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Periódico O Defensor, 29-08-1846 13 Periódico O Defensor, 17-10-

3 – ACERCA DA EMIGRAÇÃO MADEIRENSE PARA A ILHA DE TRINDADE Valerá a pena recuarmos no tempo com alguns dados sobre Trindade A ilha de

12. Periódico O Defensor, 29-08-1846 13 Periódico O Defensor, 17-10-

105 A 14 de Agosto de 1846, Lord Harris, Governador de Trindade, dizia que tomara conhecimento da chegada do barco Senator, com 200 emigrantes, embarcação fretada por 11 proprietários da colónia, e que os emigrantes madeirenses tinham sido distribuídos entre eles. Os 30 dólares prometidos pelo governo por cada madeirense, tinham sido pagos.208

Analisando um relatório sobre a emigração dos madeirenses, Lord Harris, a 1 de Maio de 1847, confirmava a chegada à colónia de três navios da Madeira. Falava da primeira vaga de 200 emigrantes na barca Senator, dos quais tinham morrido 90 madeirenses até Dezembro de 1846. A mortalidade entre os emigrantes dos outros barcos era muito mais reduzida, e a grande maioria não foi colocada na agricultura. Lord Harris pedia especial cuidado com a angariação dos trabalhadores madeirenses. Justificava a desgraça dos emigrantes do Senator, com o efeito do clima nos novos trabalhadores europeus, nomeadamente os madeirenses. Estabelecia que nenhum incentivo seria feito, e nenhum “bounty” seria pago pelos cofres da colónia, pela angariação dos madeirenses, excepto aos barcos que fizessem as viagens nos meses de Outubro, Novembro, Dezembro ou Janeiro.209

Segundo documentos que encontrámos, um desses proprietários, também comerciante em Trindade, o senhor Charles Marryat, a 17 de Março de 1847, a respeito dos emigrantes do Senator, afirmava que dos 200 madeirenses desembarcados, em sete meses, 97 tinham morrido. Insistia que eles não eram colonos. Sobre as medidas tomadas a favor dos emigrantes doentes, este responderia que existia um hospital, onde podiam ser tratados, e que os mesmos estavam à conta do governo da colónia, até arranjarem trabalho.210

Quando questionado sobre as razões da elevada mortalidade respondia que os madeirenses tinham vindo na pior altura do ano, em Maio, mesmo antes da época das chuvas. Dizia desconhecer como foram empregados na colónia, mas uma coisa tinha a certeza, não eram agricultores. Respondia que eles eram um grupo de seguidores de Robert Kalley, apelidados de «Dr Kalley`s party», que tinham abandonado a ilha apenas

208 Parliamentary Papers, XXXIX, 1847, 325, Lord Harris para Earl Grey, n.º 5, 14/8/1846. 209 Idem, ibidem, 1847, 325, Earl Grey para Lord Light, incluído no n.º 27, 01/03/1847.

210 Idem, XXXVI, 1847-1848, 312, Selected Commitee on Sugar and Coffee Planting, Questões 10560,

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por razões religiosas, pessoas da cidade e não do campo, jamais habituados à agricultura, mas não havia outro emprego disponível.211

Confrontando os dados disponíveis, percebemos que existiram 22 emigrantes madeirenses que nunca chegaram a Trindade. O mais provável é terem morrido a bordo do Senator, durante a longa viagem. Em relação aos madeirenses que vieram nas outras viagens, chegando a Trindade, a maioria não foi colocada na agricultura. Sabe-se que também existiram mortes entre estes, não se sabendo porém quantos pereceram.

À excepção dos barcos Senator e William of Glasgow, que zarparam da Madeira em Abril e Agosto de 1846, respectivamente, todos os outros barcos saíram nos meses impostos pelas autoridades coloniais, para prevenir o efeito negativo que o clima podia exercer sobre os madeirenses, no período de Abril a Setembro.

A 29 de Dezembro de 1846, Lord Harris tornaria a escrever para Earl Grey. Nesta altura falava novamente do Senator, que fora fretado por vários proprietários de Trindade, através de vários agentes na colónia. Reafirmava terem chegado mais navios, depois daquela primeira viagem. Esses barcos tinham trazido os seguidores do Dr. Kalley, sendo a maior parte deles inexperientes na agricultura. Informava que muitos procuraram empregos como jardineiros, outros como criados, e muitos foram para a grande cidade.

