• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 CAMINHOS METODOLÓGICOS

2.2 O CONTEXTO DA PESQUISA

2.2.1 Perfil da escola

O perfil da escola de Educação Infantil, aqui traçado, corresponde aos dados que pudemos constatar, durante nossa observação participante, e também aos dados declarados no Projeto Político Pedagógico da escola (PPP), documento que contempla a proposta educacional da unidade escolar.

Este último, o PPP, ao detalhar questões como a relação do patrimônio da escola, o número de crianças que frequentavam as aulas nos três períodos (manhã, tarde e integral) e apresentar gráficos, como a renda, a escolaridade, a profissão/ ocupação das famílias, disponibiliza dados mais precisos e que complementam outros observados pela pesquisadora.

A escola de Educação Infantil em que geramos nossos dados foi inaugurada em meados do ano de 2014, é pública, está localizada em uma cidade no interior do estado de São Paulo e atendia uma comunidade de, ao menos, dez bairros, considerando que no questionário aplicado pela escola para a construção do PPP, alguns pais e/ou responsáveis não informaram o local em que residiam.

Essa informação sobre o elevado número de bairros que a escola atendia reforçou algo que já era evidenciado por uma “lista de espera” de crianças que aguardavam o surgimento de vagas para frequentar aquela instituição infantil, ou seja, o fato de que a oferta de vagas naquela escola pública era inferior à demanda. A quantidade de 25 crianças, número máximo permitido de acordo com o Plano Municipal de Educação, na turma em que os dados foram gerados também confirma a necessidade de mais escolas de Educação Infantil naquela região, de modo que o acesso à escola de Educação Infantil seja para todos, diminuindo as desigualdades sociais. Além disso, o fato de que quase metade da clientela da escola, moradora desses bairros, possuía uma renda mensal de até dois salários mínimos (conforme Gráfico 1 - Renda familiar) também evidencia a necessidade de escolas públicas, já que esses salários impossibilitariam o pagamento de mensalidades em escolas particulares da região.

Quanto aos recursos físicos, a escola dispunha de: 9 salas de aula com solário (exceto uma que havia sido adaptada em um espaço onde, no ano anterior, funcionava uma

brinquedoteca); 2 banheiros, 4 banheiros infantis, sendo 2 deles adaptados para crianças portadoras de necessidades especiais; 1 cozinha; 1 lactário; 2 despensas (uma de estocáveis e outra de perecíveis); 3 almoxarifados; sala de professores; sala de direção; 2 vestiários; rouparia; lavanderia; 1 sala de TV/ livros/ brinquedos (em um único ambiente); 2 pátios, sendo um sem cobertura e outro coberto, neste último encontram-se as mesas do refeitório; 1 parque de areia e grama; e um amplo gramado na frente da escola.

Acrescentamos, tendo em vista que, na época do início de nossa geração de dados, a escola tinha apenas um ano e meio de funcionamento, que, por um lado, foi possível observar uma grande variedade de espaços novos e bem conservados, com mobílias e equipamentos em perfeito estado de funcionamento, todavia, por outro, a acústica ruim e a temperatura elevada, dentro da sala de aula em que geramos nossos dados, de certo modo, desfavoreciam a realização das atividades, porém não as inviabilizava.

Dentre os recursos materiais que constavam como bens integrantes do patrimônio da unidade escolar e que foram enviados pela Prefeitura da cidade via Secretaria Municipal de Educação havia: 2 TVs de 32 polegadas Full HD - Smart, 7 rádios portáteis, 2 DVDs, 1 fogão industrial de 6 bocas, 1 microcomputador de mesa, 1 geladeira de 460 litros, 2 refrigeradores, 1 freezer horizontal, 1 espremedor de suco elétrico, 3 purificadores de água refrigerados, 3 bebedouros elétricos conjugados, 1 impressora multifuncional, 1 lavadora de roupas, 1 secadora de roupas, 2 fornos de micro-ondas, 2 liquidificadores domésticos, 1 liquidificador industrial e 1 batedeira planetária. É válido ressaltar que todas as salas dispunham de TV e DVD, sendo a maioria proveniente de doações feitas pelas professoras da escola.

