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Perda auditiva, envelhecimento e uso de próteses auditivas: relações e conclusões

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

7.1. Perda auditiva, envelhecimento e uso de próteses auditivas: relações e conclusões

Por meio desta pesquisa, fomos capazes de descrever alguns repertórios interpretativos produzidos por idosos deficientes auditivos para justificar suas decisões de usar ou não a prótese auditiva.

Observamos que os usuários de prótese justificaram a sua decisão por meio da utilização de cinco repertórios básicos, os quais foram por nós denominados como: (1) O incômodo da repetição, (2) Em busca da prevenção e auto-cuidado, (3) A prótese como um recurso tecnológico benéfico, (4) O reconhecimento das limitações da prótese e (5) A virtude da resignação.

Já os não-usuários justificaram esta decisão utilizando-se dos seguintes repertórios: (1) O uso de estratégias alternativas, (2) O desconforto maior que o benefício, (3) O insucesso do outro, (4) A relativização da necessidade e (5) A transitoriedade da decisão.

A análise dos repertórios nos permitiu identificar algumas funções de seu uso, bem como as implicações morais decorrentes deste uso. Assim, pudemos perceber que, ao utilizar tais repertórios, os entrevistados procuraram legitimar sua decisão de usar ou não a prótese auditiva, mostrando que a mesma foi tomada de maneira criteriosa, levando em conta diversos aspectos e que, portanto, deve ser respeitada. Além disso, ao usar estes repertórios, os entrevistados buscaram se aproximar de imagens moralmente positivas, posicionando-se como pessoas coerentes, flexíveis, lógicas, capazes, responsáveis e informadas. Da mesma forma, também tentam garantir o afastamento de imagens negativas, como as de pessoas difíceis, inflexíveis e desinformadas. Assim, foi possível observar como os indivíduos utilizaram os repertórios interpretativos para dar sustentação aos posicionamentos assumidos nas entrevistas, buscando sempre preservar a legitimidade de suas qualidades morais.

Além de identificar os repertórios interpretativos, este estudo nos possibilitou visualizar como esses repertórios são móveis, ou seja, não pertencem a uma classe definida. Opostamente a isso, verificamos que eles estão disponíveis socialmente, podendo ser utilizados de maneira combinada e por diferentes grupos sociais, dependendo da intenção conversacional de cada momento. Foram essas constatações que a segunda parte da análise, denominada, repertórios em movimento, nos permitiu realizar.

Durante o processo de pesquisa e análise, alguns pontos específicos nos chamaram a atenção, seja por sua dissonância com a literatura científica existente, seja por suas peculiaridades ou ainda por nos fazerem refletir sobre a maneira como enxergávamos determinados aspectos relacionados ao tema desta pesquisa antes de realizá-la.

Um desses pontos diz respeito à associação entre perda auditiva e envelhecimento, a qual foi relatada em estudos anteriores que abordaram temas similares ao desta pesquisa. Como exemplo, podemos citar o trabalho realizado por Fialho (2001), no qual a autora afirma que a forma como os sujeitos de sua pesquisa percebiam e enfrentavam a diminuição da audição relacionava-se ao lugar ocupado pelos velhos dentro da sociedade. Outro trabalho importante foi o de Costa (2006) que constatou haver uma associação entre perda auditiva e envelhecimento por parte dos idosos estudados. Comenta ainda que essa associação interfere na aceitação da deficiência auditiva e, conseqüentemente, no uso da prótese, já que a chegada da velhice é vista de forma negativa.

Desta maneira, ao iniciarmos o estudo deste tema, imaginamos que os sentidos do “ser idoso” fossem influenciar de maneira significativa na utilização dos repertórios utilizados para justificar o uso ou não-uso das próteses auditivas. Pensávamos que talvez os idosos que optaram por não usar a prótese pudessem, em suas entrevistas, produzir sentidos mais negativos e estigmatizantes em relação à velhice, quando contrapostos com aqueles que decidiram usá-la. Outra idéia era a de que talvez, em suas justificativas, pudessem associar, de forma mais expressiva, deficiência auditiva e envelhecimento e que esta associação pudesse interferir na construção dos repertórios sobre a decisão de não utilizar as próteses.

Nota-se, entretanto, que apesar de, em vários momentos, a “surdez” e o “ser idoso” terem sido associados a fatores negativos e estigmatizantes, estas associações não prevaleceram nos relatos de um grupo específico (usuários/não-usuários), mas foram referidas de uma maneira geral por quase todos os entrevistados. Portanto, para os idosos aqui estudados, não podemos afirmar que estes sentidos influenciaram de forma direta na decisão de usar ou não as próteses auditivas. Entretanto, como este é um trabalho de caráter qualitativo, não temos a pretensão de generalizar as impressões aqui obtidas para outros grupos de idosos.

Com relação aos sentidos de ser idoso, um aspecto que nos chamou a atenção foi o fato de alguns entrevistados, apesar de cronologicamente serem classificados como idosos, relatarem não se considerarem desta forma. Podemos refletir, então, que para se afastar dos estigmas associados à velhice, os entrevistados tentam se distanciar do rótulo de “ser idoso”. Vemos assim que a construção social de sentidos, como o da velhice, influencia na maneira como os idosos lidam com esta etapa da vida, podendo interferir de forma positiva ou negativa, dependendo dos significados atribuídos a esse fenômeno.

Por este motivo, é imprescindível que se faça a desconstrução da imagem do idoso estigmatizado, já que esta encarcera o indivíduo. É necessária a abertura de possibilidades para o idoso ser um novo sujeito, diferente da imagem de um velho acomodado e preguiçoso (Lima, 2000).

Observação semelhante pode ser realizada em relação aos sentidos de “ser surdo”, já que, nos relatos aqui registrados, pudemos constatar a presença de associações negativas e pejorativas em relação à surdez, tanto por usuários como por não-usuários de próteses auditivas que, apesar de terem consciência da sua perda de audição, tentam se afastar ao máximo do rótulo de “ser surdo”.

Muito se fala sobre a aceitação da perda auditiva como fator determinante para o sucesso no uso de próteses auditivas (Campos, 1990; Costa, 2006; Freire, 1999; Jerger et al., 1995; Southall et al. 2006). Sabemos, entretanto, que muitos outros fatores estão associados ao alcance desse sucesso, como, por exemplo, o apoio da família (Barros & Queiroga, 2006), características de personalidade, estilo de vida, predisposição inicial para o uso da prótese auditiva, expectativas quanto ao benefício da amplificação (Cox & Alexander, 2000). Além destes, aspectos objetivos, como o grau da perda auditiva, os índices de reconhecimento de fala e a idade do candidato, e aspectos subjetivos, como grau de tolerância a sons intensos,

expectativas e motivação para o uso do equipamento (Russo, 2004b) também atuam interferindo no sucesso deste processo.

Sendo assim, é importante nos atentarmos para o fato de que, algumas vezes, apesar de os idosos possuírem um perfil audiométrico compatível com a adaptação de próteses auditivas, outros fatores devem ser levados em consideração, dentre eles, a percepção das dificuldades auditivas por parte do idoso, que é quem efetivamente irá usar o aparelho.

Devemos considerar, então, que nem sempre a adaptação da prótese naquele momento específico é a melhor solução. Nesta pesquisa, vimos como os entrevistados querem de forma legitimada e válida preservar o direito de não usarem a prótese sem que, com isso, sejam rotulados como pessoas “difíceis”, “inflexíveis” e “resistentes”. Assim, percebemos que o que eles desejam, de fato, é serem respeitados em suas decisões.