• Nenhum resultado encontrado

Segundo Martínez (1999: 66-7), “a diversidade é inevitável porque a autoconsciência imediata não se pode representar sozinha, mas sim no contexto da consciência e da experiência pessoais, fazendo-se presente com maior ou menor intensidade nos diversos momentos”. Gaarder refere que a religião (enquanto fundada sobre o sentimento) é uma experiência interior e que assim como qualquer experiência interior deve transformar-se numa expressão exterior. Acontece que (a título de exemplo), “um teórico de música pode explicar como uma peça de música está construída e descrever a sua clave e os seus instrumentos mas não conseguirá nunca recriar a experiência que a música transmite” (Gaarder, 2007: 12). Por esse motivo, não haverá “ninguém (um árbitro) que possa dizer quem vem de facto espiritualmente motivado ou quem se chama afinal peregrino” (idem, p.45). Tal como perguntava Rountree (2006: 45),

“how does one identify sacred purpose of the secular pilgrim, on the line between passionate curiosity and devotion? It should also be noted that a traveller may shift between different modes of travel in the course of a particular journey, for example, from pilgrim to tourist on holiday maker to business person”.

Nessa medida, Turner27 muito antes de Swatos (2006: 2) e tantos outros autores que o citam,

conta que o turista é metade peregrino se um peregrino for metade turista.

Alguns autores defendem que a peregrinação é uma viagem sagrada a um lugar sagrado com um propósito sagrado. Referem, além disso, que muitas viagens sagradas não são religiosas no sentido estrito do termo. Por este motivo, torna-se importante atender à autoidentificação dos visitantes e perceber quais são as suas motivações, uma vez que estes dados são por si sós mais importantes que o destino da viagem (Rountree, 2006: 44). Daí que, quando estes dados são esquecidos (autoidentificação dos visitantes), se coloque a dúvida sobre se realmente existe uma diferença entre

25

Segundo Vukonic (2006: 237),

existem três formas de turismo religioso na Igreja Católica, que são: a peregrinação com grupos contínuos e individuais a visitar santuários religiosos; encontros de grande dimensão por ocasião de datas aniversárias de grande significado, e por fim, as viagens e visitas a lugares ou construções religiosas, ou seja, a património religioso importante.

26

Ainda de acordo com os autores, tal resulta da utilização do conceito por promotores turísticos e por investigadores que o descrevem (o fenómeno do turismo religioso) em dois caminhos diferentes (idem, p.272).

turista e peregrino, uma vez que esta relação se estabelece prioritariamente sob a ótica da viagem. O mesmo é apontado por Santos (2006: 122), quando menciona que não seja, porventura, muito apropriado fazer esta distinção, dado um peregrino ser um turista quando “consome voos charter, autocarros, hotelaria, animação e sítios” e o mesmo se verificar no reverso com o turista quando este “se afasta temporariamente do seu ambiente habitual (família, etc.) tal como o peregrino”.

Todavia, a resposta torna-se muito evidente para alguns agentes religiosos. Segundo Abreu (2013: 5), o “turista é a pessoa que se move em busca do que patrimonialmente é relevante e que, neste trajeto, acaba por embrenhar-se como religioso”, sendo o peregrino aquele que se “alimenta da fé e que, em se deslocando, acaba por deslumbrar-se e admirar o que a crença, aliada à arte, foi capaz de produzir”. Por outras palavras,

“muitas vezes o peregrino acaba por ser turista porque é em peregrinando que vai apreciando as belezas que se lhe apresentam pelo caminho e não deixa de ser sensível à arte, ao belo... e o turista acaba por ser peregrino porque muitas vezes vai só com o intuito do lazer ou conhecer um estilo artístico ou conhecer um artista ou contemplar a natureza, mas acaba também por ser tocado pelo ambiente sagrado que visita” (em entrevista).

No mesmo sentido convergem as palavras do Sr. Reitor Carlos Cabecinhas quando refere:

“Aquilo que distingue os dois (o turista e o peregrino) é antes de mais a sua motivação principal.

É óbvio que a motivação principal do turista religioso é uma motivação religiosa, a motivação principal do peregrino é uma motivação religiosa, a motivação principal do turista será uma motivação lúdica ou cultural. A questão é que muitos turistas que vêm com essa motivação, vindo a Fátima se integram como peregrinos nas atividades e celebrações como também é igualmente verdade que muitos peregrinos com uma motivação religiosa depois aproveitam da oferta cultural e lúdica que a própria cidade de Fátima oferece.”

