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Perfil da distribuição de água e uréia em torno da proteína de acordo com o estado de protonação de Asp/Glu

Sumário

Capítulo 3. Microsolvatação da enzima BCL por uréia: considerações sobre o estado de protonação dos resíduos ácidos Aspartato e Glutamato

3. Microsolvatação da enzima BCL por uréia: considerações sobre o estado de protonação

3.2.4. Perfil da distribuição de água e uréia em torno da proteína de acordo com o estado de protonação de Asp/Glu

A microsolvatação proteica pode ser investigada em detalhes através das funções de distribuição soluto-solvente (gss), mostradas na Figura 3.5. Esta ferramenta é

Capítulo 3. Microsolvatação da enzima BCL por uréia: considerações sobre o estado de protonação dos resíduos ácidos Aspartato e Glutamato

adequada para este estudo, pois possibilita avaliar a estrutura dos solventes nas proximidades da proteína. Além disso, aplicação posterior das integrais de Kirkwood- Buff permite associar um volume de solvente excluído ou acumulado no domínio da proteína.84

A Figura 3.5A mostra que distribuição de água na superfície proteica é levemente afetada pela protonação dos resíduos ácidos Asp/Glu. Ocorre uma pequena perturbação nas ligações de hidrogênio (água⋯Asp/Glu), indicada pelo decréscimo no primeiro pico de gss. Este fato tem como consequência o deslocamento de água para a segunda camada de solvatação, de acordo com o aumento observado no segundo pico de gss (aumento da densidade relativa de água na segunda camada de solvatação). Por outro lado, a distribuição de uréia em torno da proteína é altamente perturbada pela protonação dos resíduos ácidos Asp/Glu, como mostra a Figura 3.5B. Interessante observar a perda de afinidade de interações proteína-uréia na primeira camada de solvatação em ~1.8 Å (desorientação das ligações de hidrogênio uréia-NH⋯O=C- Asp/Glu), mas a segunda camada de solvatação é levemente estabilizada, como indicado pelo pequeno aumento da densidade relativa nas funções gss (segundo pico). Contudo, ainda é possível observar uma alta densidade relativa de uréia na superfície proteica, mesmo depois da protonação dos resíduos Asp/Glu, de acordo com o decréscimo de gss na primeira camada de solvatação (de ~5.6 para ~4.0).

As Figuras 3.5C e 3.5D mostram as integrais de Kirkwood-Buff (KBI), correspondentes às distribuições de água ou uréia em torno da proteína. Podemos observar que ocorre exclusão de ambos os solventes em curtas distâncias (menores do que ~1.67 Å), isto é devido à repulsão estérica entre átomos dos solventes e átomos da proteína (gss < 1), que leva a valores negativos da integral. Na primeira região de concentração do solvente (~1.67 < distância (Å) < ~2.21), ocorre formação de ligações de hidrogênio mais bem orientadas, com os solventes atuando como doadores das ligações de hidrogênio.76 A segunda região com alta densidade relativa de solvente (~2.21 < distância (Å) < ~3.31), faz com os valores de KBI se tornem menos negativos, dada pelo acúmulo de solventes nas duas camadas de solvatação. Os valores de Gss convergem para valores diferentes de acordo com os estados de protonação dos

Capítulo 3. Microsolvatação da enzima BCL por uréia: considerações sobre o estado de protonação dos resíduos ácidos Aspartato e Glutamato

resíduos ácidos Asp/Glu. Os solventes são atraídos menos efetivamente pela superfície proteica quando os resíduos Asp/Glu estão em suas formas protonadas (linha verde sempre abaixo da linha azul), como mostrado nas Figuras 3.5C e 3.5D. Além disso, é possível observar que a perda de afinidade pela superfície proteica é muito mais evidente para as moléculas de uréia, mostrando que o estado de protonação dos resíduos ácidos Asp/Glu é muito importante para determinar como as moléculas de uréia estão distribuídas na superfície proteica. Neste sentido, estes resultados mostram que em pH ácido, as interações proteína-uréia são perturbadas. Portanto, a desnaturação proteica em pH ácido, induzida por moléculas de uréia, resulta de forma não trivial das interações diretas proteína-uréia.

Utilizamos as integrais de Kirkwood-Buff para avialiar o acúmulo dos solventes nas duas camadas de solvatação da enzima BCL. Com isso, a estrutura dos solventes nestas camadas mais próximas da superfície proteica pode ser estudada, e estão ilustrados nas Figuras 3.5E (proteína + água) e 3.5F (proteína + água + uréia). As áreas calculadas em baixo dos picos máximos, referentes a cada camada de solvatação, foram utilizadas para determinar o acúmulo de moléculas de água ou uréia na primeira ou na segunda camada de solvatação, como descrito mais adiante.

Capítulo 3. Microsolvatação da enzima BCL por uréia: considerações sobre o estado de protonação dos resíduos ácidos Aspartato e Glutamato

Figura 3. 5 Efeito do estado de protonação dos resíduos ácidos Asp/Glu na distribuição de solvente na superfície proteica. (A) e (B) funções de distribuição soluto-solvente (gss) de acordo com a alteração no estado de protonação dos resíduos Asp/Glu. (C) e (D) mostram os valores das integrais de Kirkwood-Buff (KBI ou Gss) para proteína-água e proteína-uréia. (E) e (F) mostram as primeiras derivadas de KBI em relação à distância. Insets: mostram a primeira camada de solvatação (FSL – do inglês First Solvation Layer) e a segunda camada de solvatação (SSL – do inglês Second Solvation Layer).

Os resultados sugerem que o efeito de desnaturação proteica em pH ácido e favorecido por uréia, observado experimentalmente,94,95 não é, necessariamente, resultado exclusivamente de interações Asp/Glu⋯uréia na primeira camada de solvatação de proteínas. Caso existisse uma dependência direta, o efeito do desnaturante

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uréia deveria ser mais pronunciado em alto pH, dado pelo acúmulo de uréia próximo aos resíduos ácidos Asp/Glu desprotonados. Interessante observar que dados experimentais mostraram a capacidade de proteínas manterem suas estruturas secundárias mesmo em pH alcalino, inclusive com alta concentração de uréia.77 Estes resultados sugerem que, apesar do desnaturante uréia estar muito bem orientado formando ligações de hidrogênio com os resíduos Asp/Glu (uréia-NH⋯O=C-Asp/Glu) na forma desprotonada, isto não deve ser o principal componente para favorecer o desnovelamento protéico induzido por uréia.

3.2.5. Análise da microsolvatação proteica de acordo com a