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Perfis e trajetórias de alunos do Ensino Médio na EJA: balaio de gatos

No documento Ensino médio 3: desafios e perspectivas (páginas 92-116)

nem tão pardos assim...

Juliana Pereira de Araújo1

Vanderléia Vieira da Silva2

Jessica Beatriz Caetano3

Observando o movimento de pessoas em frente aos portões de uma escola pública noturna localizada em uma cidade média do interior goiano, achamos difícil diferenciar os alunos do Ensino Médio regular noturno daqueles do Ensino Médio ofertado na Educação de Jovens e Adultos. Uma profusão de jovens se misturava aos outros alunos apa- rentemente mais velhos, e por isso mais próximos ao perfil do aluno trabalhador que quase automaticamente conectamos à escola noturna. Em busca de alguma contribuição para a compreensão do obser- vado, revisitamos a literatura sobre a Educação de Jovens e Adultos, enveredamos na literatura sobre a juventude e sobre o Ensino Médio, entendendo-os como afluentes da problemática, e percebemos alguns pontos nodais que tensionaram para nós a temática.

O primeiro ponto é que a Educação de Jovens e Adultos trilhou nas escolas de ensino noturno um caminho tortuoso, marcado pela marginalização e pela ausência de investimento.

O segundo diz respeito à juventude e à forma como a sociedade

1 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade

Federal de Catalão.

2 Professora efetiva na Rede Pública Municipal de Educação em Campo Alegre,

GO.

ora a eleva à condição de grupo altamente valorizado por sua influência nos padrões culturais, no estilo, na moda, nas artes; ora à expõe como grupo insubordinado, antagonista dos projetos modernos homogenei- zadores (como o faz agora com os secundaristas que ocupam escolas pelo país).

O terceiro ponto fundamentou a noção de uma crise identitária do Ensino Médio que em muito reflete a dicotomia nas percepções so- bre a juventude. A ideia da juvenilização da EJA (Brunel, 2004) tornou- se alvo de inquietações ainda que não necessariamente nos impusésse- mos a tarefa de nos centrarmos nela (algo que se mostrou um acerto ao percebermos que os jovens não são ainda a maioria nas turmas daquela escola), mas sim no esclarecimento das causas que levam ao EM-EJA e às perspectivas geradas ali.

A tessitura de um fulcro mais claro para a reflexão necessitou dos dados empíricos para tomar corpo e ganhar caminhos. Por isso qui- semos saber mais sobre os perfis e as trajetórias daqueles que, num primeiro momento, não parecem ser apenas gatos pardos tingidos por tons de trabalho pesado. Neste sentido, buscamos trazer à tona na pes- quisa de campo trajetórias que permitam uma maior compreensão do EM-EJA, apontando suas potencialidades e seus desafios, pois conside- ramos que ela não é mais percebida apenas como a escola de segunda chance (Carrano, 2007), como até há pouco.

Os dados obtidos foram analisados em confronto com as produ- ções de autores que discutem juventude, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos e revelaram que no EM-EJA, sob a alegoria da demo- cracia ou da diversidade, encontram-se, na verdade, caminhos errantes que desembocam num espaço pouco problematizado.

Estruturalmente, este capítulo divide-se em quatro partes, que propõem: a) pensar a juventude; b) apresentar um pouco da história do Ensino Médio; c) apresentar brevemente a história da EJA; e d) apre- sentar os dados da pesquisa. Na conclusão, há a defesa da tese de que o Ensino Médio ofertado na EJA apresenta especificidades que impossi- bilitam pensar para ele as mesmas categorias ou modelos de aluno, de professor e de projeto que balizam o Ensino Médio e a EJA. Tais espe- cificidades estão a derivar múltiplos desafios. Para esse balaio de gatos nem todos pardos são urgentes outros olhares.

Sobre a juventude

A palavra juventude tem assumido diferentes significados de acordo com o contexto histórico, social, econômico e cultural vigente. Em termos conceituais, a juventude se estabelece no campo da discus- são sociológica em duas tendências ou correntes: a) uma, que admite a juventude como um conjunto social constituído, primordialmente, de indivíduos pertencentes a uma dada “fase da vida”, prevalecendo o caráter de homogeneidade que constitui uma dada “cultura juvenil”, definida por termos etários; b) outra, uma tendência que percebe a ju- ventude como um conjunto diversificado, heterogêneo, com diversas “culturas juvenis”, o que supõe diferentes pertenças de classe, situações econômicas, interesses, oportunidades no mundo do trabalho, entre outros aspectos (Pais, 2003).