Todavia, várias pessoas não gostam de ser apelidadas de turistas quando vêm em peregrinação, talvez por uma razão que se prende com o caráter da própria viagem. Pois atendendo às palavras de Santos (2006: 301),

“Apesar de, no contexto católico, a peregrinação não poder ser qualificada como um estrito dever religioso, no sentido de ser imposta por uma regra imperativa do foro eclesiástico, ela é assumida como tal pelo peregrino em muitas situações, (...), seja em caráter positivo ou negativo, as peregrinações veiculam certa noção de obrigatoriedade”.

Evidentemente que se a peregrinação for feita a pé28, tal indica que se trata de um peregrino29, no entanto, como saberemos quando a viagem se der de outra forma (de que obrigatoriedade fala Santos)? Numa primeira análise, por aquilo que sugere a definição de peregrino, podemos deduzir que para o peregrino, “a deslocação é um fim em si mesma” (idem, p.286). Por esse motivo, o peregrino terá maior propensão a empenhar-se em atividades de foro religioso, nomeadamente na reza do terço aquando da viagem e à prática de rituais como acontece em Fátima e Loreto pelo percorrer de joelhos o caminho da passadeira de promessas e a volta à casa santa, respetivamente, ou inclusive, pela queima das velas que se faz em todos os santuários. De forma análoga, o turista religioso também poderá participar nalgumas celebrações e deixar-se embair pelo espírito partilhado pelos peregrinos, isto é, poder também tomar partido de alguns rituais como o da procissão das velas, contudo, terá simultaneamente em mente o desejo de estender a sua viagem a outros pontos não exclusivamente religiosos, sendo esse desejo tão ou mais intenso quanto mais afastado estiver

da sua residência. Atente-se ao que nos foi transmitido pela empresa Verde Pino30,

“fazemos pacotes que levam as pessoas a passarem por diversos pontos do país. Pontos de interesse religioso e outros não religiosos. O estrageiro não vem a Portugal só para ver Fátima, nem compensava despender tanto dinheiro numa viagem... Nós fazemos roteiros muitas vezes apenas religiosos, levamo-los a passar também em Santiago de Compostela e outros santuários portugueses, mas o nosso cliente tipo é este: a pessoa que vem com um motivo religioso e que gosta de participar nas atividades religiosas (procissão das velas, terço, etc.) mas que não se fica por aí, aproveitando sempre para conhecer outros pontos de Portugal e até de Espanha”.

Por tudo isto, consideramos, assim como refere Santos (2006: 284), que enquanto o peregrino é “um crente devoto a certo santo, de determinada invocação mariana ou de um lugar sagrado particular”, o turista religioso por sua vez, “é necessariamente um fiel da religião cujos lugares consagrados visita (...), mas que apresenta as características de um verdadeiro turista”. Sendo o turista aquela pessoa que viaja simplesmente por recreio ou para se instruir (Infopédia), nesta perspetiva jamais se poderá confundir com o peregrino, uma vez que este imprime invariavelmente uma certa intensidade religiosa a cada viagem que efetua rumo a lugares de âmbito religioso.

28

Viagens que requerem, segundo a generalidade dos peregrinos, um certo esforço físico e fadiga, por refletirem de uma

ou outra forma a penitência que pretendem incorporar nela. No caso especifico de Fátima, nossa Senhora apelou a que se fizessem sacrifícios, que se rezasse o terço todos os dias e, talvez por essa razão, por uma questão meramente tradicional, os peregrinos são levados por si mesmos a ignorar os conselhos de agentes eclesiásticos que são dados no sentido de tornar as peregrinações em momentos mais prazenteiros ou de festividade. Segundo o relato de Pereira (2007: 183-4), “quando um enorme grupo de peregrinos pernoitava num quartel de bombeiros, um padre que também era peregrino, sugeriu a todos os peregrinos, pertencentes a diferentes grupos, que, no dia seguinte, antes de começarem a caminhar, realizassem uma missa em conjunto. Na manhã seguinte, os peregrinos foram embora sem rezar, deixando ficar o padre com um grupo pequeno ao qual pertencia o guia que me contou este episódio”.

29

CAPÍTULO 3 – DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA O TURISMO RELIGIOSO EM