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A definição pelo desenvolvimento desta tese doutoral, sob o o recorte a partir do objeto estado da arte sobre formação de professores e relações étnico-

raciais, consubstancia-se na necessidade de intensificação de estudos dessa

natureza os quais demandam a análise da produção em determinados campos. para realizar um “estado da arte” sobre “Formação de Professores no Brasil” não basta apenas estudar os resumos de dissertações e teses, são necessários estudos sobre as produções em congressos na área, estudos sobre as publicações em periódicos da área. O estudo que aborda apenas um setor das publicações sobre o tema estudado vem sendo denominado de “estado do conhecimento”. (ROMANOWSKI e ENS, 2006, p. 39-40)

Optamos pelo estudo do tipo estado da arte, em consonância com o exposto por Romanowski e Ens, ampliando o corpus documental para promover a intensificação que contribuirá com a emersão de novas análises, as quais legitimam campos. Nesse aspecto, as formulações do sociólogo francês, Pierre Bourdieu, amparam teoricamente o objeto, na medida em que o autor postula que o campo se constitui a partir do momento que a intersubjetividade daquele campo baliza a produção, ou seja, a legitimação se dá por meio da intersubjetividade acadêmica (BOURDIEU, 1998)

De acordo com Bourdieu, essa intersubjetividade funda-se no fato de os campos serem construídos e estruturados por agentes, os quais produzem um movimento que anima as regras do campo, posto que esse se constitui como um espaço simbólico no qual as ações destes agentes, validam e legitimam representações:

Um campo, e também o campo científico, se define, entre outras coisas através da definição dos objetos de disputas e dos interesses específicos que são irredutíveis aos objetos de

disputas e aos interesses próprios de outros campos (não se poderia motivar um filósofo com questões próprias dos geógrafos) e que não são percebidos por quem não foi formado para entrar nesse campo (cada categoria de interesses implica a indiferença em relação a outros interesses, a outros investimentos, destinados assim a serem percebidos como absurdos, insensatos, ou nobres, desinteressados). Para que um campo funcione, é preciso que haja objetos de disputas e pessoas prontas a disputar o jogo dotadas de habitus que impliquem o conhecimento e o reconhecimento das leis imanentes do jogo, dos objetos de disputas, etc. (BOURDIEU, 1983, p.89)

O modus operandi dos campos, nos quais os signos são construídos, por meio de regras bem definidas, para os agentes que fazem parte daquele campo – ou seja, tais regras só têm importância para aquele campo – remetem a percepção da impossibilidade de trabalhar campos em desconexão com habitus: o primeiro constitui espaço para o segundo, que, na formulação do autor consiste em “uma disposição geral” (BOURDIEU, 2003, p. 211) que funcionará como uma matriz de percepção, de orientação e de ação.

Na leitura do objeto dessa tese doutoral – o estado da arte sobre formação de professores e relações étnico-raciais, publicizadas entre 2003 à 2013, em periódicos com qualificação entre A1 à B5, teses e dissertações e eventos vinculados à temática havidos no período que demarca dez anos de promulgação da Lei n. 10.639/2003 – a discussão sobre campo encaminha a compreensão acerca das feições que fazem com que aquela produção alcance os lugares aos quais chegou, em face da relação entre as estratégias discursivas advindas “das relações de força simbólicas entre os campos e dos trunfos que a pertença a esses campos confere aos diferentes participantes” (BOURDIEU, 1998, p.56). Dito de outro modo, no campo acadêmico nos mobilizamos para assimilar as regras próprias desse campo, tais como, ter qualificação, ter produção (considerada não apenas pelo volume, mas pelo nível da qualificação do periódico no qual esta é vinculada), com quem está associado, a que agência de fomento se vincula, etc. Tais hierarquizações estão postas no âmbito do oculto, mas estão objetivamente estabelecidas.

Como uma inflexão para ilustrar alguns mecanismos por meio dos quais a legitimação no campo se efetiva, remeter-nos-emos a uma reflexão produzida pelo Professor Carlos Paixão, analisando aspectos em torno da ciência (episteme) dos

métodos, a qual apresenta uma das dimensões na qual a teoria bourdieusiana assume concretude:

sem seguir as regras estruturantes da teoria e dos métodos ficará clamando no deserto, e não fechará trabalhos que passem pelos meios de avaliação e validação de sua produção acadêmica, essa é realidade concreta. (PAIXÃO, 2013, p.50) Os processos elencados na análise de Paixão (2013) indicam a relevância da ação dos agentes do campo na legitimação das regras, as quais são definidas pelas pessoas, ou seja, pelos pares que fazem parte daquele campo, exercendo o que Bourdieu define como poder simbólico: um “poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 1998, p.7-8).