Dayrell (2003, p. 41), em consonância com a segunda corrente, aponta que a juventude, vista assim nessa “condição de transitorieda- de”, passa a ter no futuro, na passagem para a vida adulta, o sentido das suas ações no presente. Para o autor, essa concepção se manifesta na escola, pois, “em nome do ‘vir a ser’ do aluno, traduzido no diploma e nos possíveis projetos de futuro, tende-se a negar o presente vivido do jovem como espaço válido de formação, assim como as questões exis- tenciais que eles expõem, bem mais amplo do que apenas ‘o futuro’” (Dayrell, 2003, p. 41).

Abramo (2008, p. 110), na mesma esteira, assume que o jovem é preparado

para um exercício futuro de cidadania, dada pela condição de adulto, quando as pessoas podem e devem (em tese) assumir integralmente as funções, inclusive as produtivas e reprodutivas, com todos os deveres e direitos implicados na participação social.

Como objeto de atenção social, a juventude torna-se questão emergente no debate sobre desenvolvimento, cultura e economia em nosso século. Em 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU), na abertura do Ano Internacional da Juventude, com o tema Diálogo e Entendimento Mútuo, defendeu o diálogo e a compreensão entre ge- rações para a promoção dos ideais de paz, de respeito pelos direitos

humanos, de liberdade e de solidariedade (ONU, 2010). O evento é considerado marco por pautar uma discussão essencial que fortalece a valorização do jovem como partícipe de sua própria construção e pela necessidade de mudança na relação do Estado e da sociedade com a juventude.

Na legislação brasileira, a questão ganha força também neste sé- culo. A Emenda Constitucional nº 65, de 2010, altera a denominação do capítulo VII, do título VIII, da Constituição Federal e modifica o seu art. 227, para cuidar dos interesses da juventude ampliando e legitimando o rol de proteção sobre toda pessoa compreendida na faixa etária de 15 a 24 anos, adotando-se o conceito etário de juventude explicitado pela OPS/OMS4 (Brasil, 2010b). Em 2013, o Estatuto da Juventude (Lei

nº 12.852) dispôs sobre os direitos dos jovens, sobre os princípios e as diretrizes das políticas públicas de juventude e instituiu o Sistema Nacional de Juventude – Sinajuve (Brasil, 2013b). Com tais instrumen- tos legais, concretiza-se a política de proteção especial aos sujeitos entre 15 e 29 anos, dividindo essa faixa etária em três grupos: jovens entre 15 e 17 anos, denominados jovens-adolescentes; jovens de 18 a 24 anos, os jovens-jovens; e jovens na faixa entre 25 e 29 anos, os jovens-adultos.

Marcam o fim dessa etapa eventos vinculados às expectativas da vertente geracional (Pais, 2003), e por isso compreende-se que a entrada na vida adulta ocorre com o encadeamento total ou parcial dos seguintes acontecimentos: o término dos estudos, a entrada no mercado de trabalho, a saída da casa dos pais, o casamento e a chega- da dos filhos.

Ocorre que desde o final do século passado esses eventos têm ocorrido em tempos e moldes diversos. A expressão “geração canguru” é oriunda nesse contexto para nomear os jovens que, já no limiar da idade adulta (por volta dos 29, 30 anos), ainda vivem e dependem dos pais ou o fazem mesmo com a conclusão dos estudos e com a vivên- cia do próprio trabalho. Tempos depois, observamos o surgimento do termo “nem-nem”, para fazer referência aos jovens que nem estudam, nem trabalham.

Um retrato sobre o perfil da juventude brasileira foi mostrado

4 A Organização Pan-Americana da Saúde e a Organização Mundial da Saúde

(OPS/OMS) compreendem a juventude como uma categoria sociológica que abrange sujeitos no período entre os 15 e 24 anos de idade (OPS; OMS, 2011).

