função informativa e orientadora. Sabemos que um dos requisitos do/a investigador/a é entrar em campo sem ideias pré-concebidas acerca dos fenómenos sociais que atravessam os contextos. No entanto, esse facto não impede a procura de conhecimento prévio sobre os fenómenos e contextos havendo, por isso, a consciência de que “existem alguns olhares que, contudo, se levam para o terreno” (Silva, 2011: 26). Assim, numa primeira fase, a função da teoria foi a de “permitir intencionalmente condições de auscultabilidade, desencadear a recolha de dados que, por sua vez, possibilite a sua própria reconstrução a partir da realidade observada” (Santos, 2013) o que permitiria, posteriormente, o desencadeamento do debate entre teoria e empiria.

O olhar científico que nos move e sendo também a nível institucional inevitável31, é

o das Ciências da Educação. Os contributos teóricos ao nível da Sociologia da

31 Com base em todo um trabalho científico e epistemológico de construção de conhecimento nas Ciências da Educação, nomeadamente por trabalhos de investigadores/as da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

Juventude, da Sociologia da Educação e dos Estudos Pós-Culturais são os aqui invocados, recorrendo-se e defendendo-se, por isso, a abordagens pós-estruturalistas. O recurso a múltiplas áreas disciplinares e saberes teóricos diversos, partilhando aspetos em comum e distâncias em outros, deve-se ao caráter aberto, pluralista, híbrido e permeável das próprias Ciências da Educação (Canário, 2003; Canário, 2005; Charlot, 2006; Berger, 2009), caraterizadas pela sua “mestiçagem epistemológica e ontológica” (Correia, 1998: 15). Esta diversidade de olhares permite a construção de um olhar unificado baseado em múltiplos saberes e contributos. No entanto, no meio desta conjunção de saberes e perspetivas, como se define a educação? Não é um conceito unânime pela polissemia de significados que pode obter, desde o dever da educação de oferecer valores morais aos seres humanos até à sua capacidade de prevenir o erro e o mal. No entanto, em todas as definições se encontra a ideia de que a educação serve como forma de aperfeiçoamento do ser humano (Amado, 2013), através do qual se transforma e melhora também as sociedades em que vivemos. Neste sentido, é de elevada importância conhecer os contextos educativos, nas suas mais diversas formas, sejam formais, informais ou não formais, no sentido de melhor compreender os processos educativos que vivem os/as jovens nas sociedades atuais, tendo em conta que a juventude é “socialmente dividida em função dos seus interesses, origens sociais, das suas perspetivas e aspirações (Pais, 1993: 33), tendo os contextos em que se movem elevada importância na sua definição identitária.

CAPÍTULO II – AS ESCOLHAS