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FRADES ALEMÃES E O BRASIL

CIDADE ANO COMPRIMENTO LARGURA ALTURA Blunemau-SC (matriz) 1953 75m 24m 15m

4.4. Permanências e mudanças na arquitetura conventual

Concentrando a análise no conjunto de conventos dos grupos 2 e 3, verifica-se nestas edificações a existência tanto de espaços já característicos das antigas casas seráficas brasileiras, quanto a presença de novos ambientes. Sobre o claustro, este assume várias facetas dentro do grupo de conventos analisados, inexistindo em alguns deles – como Lages e Blumenau -, reduzindo-se a pequenos pátios com jardins entre a construção conventual e a igreja – como em Igreja Nova, Petrópolis e Florianópolis-, ou até mesmo se apresentando em sua conhecida forma de uma área livre interna rodeada de galerias, como em Campina Grande, Pari, Rodeio e Lagoa Seca. A semelhança entre eles - englobando inclusive os que se configuram como pequenos pátios – é a presença de espaços vegetados, os jardins fechados que segundo Jacques Le Goff evoca o paraíso (2009, p.138). Os frades alemães, inclusive, estabeleceram jardins no claustro do convento de

39 Apenas no convento de Campina Grande não foi encontrada qualquer menção ao estabelecimento de uma

escola, até porque se trata de uma casa erguida com a finalidade de servir de apoio aos frades da residência de Ipuarana. Coloca-se também que pouco material escrito foi consultado sobre esta casa, então uma pesquisa mais aprofundada é necessária para atestar a existência ou ausência de uma escola ligada a este convento.

Penedo, que provavelmente era desprovido de vegetação40, plantando flores e rosas para o culto divino (Livro das Crônicas do Penedo III, 1931-1974, s/p).

Pode-se dizer que o significado do claustro se apresenta como um ambiente ambíguo dentro da arquitetura dos conventos erguidos no Brasil durante os séculos XIX e XX, já que a ideia de reclusão e encerramento associada a ele, contrasta com o espírito missionário, urbano e itinerante dos frades alemães que atuam neste período.

O claustro também é metáfora do coração e do homem interior; ele constitui uma parte da ideologia cristã que valoriza a paz interior face às agitações do mundo – e que está em contraste também com as peregrinações do homo viator, do homem itinerante (LE GOFF, 2009, p.139).

Nas novas edificações, os claustros assumirão muito mais o caráter funcional e morfológico, como área de circulação e de organização espacial, que um ambiente de reclusão e oração. Os três claustros de Ipuarana, por exemplo, separam e definem três importantes setores do prédio, o convento, a escola dos menores e a escola dos maiores, como já mencionado. Na casa seráfica de Rodeio, o claustro funciona como um ambiente de circulação e transição entre espaços constantemente acessados durante a rotina conventual da residência, como a igreja, o refeitório e a sala do recreio.

Imagens 239, 240 e 241 - Pátios internos que remetem a ideia de claustros dos conventos de Igreja Nova, Petrópolis e Florianópolis. Fonte: Imagens da autora 2011, 2011, e 2013.

Imagens 242, 243 e 244 - Claustros dos conventos de Campina Grande, Pari e Rodeio. Fonte: Imagens da autora 2013.

40 Não há evidências comprobatórias que originalmente os claustros dos conventos franciscanos coloniais do

nordeste do Brasil fossem vegetados, assim é possível que os mesmos fossem assentados em pedra. Este fato foi comprovado, por exemplo, pelos estudos arqueológicos realizados no convento de Marechal Deodoro, que verificaram que o claustro desse edifício tinha o piso revestido em pedra com inclinações para o escoamento da água da chuva.

Imagens 245, 246 e 247 - Os três claustros do convento de Lagoa Seca: claustro dos religiosos, claustro dos “alunos menores” e claustro dos “alunos maiores”.

Fonte: Imagens da autora 2013.