por pesquisa realizada pela Secretaria Nacional da Juventude – SNJ em 2013, baseada na realização de 3.300 entrevistas distribuídas em 187 municípios (Brasil, 2013a). Dentre os muitos dados apresentados, chamou-nos a atenção a informação de que o acesso de jovens à cultura é mínimo: 65% dos entrevistados nunca foi ao teatro, 84% nunca assis- tiram a um concerto de música clássica e 59% nunca estiveram em uma biblioteca que não fosse a da escola. Quanto aos problemas que mais incomodam a juventude, vemos a corrupção em primeiro lugar, seguida do poder dos traficantes, sinalizando que o risco está no cotidiano. Essa e outras pesquisas, como as desenvolvidas por estudiosos como Dayrell (2003, 2014) e Carrano (2007), alertam para o fato de que juventude ainda sofre por diversos fatores, como: a) ausência de espaços de la- zer e cultura; b) a negação ao seu direito de participação nos processos educativos, políticos e sociais; c) a desvalorização ou marginalização de suas formas de expressão; e d) a pressão pela inserção no mercado de trabalho, entre outros.

O Ensino Médio seria primordialmente a primeira opção de ocu- pação para a juventude. Em eterna crise identitária, ele mostra a inca- pacidade de estabelecer conexão com o alunado jovem numa trajetória de idas e vindas.

O Ensino Médio brasileiro

O Ensino Médio brasileiro é marcado historicamente pela pre- sença de duas frentes ideológicas, o que sinaliza não a ausência de um projeto claro, mas o confronto entre grupos de poder pela imposição de uma proposta educacional para a juventude. A primeira concebe a juventude como um grupo altamente valorizado desde a modernidade pelo vigor físico e mental, pela utopia que representa em relação ao fu- turo próximo, pelas possibilidades que encerra, grupo esse que precisa continuamente ser tutelado, guiado e supervisionado pela escola-edu- cação. A escola deveria, assim, garantir uma função estruturante pela qual a juventude se integrasse ao sistema, ao status quo, se possível fornecendo lucro, avanço, retroalimentação de paradigmas. Já a segun- da frente é uma matriz ancorada na noção de juventude como elo social precursor de avanço social graças à rebeldia, à criatividade e ao modo como impõe a dialética à evolução coletiva. Para essa frente, a escola-

educação deveria fornecer aos jovens experiências significativas, liber- dade, motivação, apoio e espaço. De igual modo ela seria estruturante, mas de sujeitos.

Submetida predominantemente ao primeiro projeto, a escola de Ensino Médio destina à juventude o expediente da supervisão e do modelamento social para o enquadramento. Ressoa nela o modelo de escolarização baseado no seminário-escola dos jesuítas, que é elitista por natureza e acata como função o preparo da elite para os exames de ingresso aos cursos superiores, com um currículo voltado para as humanidades, pouco próximo às ciências experimentais (Pinto, 2002).

Não é verdade, contudo, que o Ensino Médio tenha se furtado a atender a demanda da continuidade de um sistema produtivo capi- talista e pouco competitivo que se mantém na oferta de mão de obra farta e minimamente qualificada, entendam, escolarizada. Nesses ter- mos foram criadas as reformas educacionais iniciadas por Francisco Campos, na década de 1930, cujo objetivo era garantir a oferta do en- sino secundário como ensino profissionalizante para “classes menos favorecidas”.

Essa reorganização se inicia em 1931, com o Decreto nº 19.890/31, e se consolida em 1942, com a Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-Lei nº 4.244/42), que dividiu esse nível de ensino em duas etapas – um ginásio de quatro anos e um colegial com três anos –, man- tendo tanto os exames de admissão quanto a seletividade que marcava esse nível de ensino (Brasil, 1942). Esse itinerário legal, por um turno, pavimenta um movimento de expansão do ensino secundário e, por ou- tro, aprofunda a dubiedade dos projetos para a juventude aos quais nos referimos anteriormente: há tanto um modelo desti nado “às massas”, que seria o profissionalizante, com terminalidade específica, quanto um ensino de caráter propedêutico, que garante à classe dominante condi- ções de acesso ao ensino superior e a um currículo universal.

A equivalência entre os dois modelos, permitindo o ingresso ao ensino superior também aos que realizassem o curso secundário profis- sionalizante, foi sendo gradualmente construída (leis nº 1.076/50 e nº 1.821/53), mas só foi estabelecida integralmente com a primeira LDB, em 1961 (Lei n. 4.024/61) (Romanelli, 2001).

Na década de 1970, em pleno regime militar, tivemos nova mu- dança com a profissionalização compulsória, estabelecida pela Lei n.

