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CAPITULO VI: AS PALAVRAS QUE RECORTAM O COTIDIANO ESCOLAR:

6.2 A pergunta de pesquisa e seu percurso durante a pesquisa de campo

A motivação que me conduziu inicialmente ao estudo que aqui apresento estava ligada à produção escrita de surdos adultos os quais representam meu campo principal de atuação docente na área de educação de surdos. O estranhamento que me causavam seus textos, aliado ao fato de não encontrar meios mais eficazes de lhes ensinar a escrita produziram o desejo e a necessidade de me aprofundar nesse tema. Por um lado o imenso desconforto em não lograr o êxito desejado em minhas propostas de ensino da escrita para eles, por outro o desconforto não menos intenso por parte de meus alunos adultos em concluírem o ano letivo sentindo-se tão precários nas suas produções textuais. Minha longa experiência com alunos ouvintes de diferentes meios sociais nunca me deixara tão atônita e sem rumo como o que vivi e vivo com os surdos. Para aumentar esse quadro angustiante, sei que eu e os alunos surdos com que trabalhei até então não estamos sozinhos nessa viagem sem bússola. Embora não sirva de consolo, os relatos de colegas e os trabalhos acadêmicos da área confirmam esse estado de coisas.

Para sair da inércia em princípio provocada pela angústia (pelo desconhecimento), desde o mestrado, passando pelas experiências de mudança do ensino de português no INES, já aqui relatadas, até o ingresso no doutorado, venho perseguindo caminhos teóricos

57 Na seção 6.4.2, esclarecerei em detalhes os critérios de escolha da turma cujas aulas observei ao longo de

e práticos que me permitam pensar e propor alguma contribuição para o ensino de português para surdos.

Na primeira versão do estudo aqui apresentado, propus uma questão central para nortear toda a pesquisa com foco na produção textual dos alunos:

Que representações surdos adultos, alunos do ensino médio do INES, fluentes em língua de sinais (LIBRAS), constroem com e na produção escrita em língua portuguesa do ponto de vista deles mesmos, da professora de português e do monitor surdo?

A princípio, quando dessa primeira formulação, imaginava estudar a produção escrita de aprendizes surdos adultos, examinando as particularidades desse processo com o objetivo de propor alternativas para o ensino. Entretanto, ao longo do percurso da pesquisa de campo e com base nas reflexões suscitadas pelos registros que iam sendo gerados, o foco da pesquisa foi se modificando o que levou à reformulação da pergunta norteadora do processo de investigação.

O campo de pesquisa não produziu material suficiente para este tema de investigação. Não é demais relembrar que o tipo de pesquisa aqui proposto não lida com dados artificialmente fabricados. Em uma pesquisa interpertativista de cunho etnográfico, o que se busca são as práticas reais e específicas de sujeitos reais, numa tentativa de “não arrancar o objeto da tessitura de suas raízes.” (Signorini, 1998: 101) Nesse sentido, os percursos de investigação são conduzidos por “ações orientadas e gradativamente reorientadas em função dos meios, interesses e obstáculos em jogo.” (Signorini, 1998: 104)

Diante da pouca oferta de textos escritos pelos aprendizes, fui repensando a pergunta orientadora da pesquisa, sem perder de vista o propósito de refletir sobre o ensino de português não só para entender melhor o que acontece de específico em uma determinada sala de aula de surdos adultos, como também para poder propor novos modos de ler algumas questões relativas ao ensino de português para esses aprendizes.

Além de o cenário pedagógico estudado não ter promovido a escrita dos aprendizes o suficiente para apoiar uma pesquisa nessa direção, outro fator, talvez até mais importante que este, me levou a reformular a pergunta de pesquisa: os conflitos silenciados ou explícitos entre as línguas em jogo na interação de professores ouvintes, alunos surdos e educadores surdos. Parece-me que as tensões lingüísticas e culturais vividas em um ambiente caracterizado pela presença de uma língua de minoria e a língua majoritária da

sociedade são constitutivas do que ocorre neste processo de ensino / aprendizagem. E para refletir acerca desse contexto lingüístico complexo, os registros gerados em sala de aula se revelaram menos significativos do que os depoimentos que professores, alunos e educadores surdos prestaram a essa pesquisa. As entrevistas, a princípio pensadas como material complementar aos acontecimentos da sala de aula, forneceram tantas e tão ricas possibilidades de leitura desta realidade que tornou-se mais adequado reposicionar as cenas gravadas de sala de aula como pano de fundo da análise. Considerando as novas questões que o campo suscitou, os registros gerados pelos diversos depoimentos se tornaram a principal fonte de dados para a análise e as experiências vivenciadas em sala de aula serão mostradas através de dois momentos escolhidos para uma rápida apresentação desse contexto.

Sendo assim, reelaborei a pergunta de pesquisa passando a indagação a ser conduzida pela seguinte questão:

PERGUNTA DE PESQUISA: QUE REPRESENTAÇÕES SÃO CONSTRUÍDAS POR SURDOS ADULTOS, ALUNOS DE UMA TURMA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DO INES, POR SEUS PROFESSORES OUVINTES, PELA PROFESSORA SURDA E PELO MONITOR SURDO SOBRE AS LÍNGUAS COM AS QUAIS CONVIVEM (Português e LIBRAS) ?

Tal questão que serviu de eixo orientador para a produção deste estudo foi pensada conforme os seguintes desdobramentos:

• Que representações de surdez, dos surdos e do trabalho pedagógico realizado com a turma pesquisada são construídas por cada um desses atores: alunos / professores ouvintes / professora surda de língua de sinais / monitor surdo.

• Como é concebido especialmente o trabalho de língua portuguesa no universo pesquisado do ponto de vista da professora ouvinte, da professora surda, do monitor e dos próprios alunos?

• Como esses alunos e professores ouvintes se vêem como usuários de uma língua outra (o português e a LIBRAS respectivamente)?

O foco desse estudo, portanto, é discutir o processo de ensino e aprendizagem de português em uma turma de alunos surdos da Educação de Jovens e Adultos do INES a partir das representações que os atores que participam desse processo constroem das duas línguas em jogo: o português e a Língua Brasileira de Sinais. Passarei agora a descrever o contexto em que esse estudo foi realizado bem como os procedimentos metodológicos adotados para a produção da pesquisa.