Sublinhava que, entre os mais recentes emigrantes madeirenses, não havia a grande mortalidade que acontecera com os emigrantes do Senator. Contudo, aqueles que foram colocados nas plantações sofreram muito. Lord Harris constatava que parecia existir, por parte de alguns dos proprietários, algumas reticências em contratar os trabalhadores madeirenses. Por outro lado, muitos outros “planters” estavam empenhados em continuar com a contratação dos insulares portugueses. O governante opinava que os madeirenses eram muitos úteis nas plantações de açúcar. Registava os hábitos dos madeirenses e o seu comportamento, logo à chegada na ilha de Trindade. Primeiro, escolhiam as propostas de trabalho que oferecessem maiores salários, e davam primazia às plantações de cana-de-açúcar. Segundo, não gostavam das plantações de cacau, por causa do clima e porque pagavam menos pelos seus serviços.

107 54 20 16 18 18 18 47 9 200 40 2 12 10 8 3 10 6 91 0 50 100 150 200 250 Co lo no s Plantações

Gráfico 3: Barca "Senator": Colonos e mortalidade por plantação - 1846

Colonos Mortes

Acrescentava que, naquela altura, não se previa a chegada de mais nenhum emigrante. Os madeirenses que desejavam emigrar, normalmente esperavam pelas cartas dos seus amigos, já radicados nas colónias, o que, naquele caso, não aconteceria. Terminava acrescentando que não deveriam ser aceites emigrantes madeirenses antes de Novembro ou depois de Março, por causa do clima. Em anexo, o Governador de Trindade, enviava dados sobre a distribuição dos Madeirenses, pelas várias plantações da colónia, e registava o número de mortes entre os emigrantes do Senator.212Vejamos o gráfico:

A 5 de Maio de 1847, Lord Harris emitia uma proclamação limitando a entrada dos Madeirenses em Trindade, em consequência da recente mortalidade dos madeirenses naquela possessão britânica. Reconhecendo que a última experiência madeirense foi «unfavourable to the health of newly landed Europeans (…) in any future introduction of labourers from that island, they should not be permitted to arrive here except from the month of November to March inclusive». Afirmava ter enviado

212 Parliamentary Papers, XXXIX, 1847, 325, Lord Harris para Lord Grey, incluído no n.º10,

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cópia do edital ao Cônsul Britânico, bem como aos mercadores ingleses, com o objectivo de publicitar o documento em toda a ilha da Madeira.213

Num relatório de 1847 podia-se ler que, depois do trágico fim dos colonos do Senator, por causa do elevado número de doenças, os sobreviventes estavam mais aclimatizados. Alguns eram membros úteis na comunidade. Depois informava-se que, nas plantações com o maior registo de mortes, os madeirenses estavam agora empregados como serviçais ou jardineiros, e menos no trabalho no campo.214

A 14 de Outubro de 1846, parece que a morte dos madeirenses em Trindade já se desvanecia da memória. Com efeito, o secretário Earl Grey dizia que os madeirenses queriam muito emigrar, e que não haveria qualquer problema em convencê-los a virem para Trindade. Acrescentava que estes viriam mesmo sem nenhum “bounty”. Escrevia que os insulares mostravam uma grande satisfação quando emigravam. Considerando que os proprietários agora podiam celebrar contratos com os madeirenses, mesmo antes da sua partida, seria desnecessário gastar dinheiro dos fundos públicos da colónia, para pagar a importação de cada um deles. Explicava também que os madeirenses incitavam outros a emigrarem, escrevendo cartas para os seus familiares.