5.692/71, que também unificou o antigo ginásio (primeiro ciclo do ensi- no secundário) com o pri mário, formando o 1º grau (Brasil, 1971). Para Romanelli (2001), a alteração estabeleceu uma terminalidade específi- ca para o Ensino Médio, agindo para reduzir a pressão pela ampliação do ensino superior. A duração da medida foi curta e pouco eficaz, tendo sido abolida em 1982.

A aprovação da Carta Magna em 1988 trouxe alterações impor- tantes na abrangência e no caráter do nível de ensino em pauta. Por ela passou a ser dever do Estado asseverar a “progressiva extensão da obri- gatoriedade e gratuidade do Ensino Médio” (Brasil, 1988), indicando- se a intenção de estendê-lo a toda a população, medida que se refletiu no processo de ampliação da oferta do Ensino Médio ocorrida nos anos que se seguiram.

Na segunda metade dos anos 1990, o Ensino Médio (ali ainda secundário), atingido pela pressão neoliberal em prol da competitivi- dade, recebeu no ensino profissionalizante uma maior parcela de in- vestimentos. Quanto à expansão da oferta, a Emenda Constitucional nº 14, de 1996, alterou a redação do texto constitucional, substituindo o termo “progressiva extensão da obrigatoriedade” do Ensino Médio por “progressiva universalização” (Brasil, 1996a). A mesma emenda criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), posteriormente regulamenta- do pela Lei n. 9.424/96, que, em alinhamento com novas orientações políticas, concentrou no Ensino Fundamental regular a destinação de recursos (Brasil, 1996c).

Em 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases, mantendo a redação original da Constituição, consagrou o Ensino Médio como etapa final da educação básica, definindo para ele objetivos amplos no art. 35 (Brasil, 1996b), que englobavam a formação para a continuidade dos estudos, o desenvolvimento da cidadania e do pensamento crítico, assim como a preparação técnica para o trabalho, tendo assegurada a formação geral. A lei é vista como uma tentativa de rompimento da dicotomia entre ensino profissionalizante ou propedêutico, que sofreu reveses com a proposição da independência da formação profissional em nível técnico pautada pelo Decreto nº 2.208/97 (Brasil, 1997), ou foi retomada no ano seguinte com novo decreto (Decreto nº 5.154), substituído poste- riormente pela Lei n. 11.741/08 que, no âmbito de uma nova política,

tanto para o Ensino Médio quanto para a formação pro fissional a ele associada, permitia a realização de ações mais integradas entre ambos (Brasil, 2008).

Na sequência, o Plano Nacional da Educação (PNE) estabeleceu metas a serem atingidas pelo Ensino Médio até 2011, dentre as quais: a) melhorar o aproveitamento dos alunos do Ensino Médio, de forma que atinjam níveis satisfatórios de desempenho definidos e avaliados pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e pelos sistemas de avaliação que venham a ser implantados nos estados; b) reduzir, em 5% ao ano, a repetência e a evasão, de forma que se diminua para quatro anos o tempo médio para a conclusão desse nível; c) assegurar, em cinco anos, que todos os professores do Ensino Médio possuam di ploma de nível superior, oferecendo, inclusive, oportunidades de formação, nesse nível de ensino, àqueles que não a realizaram (Brasil, 2011).

Atualmente, segundo os preceitos contidos no Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado em 2014, o Ensino Médio deverá ser univer- salizado até 2016, voltando-se ao atendimento escolar para toda a popu- lação de 15 a 17 anos, de forma a elevar, até o final do período de vigência do PNE, a taxa líquida de matrículas para 85% (Brasil, 2014). A reforma do Ensino Médio em tramitação revolve o problema apresentando pos- sibilidades de opção por área de identificação ou apreço para a amplia- ção da oferta curricular e a extinção do ensino de Sociologia e Filosofia.

Privilegiando o alunado entre 15 e 17 anos, as proposições pouco problematizam aqueles fora da correlação idade-ano escolar. Esses jo- vens “fora do padrão” são aqueles que, migrando para o Ensino Médio ofertado na Educação de Jovens e Adultos, alimentam o fenômeno que Brunel (2004) chamou de juvenilização da EJA.

A Educação de Jovens e Adultos brasileira

Desde a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Brasil, 1996), a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é re- conhecida como Modalidade de Ensino da Educação Básica Regular. Como norteamento legal, tal legislação reafirma a oferta pública e o de- ver do Estado para com a educação básica, reforçando assim que os estudantes de EJA são sujeitos de direito no que tange a essa oferta.

