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Perfis individuais das entrevistadas

2 CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO: CRECHES, CRIANÇA PEQUENA,

3.2 Resultados

3.2.2 Perfis individuais das entrevistadas

Adriana, a primeira a ser entrevistada, tem 36 anos, graduou-se em História e Pedagogia. Declarou-se preta e informou ter participado de movimento social, quando mais jovem, focado nas áreas de gênero, classe e relações raciais. Atualmente trabalha em uma ONG especializada em questões relacionadas à educação, localizada na Região Central de São Paulo.

Adriana já trabalhou diretamente em projetos associados ao combate ao racismo na educação. Apesar de declarar certo desinteresse político, em sua entrevista referiu-se ao racismo brasileiro, a temas relacionados a preconceito e discriminação racial. Considera que bebês brancos e negros são tratados nas creches com diferença, mas não nota exclusão de bebês negros quanto ao usufruto de vagas. Foi a única entrevistada que explicitou uma defesa da educação pública e laica, a nosso ver, enfaticamente. Várias vezes, em seu discurso usou as expressões que a “escola é reprodutora” ou “reproduz” as desigualdades sociais e o racismo. Informou que aspira por uma “educação libertadora”.

Adriana é solteira, tem um filho chamado Jorge, que à época da entrevista (abril 2014) tinha 3 anos e 7 meses, frequentava creche conveniada também na Região Central. Usufruiu a licença maternidade por quatro meses, considera ter sido pouco tempo. Seu filho passou a frequentar creche a partir de 1 ano de idade. A creche, como alternativa de educação e cuidado, foi a única opção do casal. Em seu discurso, não foi possível distinguir diferenças no uso dos termos creche e escola, ou seja, não reserva o termo creche para instituição pública e escola para privada.

Considera que as crianças são negligenciadas. Apreendemos em sua entrevista, intensas críticas ao Estado, à política, aos serviços públicos para a população (saúde, educação, lazer).

“[...] tem que ser um conjunto de coisas preparadas para o atendimento de uma faixa etária que está começando a entender o mundo, um espaço que garanta liberdade, que garanta expressão, que garanta estímulos, que garanta uma convivência harmoniosa, livre de preconceitos de coisas que atrapalham o desenvolvimento ou que faça a criança crescer frustrada”

A entrevista de Joana, como vimos, foi a de menor duração, o que acarretou o

corpus com a menor extensão. Sua formação universitária foi em Serviço Social,

tendo feito pós-graduação na mesma área (lato sensu). É funcionária pública municipal e trabalha como assistente social. Relatou dificuldade enfrentada para encontrar vaga em creche para Guilherme, seu filho, que, na época da entrevista, tinha 3 anos. Seu filho freqüenta, desde os 6 meses, “escola particular”, como denomina, das 7 às 19 horas. Apesar de informar que “as expectativas neste país são coisas difíceis”, gostaria, para os bebês, “uma sociedade de garantia de direitos”. Distingue creche (pública) de escola (particular).

Conhece creches em seu bairro e têm parentes cujos filhos frequentam creche pública. Declarou-se negra. Não nota diferenças no usufruto da creche entre bebês brancos e negros e, sobre esse tema, as respostas parecem flexionadas pela distinção que estabelece no significado de creche e escola. Associa de certa forma, menor o usufruto de bebês negros à creche, a “vulnerabilidade” financeira das famílias negras, apesar de acrescentar: “não sei precisar direito”. Afirma, ainda, não saber “até que ponto isso é válido” reafirmar para a criança que ela “é diferente porque você é negro”. Mais adiante afirma que “se todos são brasileiros [...] todos são iguais. Acho que não tem necessidade de criar diferença nenhuma [...]”. Considera ser uma “faca de dois gumes” informar a criança sobre “a posição” que os negros ocupam na sociedade. Apesar de declarar não ter atuado em movimento negro, “do pessoal que” conhece “do movimento negro”, nota que “é muito maior a reivindicação para jovens e adultos”. Declarou-se umbandista.

Quando diferencia bebê da criança pequena assinala a autonomia, a expressão de desejos e vontades. Aponta amor, segurança e limites como componentes da educação. Joana não menciona ter acionado a justiça para obter vaga para seu filho.

A entrevista de Sara foi a mais longa e gerou o corpus mais extenso. Sara declarou-se negra. Sua graduação foi em Administração e trabalha como Coordenadora de Atendimento em Recursos Humanos, no setor privado. Declara que a religião da família é espírita. Sua filha, Isadora é a criança mais nova dentre os filhos das entrevistadas, pois tinha 1 ano e 5 meses na ocasião da entrevista. Naquele momento, Isadora não frequentava creche, era cuidada/educada pelas avós, aparentemente, como opção dos pais e em decorrência de dificuldade para dispor de vaga em creche. Está acionando instâncias da justiça para tanto.

Vive com companheiro há 14 anos. Reside e trabalha em bairro da Região Norte de São Paulo. Dentre as entrevistadas, é a única que relata que ela e seu companheiro frequentaram creche, pois sua mãe e sogra trabalhavam fora.

Não participou ou participa de movimento negro, mas considera que sua principal reivindicação é por cota, que sua luta é por igualdade entre negros e brancos: “a gente quer igualdade”.

Responde que a reduzida presença de crianças negras na creche deve ser decorrente da falta de vagas: “será que não seria referente a esse problema que eu estou enfrentando, falta de vaga? [...] É meio complicado responder [...] eu prefiro responder que é por conta da falta de vagas. Prefiro pensar assim”. Considera, porém, que os bebês ainda não têm noção sobre diferenças/desigualdades raciais, que “no período da creche [...] ainda é tranquilo [...] por isso que precisamos introduzi-los à creche, para eles saberem que tem diferentes raças [...]”.

Durante a entrevista Sara usou algumas expressões sobre o bebê e seus direitos que nos pareceram contemporâneas e em consonância com concepções e expressões que adotamos no NEGRI. Destacando:

 “a criança depois de um tempo já começa a falar, se comunicar, a gente já consegue entender mais a linguagem da criança” (grifo nosso);

 “falam que bebê é uma vez só [...]”;

 “não é que não quero fazer isso (procurar informações, atuar politicamente), é que não tenho tempo para isso!”;

 respondendo à pergunta se “enxerga” as crianças como pessoas, cidadãos de direitos: “não dá para gente fingir que são bebezinhos, que vão ficar indefesos para sempre, que eles não vão ficar indefesos. Eles vão fazer parte da sociedade, eles já são né? É assim, a sociedade tem que se adaptar a ele também [...]” (grifo nosso);

 “hoje em dia faltam praças para eles. Existem praças! Aqui mesmo, na região, tem uma super bonita [...], mas não é para os pequeninos, é para os ‘maiorzinhos’ já”;

 “então eu acho que é assim, que se os locais estão habilitados para receber eles também, tem que pensar no geral, tanto é para criança ou é para adulto”;  destaca a necessidade de respeito da creche para com a criança e a mãe.

Sara foi a única entrevistada que usou a expressão escolinha, e com frequência. Menciona, algumas vezes, que o bebê tem bastante energia e que a “escolinha” ou creche permite que tenha contato com outras crianças, que se desenvolva mais rápido.

Apresentar essas sínteses individuais das entrevistas significou como estratégia analítica, valorizar as ênfases diversas que notamos nos discursos dessas mães. Isto nos permite enfrentar, mais facilmente, a análise dos eixos temáticos que focalizam mais as similaridades entre os discursos, o que será feito a seguir.