Há, como podemos perceber, inúmeros equipamentos que são fundamentais para o funcionamento geral de uma escola como, por exemplo, o fogão industrial e a geladeira, para fazer e conservar a merenda escolar, e também a máquina de lavar roupas, haja vista que a escola atendia crianças de 0 a 3 anos em período integral que dormiam, durante esse tempo, e tomavam um banho. Isso gerava a necessidade da lavagem de roupas de cama e banho. Havia também itens que, no atual contexto da educação brasileira, não são tão imprescindíveis, como os purificadores de água congelada e a secadora de roupas, embora fossem bastante utilizados para facilitar o desenvolvimento de atividades que garantiam o bom funcionamento da escola.

Destacamos, ainda, os itens que viabilizaram a prática pedagógica em geral, principalmente, aquelas voltadas para as atividades de letramento, para o desenvolvimento de atividades com outras linguagens e com os gêneros discursivos, entre eles: os rádios (para a

audição de música); as TVs (para assistir filmes/ desenhos/ reportagens); e, apesar de não listada no PPP da escola, uma caixa de som com microfone (que, além de permitir a reprodução de músicas, via Bluetooth, facilitava o desenvolvimento de atividades, com boa acústica para várias turmas da escola simultaneamente). Foi com ela, por exemplo, que foi realizada a leitura de histórias como Douglas quer um abraço (MELLING, 2013) e Não é uma caixa (PORTIS, 2013), propiciando a interação das crianças da turma analisada com outras turmas através da brincadeira do abraço (quando as crianças ensinaram às demais as diversas técnicas de abraços do livro - abraço de urso, abraço trenzinho, abraço de ponta- cabeça, dentre outras) e da apresentação da história Não é uma caixa com carros, casas e objetos diversos, feitos com caixas de papelão, e a leitura em voz alta da professora. As duas atividades foram desenvolvidas no pátio principal da escola, considerando a grande quantidade de crianças presentes na plateia.

Nessas atividades, as crianças tiveram a oportunidade de assumir diferentes lugares e papéis discursivos, tendo em vista que estavam diante de uma plateia composta por crianças de outras salas, o que não era habitual na rotina da escola, ou seja, elas foram protagonistas. Retomando o que dissemos anteriormente, Duarte (2004), a partir dos estudos de Leontiev (1978a), explica que uma mesma ação pode estar acompanhada de diferentes emoções e sentimentos, dependendo da atividade que dá sentido a tal ação. Desse modo, entendemos que essas atividades possibilitaram diferentes emoções e sentimentos positivos, de “sucesso”, conforme termo utilizado por Leontiev (1978a).

Com relação aos recursos humanos a escola possuía, em 2016: a) uma equipe administrativa que trabalhava em jornada integral e era formada por 1 diretora de escola, 1 agente educacional, 4 serventes de merendeira, sendo uma delas readaptada, 1 funcionária terceirizada de serviços gerais; b) um corpo docente com 25 professoras e 3 educadoras que trabalhavam, nessa escola, ou no período da manhã ou da tarde; c) um corpo discente composto por 213 crianças matriculadas, perfazendo um total de 263 atendimentos diários, já que as crianças eram atendidas em três turnos (manhã, tarde e integral). Apesar de ser uma escola nova, dentre seus funcionários havia pessoas com experiência entre 17 anos até poucos meses de trabalho, pois a grande maioria já trabalhava na rede municipal quando a escola foi inaugurada em 2014.

Esse quadro dos recursos humanos era considerado pelas Secretarias de Administração e de Educação do município como completo, pois cumpria o que era estabelecido em documentos oficiais, como o PME (Plano Municipal de Educação), acerca da quantidade de crianças por adulto. Entretanto, essa perspectiva se diferenciava da visão dos

professores e funcionários que comentavam sobre a insatisfação com a sobrecarga de serviços da diretora que acarretava em jornada de trabalho excessiva; o cansaço e a insatisfação com o desenvolvimento de atividades pedagógicas devido ao número elevado de crianças; e, ainda, acerca da impossibilidade de manter salas como as do berçário devidamente higienizadas, por falta de funcionários.