Antes de continuarmos a refletir sobre a EJA, devemos retroce- der um pouco e rever seu histórico para compreendermos porque ela é tida como palco de lutas e importante “parte integrante da história da educação em nosso país, como uma das arenas importantes onde vêm se empreendendo esforços para a democratização do acesso ao conhe- cimento” (Pierro; Jóia; Ribeiro, 2001, p. 58).

Historicamente, a preocupação com adultos não escolarizados (os jovens adentram nessa proposta com a LDB) vem de longa data. Já no início da colonização portuguesa no Brasil, os índios recebiam certa instrução dos jesuítas, pelas quais eram doutrinados para a re- ligião. Posteriormente, os escravos negros foram submetidos ao ensi- namento da língua portuguesa para que seguissem e respeitassem as ordens vinculadas ao trabalho que estavam desempenhando para os colonizadores. É válido explicitar que ainda que houvessem tais ini- ciativas de instrução e aculturamento até o Período Imperial, negros, índios e mulheres continuaram sem escolarização formal (ou seja, não frequentavam a escola), e assim mantinham-se sem condições de maior participação na sociedade. Nesse tempo, a ausência de iniciativas mais concretas para a Educação de Adultos explicava o altíssimo índice de analfabetismo no país.

A criação de escolas noturnas ocorre somente no início do sé- culo XX, com a Lei Rocha Vaz, que também potencializa uma grande campanha com o lema: “Combater o analfabetismo é dever de honra a todos brasileiros” (Brasil, 2009). Mais adiante, por força do Decreto nº 10.198, de 1913, foram criadas escolas para a instrução elementar de soldados analfabetos (Brasil, 1913). Essa ação não ajudou muito no quadro do analfabetismo nacional. Apenas a partir de 1930, momento em que a sociedade brasileira passava por grandes transformações, as- sociadas especialmente ao processo de industrialização e concentração populacional nos centros urbanos, a educação de adultos conquistou maior importância no Brasil. O governo distribuiu a responsabilida- de pela oferta do Ensino Básico e gratuito aos estados e municípios. Houve, naquele momento, a criação de instituições regulamentares, por exemplo, o Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP), entre ou- tras instituições, o que permitiu que a Educação de Jovens e Adultos se firmasse como uma questão nacional.

criação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que direcionava apelos ao desenvolvimento da Educação de Adultos (EDA). É nesse período que se estabelecem condi- ções para o desenvolvimento de programas independentes para a edu- cação da pessoa adulta. Outra campanha nacional de massa em prol da educação de adultos é criada tanto para a integração nacional quanto para aumentar as bases eleitorais para a sustentação do governo central e integrar as massas populacionais de imigração recente incrementan- do a produção (Mota, 2009).

Embora a educação de adultos estivesse no cerne de novas regu- lamentações, não existia uma política de formação de professores para trabalhar com esses adultos; o ensino oferecido na época era similar ao das crianças. A campanha fracassou, mas permaneceu a rede de ensino supletivo, assumida pelos estados e municípios. Muitas críticas foram sendo feitas ao método de alfabetização adotado para a população adul- ta nessa Campanha de Educação de Adultos, como as precárias condi- ções de funcionamento das aulas, a baixa frequência e o aproveitamen- to dos alunos, a má remuneração e desqualificação dos professores, a inadequação do programa e do material didático à clientela e a superfi- cialidade do aprendizado, pelo curto período designado para tal. Na dé- cada de 1950, a campanha foi extinta por não ter obtido bons resultados em diversas regiões do país, sobretudo na zona rural.

Paulo Freire surge como nova referência para a educação de adultos por defender uma educação participativa e colaborativa, vol- tada para a transformação social. No início dos anos 1960, a Educação Popular avança, articulando a ação política junto com os grupos popu- lares, os intelectuais, os estudantes, as pessoas ligadas à Igreja Católica e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em 1964, foi aprovado o Plano Nacional de Alfabetização, tendo por base a experiên- cia de Angicos, no Rio Grande do Norte. Para Freire (1989, p. 30),

Se antes a alfabetização de adultos era tratada e realizada de forma au- toritária, centrada na compreensão mágica da palavra, palavra doada

No documento Ensino médio 3: desafios e perspectivas (páginas 92-116)