Por fim, elogiava os trabalhadores madeirenses, porque estes eram um grupo de colonos muito valiosos. E revia as vantagens da sua angariação, de facto, mais barata, sem necessidade de garantir, depois de terminado o contrato, a passagem de volta, como acontecia com os Indianos. Lembrava ao Governador Harris que seria uma desgraça se a colónia de Trindade não utilizasse os madeirenses e não garantisse a sua contratação.215

A 11 de Setembro de 1846, o Governador Harris respondia a Lord Grey que realmente não seria gasto dinheiro da colónia para trazer os madeirenses. E justificava com o grande número de emigrantes que, de forma voluntária, aportavam na ilha de Trindade, sem a necessidade de um incentivo monetário do governo colonial, aquilo que o governador apelidada como «such temptation» (o bounty).216

Relativamente a saídas de agricultores madeirenses, entre 1846 e 1847, o professor João Adriano Ribeiro, dá-nos conta dos números de emigrantes para Trindade,

213 Idem, XXXIX, 1847, 325, Lord Harris para Earl Grey, n.º 23, 05/05/1847.

214 Idem, XXVI, 961, Eighth General Report of the Colonial Land Emigration Commissioners, 1847-

1848, 05/09/1848.

215 Idem, XXXIX, 1847, 325, Earl Grey para Lord Harris, incluído no n.º 6, 14/10/1846. 216 Idem, ibidem, 1847, 325, Lord Harris para Earl Grey, n.º 7, 11/11/1846.

109 379 346 725 492 492 0 100 200 300 400 500 600 700 800 1846 1847 1846/47 Total M adeirenses Anos

Gráfico 4: Emigração Madeirense para Trindade em 1846/47

Registos Britânicos Registos Madeirenses

num trabalho de pesquisa pioneiro. No seu mais recente livro sobre a emigração para as Antilhas, no capítulo «Os Contactos com os Navios do Norte», refere o número de colonos, agricultores madeirenses que saíram para a América Central. Entre 1846 e 1847, para a ilha de Trindade, tinha saído 492 colonos.217Encontrámos também alguns registos britânicos da entrada de madeirenses em Trindade, em 1846 e 1847.218

Se confrontarmos os registos britânicos com os madeirenses, no período 1846 e 1847, percebemos que o número oficial de saídas de colonos madeirenses é inferior ao número oficial britânico de entradas naquela colónia. Neste caso, temos mais de duas centenas de emigrantes não contabilizados nos registos madeirenses. Logo, podemos supor que estes, provavelmente, saíram clandestinamente da ilha naqueles anos. O que não era uma situação invulgar, de certeza mais a regra do que a excepção. Contudo, temos que admitir uma segunda hipótese, também plausível, a de que emigrantes madeirenses tivessem vindo de outras ilhas do Caribe, para Trindade.

Nas décadas seguintes, a saída de emigrantes madeirenses para a Trindade foi acontecendo, mas nunca em tão grande escala como aconteceu na década de 40, em 1846 e 1847. Na verdade, a partir dos anos 50 do século XIX, os números de

217 João Adriano Ribeiro, A Emigração de madeirenses para as Ilhas de São Vicente nas Antilhas,

Funchal, Editorial Calcamar, 2006, p. 48.

218 Parliamentary Papers, XXVI, 961, Eighth General Report of the Colonial Land Emigration

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madeirenses que emigraram para a ilha de Trindade, foi mais pequeno, e manteve-se uniforme ao longo da segunda metade da centúria oitocentista.

Antes de apresentarmos os números de emigrados madeirenses saídos da ilha, distribuídos por décadas, gostaríamos de destacar uma saída na década de 60. No brigue Mipede, com o capitão J. Curtiz, a 16 de Julho de 1865, saíam 55 madeirenses.219

Curiosamente, a 16 de Março de 1864, o agente geral para os emigrantes em Trindade, Henry Mitchel, num dos seus relatórios, lamentava a grande falta de trabalhadores, o trabalho na agricultura era grande e a procura era imensa.220

Observemos agora um gráfico com toda a emigração madeirense registada, desde a década de 30 até à de 90 do século XIX:

Gostaríamos de referir que o total de emigrantes madeirenses, na década de 40, é o somatório das saídas registadas nos periódicos, 1246 madeirenses, e outras apuradas pelo professor João Adriano Ribeiro, no mesmo período, que ascendem aos 492 colonos, agricultores da zona norte da ilha. A partir da década de 50, os números

219 ARM, Administração do Concelho do Funchal, n.º 109, f. 62.

111 apresentados são o resultado da compilação feita nos registos de passaportes no Arquivo Regional da Madeira, até ao fim do século.