O quadro a seguir exibe com precisão a quantidade de crianças atendidas no ano de 2016, o período e as turmas que formavam o grupo discente. Assim, podemos observar o contexto escolar em que estão inseridas as crianças que participaram de nossa geração de dados.

Quadro 2 - Relação de alunos e turmas em 2016

(*) Sala com 01 aluno Portador de Necessidades Educativas Especiais – Grau 5

(**) Sala com 02 alunos Portadores de Necessidades Educativas Especiais – 01 Grau 3 e 01 Grau 2

Fonte: Disponível no PPP da escola

Considerando a idade das crianças, temos de acordo com a nomenclatura utilizada no município da escola: a Fase 1 (crianças de 4 a 12 meses), Fase 2 (crianças de 1 a 2 anos), Fase 3 (crianças de 2 a 3 anos), Fase 4 (crianças de 3 a 4 anos), Fase 5 (crianças de 4 a 5 anos) e Fase 6 (crianças de 5 a 6 anos)76. Foi nesta última, na única turma da escola nesta faixa etária, durante o ano de 2016, que ocorreu a geração de dados deste estudo. Os dados em vermelho correspondem à turma participante.

75

Os dados em vermelho correspondem à turma participante da geração de dados deste estudo.

76

Como já dissemos anteriormente, a divisão das crianças em diferentes Fases, terminologia utilizada no município, seguia apenas o critério de faixa etária estabelecido pela Supervisão.

Quadro escolar do ano de 2016 Alunos no período da manhã Alunos no período da tarde Alunos em período integral Subtotal de alunos Total de turmas

Manhã Tarde Integral

4 a 12 meses 02 02 10 14 01 01 01 1 a 2 anos 08 (*) 13 19 40 01 01 02 2 a 3 anos 06 19 21 46 01 02 02 3 a 4 anos 20 20 40 01 01 4 a 5 anos 23 (**) 25 48 01 01 5 a 6 anos75 25 25 01 Total de alunos na unidade 59 104 50 213 05 07 05

Os gráficos apresentados, a seguir, revelam o perfil das famílias das crianças da escola. No primeiro, podemos observar que quanto à renda quase metade das famílias recebe até dois salários mínimos; 33% recebe entre dois a quatro salários; no entanto, se em um extremo, temos cerca de 10% com renda bem superior às demais, entre 5 e 7 salários; no outro extremo, também há cerca de 10% dessas famílias vivendo com renda de um salário mínimo ou até menos que isso. Vale ressaltar que o cálculo do salário foi feito com base no salário mínimo da época que era de R$ 880,00.

Gráfico 1 - Renda familiar

Fonte: Disponível no PPP da escola

Com relação à moradia, a maioria das famílias já havia conseguido adquirir sua casa própria, porém, destacamos que muitas só consideravam como próprio o imóvel já quitado, por isso há também a indicação de imóvel “financiado” como podemos observar a seguir.

Gráfico 2 - Moradia

Fonte: Disponível no PPP da escola

Apesar da confiabilidade dos dados demonstrados e de traçar um perfil das famílias da unidade escolar, acrescentamos a eles alguns pontos que permitem englobar um pouco mais da diversidade das múltiplas famílias. Assim, esclarecemos que algumas crianças viviam em núcleos que não eram formados exclusivamente pelo pai e pela mãe, como os responsáveis pelo sustento da família (ao menos 7 das 22 crianças da turma em que os dados foram gerados viviam nesses núcleos familiares, conforme constatado pela professora em conversas com as famílias). As fichas de matrículas que geraram os dados do PPP da escola, também mostravam questões que não foram transformadas em gráficos, tais como: os dados pessoais do padrasto ou do avô em campos da ficha de matrícula referente ao pai da criança, já que estes assumiam a função da figura paterna do documento. Apesar dessas considerações, os gráficos 1 e 2 são necessários à nossa análise, haja vista que eles traçam o perfil socioeconômico das famílias, revelando que a escola pública era a única opção para elas, devido a renda familiar mensal. Também é válido frisar que para algumas dessas famílias a escola era o lugar em que as crianças ficavam enquanto seus responsáveis trabalhavam.