As formulações do autor reiteram que o poder e os sistemas simbólicos são considerados constituídos e constituintes de relações em todos os grupos humanos em sociedade, gerando as “disposições duradouras” presentes no conceito de habitus. Nesse aspecto, os conceitos de poder simbólico, habitus e campo se apresentam relacionados para a leitura do objeto dessa tese doutoral na medida em que todas as forças são mobilizadas para que o campo seja defendido arduamente e se perpetue.

Esse movimento – advindo da associação entre poder simbólico, habitus e campo – dita a importância dos agentes para o campo, que assim se constrói, se mantém, se constitui, e se perpetua, e indica que o modo de produção científica supõe um modo de percepção. Nesta inflexão, reside a opção por outro aporte que subsidiará a leitura do objeto, as formulações acerca das representações.

No que se refere a estas, ressaltamos que para o trato das representações, adotamos a perspectiva teórica de Roger Chartier (1991), que faz uma abordagem destas como instituições sociais porque constituem esquemas geradores dos sistemas de classificação e percepção, funcionando como “matrizes de práticas construtoras do próprio mundo social” (CHARTIER, 1991, p.8).

Chartier (1991) enfatiza a construção das representações no interior das próprias práticas, referenciando a importância destas últimas para a construção de sentido (COUTO, 2000). A relação estabelecida pelo autor entre as representações

e a prática interessa a este estudo uma vez que as experiências relativas a produção acadêmica oferecerão elementos que possibilitarão uma diversidade de interpretações sobre a formação docente.

As formulações de Roger Chartier favorecem o entendimento das representações como verdadeiras instituições sociais: elas se constituem mediante várias determinações sociais para, em seguida, tornarem-se matrizes de classificação e ordenação do próprio mundo social. Assim, possibilitam sua análise, por um lado, como incorporação sob forma de categorias mentais das classificações da própria organização social, e, por outro, como matrizes que constituem o próprio mundo social, porque comandam atos e definem identidades (CHARTIER, 1994), aspecto no qual, a interlocução entre as formulações de Chartier e Bourdieu apresentam-se significativamente fecundas.

No contexto da produção acadêmica estas representações são capazes de proporcionar várias imagens, ideias, crenças, atitudes, valores, relativos a formação do professor em consonância com as relações étnico-raciais. Em sua possibilidade de compreensão do processo de construção social da realidade, reside sua contribuição para a apreensão das características que assumem tais produções.

Tal formulação oportuniza captar o modo como a sociedade se torna depositada nas produções acadêmicas que incidem sobre a formação de professores e relações étnico-raciais, sob a forma de disposições duráveis que estruturam o pensar, sentir e agir de modos determinados.

Nesta dinâmica de interdependência na qual nossa ação, nosso modo de ser e de pensar se constituem como produtos de uma articulação entre estrutura e agente social, avistamos as possibilidades de situar os infiltramentos das concepções e crenças presentes no imaginário social, expressas por meio de tais produções.

Para a análise dos processos de formação de professores e relações étnico- raciais acionaremos as discussões de Gomes (2001, 2003, 2004, 2005, 2011, 2012); Cavalleiro (2000); Coelho (2009, 2010, 2014); Coelho e Coelho (2013, 2013a, 2014) e nos estudos do tipo estado da arte em André (2001, 2002, 2009, 2010) ;

Brzezinski, Garrido, et. al.(2006) ; Brzezinski (2014), constituirão referência para o percurso da tese. Tal investimento é impulsionado pela crescente produção acadêmica que tem permeado a análise acerca das infiltrações das discussões sobre esta temática na adoção de políticas públicas, também no que tange à formação de professores.

Para a análise esboçada nos objetivos desta proposta, serão adotadas as abordagens quantitativa e qualitativa, tendo por base o pressuposto de que não há uma total dissociação entre os conceitos de quantidade e qualidade defendidos por Gatti (2006). A autora propõe uma superação das polarizações estabelecidas nas pesquisas em educação que não têm considerado os “limites e as limitações de ambas na produção de conhecimentos” (GATTI, 2006, p.28), argumentando que:

É preciso considerar que os conceitos de quantidade e qualidade não são totalmente dissociados, na medida em que, de um lado, a quantidade é uma interpretação, uma tradução, um significado que é atribuído à grandeza com que um fenômeno se manifesta (portanto é uma qualificação dessa grandeza), e de outro, ela precisa ser interpretada qualitativamente, pois, em si, seu significado é restrito. Por outro lado, nas abordagens qualitativas, é preciso que o evento, o fato, se manifeste em uma grandeza suficiente para sua detecção – ou seja, há uma quantidade associada aí. (GATTI, 2006, p.28)