Lembramos, a propósito, que a partir dos quatro anos de idade a criança tem direito à educação básica obrigatória e gratuita (LDB - 9394/96) e, ainda, que a Educação Infantil tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança com relação aos aspectos físico, psicológico, intelectual e social. Desse modo, mesmo que algumas famílias considerassem a escola como um espaço para deixar as crianças, enquanto trabalhavam, sublinhamos que a escola pode e deve ser também um espaço de humanização que viabiliza o acesso da criança a diferentes práticas de letramento, incluindo as atividades de tradução literária, de modo que possamos caminhar rumo a uma sociedade com menos desigualdades

sociais, afinal, a discrepância de renda das famílias desta escola de que tratamos é pequena quando comparada a cenários mais amplos, como, por exemplo, o municipal ou o brasileiro.

O próximo gráfico revela que mais da metade das famílias depende do Sistema Único de Saúde, no entanto, há uma parte considerável delas, cerca de 35% que não depende desse sistema de saúde público, pois possui convênio particular ou da empresa em que os responsáveis trabalham.

Gráfico 3 - Assistência médica

Fonte: Disponível no PPP da escola

Ainda com relação à assistência médica, incluímos a informação de que havia nas proximidades da escola uma UBS (Unidade Básica de Saúde) que atendia muitas crianças da escola, principalmente em relação ao tratamento odontológico. Um fato pertinente que observamos era a ligação de alguns profissionais dessa UBS, a dentista e algumas auxiliares, com as professores da escola e as crianças, pois, havia um projeto desenvolvido por esses profissionais de saúde que incluía a visita periódica à escola para acompanhamento da saúde bucal das crianças, mas também para orientações acerca dessa saúde bucal. Ressaltamos que esse projeto envolvia rodas de conversa, filmes e apresentações com fantoches, ou seja, vivências com atividades de letramento que se somavam àquelas já desenvolvidas com a professora.

Os dois próximos gráficos revelam que enquanto entre as mães das crianças a grande maioria (60%) finalizou o Ensino Médio, entre os pais foram cerca de 40% que concluíram essa etapa de ensino. Não há ninguém, dentre os pais e mães que declararam a escolaridade, que não foi alfabetizado, porém, existe um número considerável de pais (16%) e mães (11%) que não concluiu o Ensino Fundamental.

Gráfico 4 - Escolaridade da mãe

Fonte: Disponível no PPP da escola Gráfico 5 - Escolaridade do pai

Fonte: Disponível no PPP da escola

Observamos nos dois últimos gráficos que a escolarização das mães é maior que a dos pais. Esses dados justificam, em partes, o fato de a participação da figura materna ser mais significativa que a dos pais na realização de algumas atividades do projeto Sacolinha da Leitura, visto que a maioria das fichas de leitura tinha o nome da mãe no campo destinado ao preenchimento do responsável.

É digno de nota ressaltar que o perfil da escola de Educação Infantil em que geramos nossos dados não corresponde ao perfil brasileiro. Embora a legislação e os

documentos oficiais que visam a garantia do direito da criança à Educação Infantil sejam os mesmos, conforme descrição feita na introdução deste estudo, há muitas cidades brasileiras que não têm sequer professores com formação adequada para atuar nessa etapa do ensino devido às precárias condições econômicas.

Traçado o perfil da escola com seus recursos físicos, materiais e humanos, vejamos, a seguir, o perfil da turma de crianças dessa unidade que participou diretamente da geração de dados.