Ambientes indispensáveis para o cotidiano dessas edificações, como cozinha, refeitório e celas estão sempre presentes, estas últimas mantendo o tamanho reduzido e a simplicidade que foi característica desse espaço já nos conventos do Brasil colonial. A biblioteca também é recorrente nos novos conventos, já que pôde ser encontrada em oito das onze casas visitadas41. Se considerarmos a significativa quantidade de livros e materiais diversos em alemão – muitos publicados na própria Alemanha - existentes em grande parte desses ambientes, pode-se deduzir que houve uma preocupação dos religiosos germânicos com a alimentação desses espaços. O Livro de Crônicas do convento de Igreja Nova, por exemplo, faz por várias vezes referência a livros adquiridos não só para a biblioteca da cidade – instituída pelos próprios frades – como também para a própria residência franciscana. Já o Livro de Crônicas de Rodeio relata o recebimento de material vindo da Alemanha:

Chegou uma caixa de material didático (um presente de Elberfeld- Alemanha). Os professores examinaram este material e receberam explicações práticas. O material iria ficar no convento, que o colocaria a disposição das escolas (Livro de Crônicas do convento de Rodeio, 1910, p.5).

A valorização da biblioteca nessas novas casas ao mesmo tempo se relaciona com o apreço dos seráficos da Alemanha pelo estudo, fato que pode ser evidenciado pelo interesse dos mesmos em abrir nas cidades escolas e bibliotecas, mesmo que esse incentivo também esteja associado a uma prática de instrução religiosa. Além disso, essa aproximação com a pesquisa/estudo também é refletida ao lembrarmos que boa parte da História dos franciscanos no Brasil foi escrita pelos frades alemães, a exemplo de Frei Venâncio Willeke e Frei Basílio Röwer.42

41 Só não foram constatadas no antigo convento de Blumenau que não mais existe, e nas casas de Gaspar e

Santo Amaro da Imperatriz. O acesso ao interior dessas duas últimas não foi possível, o que não extingue a possibilidade de ambas contarem com bibliotecas.

42 Não foram encontradas referências bibliográficas sobre os trabalhos dos frades alemães enquanto

Imagem 248 e 249 - A cozinha e o refeitório do convento franciscano de Rodeio. Fonte: Imagens da autora 2013.

Imagem 250 e 251 - Exemplos de celas atualmente não ocupadas nos conventos franciscanos de Lages e Rodeio. Fonte: Imagens da autora 2013.

Os edifícios conventuais ainda contam com pequenas capelas internas, destinadas a orações, leituras do Evangelho, e até realizações de Missa, que em alguns casos rompem os limites da clausura e contam com a participação de membros da população, como é o caso da capela da casa de Lages que, atualmente, permite o acesso de seculares para as orações e missas matinais no local.

Imagens 253 e 254 - Capelas internas dos conventos franciscanos de Lages e Petrópolis. Fonte: Imagens da autora 2013, 2011.

Como novidade trazida por essas novas casas se configura a sala do recreio. O chamado “recreio” consiste no encontro fraterno entre os frades da residência, espécie de momento de lazer, partilha e confraternização em meio às atividades cotidianas de trabalho nos conventos e cidades. Em geral, nas casas visitadas existe um espaço destinado para este fim. Na residência de Rodeio, onde funciona o Noviciado, existe um recreio diário entre as aulas da manhã e a hora do almoço, quando é realizado um percurso cotidiano que compreende a sala de aula - sala do recreio – igreja – refeitório, já que as refeições são sempre antecedidas por orações no coro dos religiosos da igreja. Um recreio festivo também é realizado no local uma vez por mês pela noite.

Imagens 255 e 256 - Sala do recreio no convento franciscano de Rodeio. Fonte: Imagens da autora 2013.

Espaços voltados ao desenvolvimento do trabalho manual são característicos de muitas das fundações seráficas dos séculos XIX e XX. Percebe-se, aliás, uma aproximação dos frades alemães com este tipo de trabalho, apresentado não apenas pelas fontes escritas, mas principalmente por dados arquitetônicos das edificações constatados nas visitas e já observados no que tange às reformas dos antigos conventos. A primeira leva de frades ao desembarcar em terras brasileiras em 1891, já trazia em sua bagagem ferramentas de pedreiro e marceneiro para obras diversas, conforme relata o cronista do grupo (THEMANS, 1991, p.37).

A organização da vida religiosa dentro dos conventos instituída pelos franciscanos da Alemanha nos primeiros anos de sua presença no Brasil era basicamente constituída por orações, estudo - desempenhada pelos clérigos - e trabalho, que, como visto, era representado pela importante atuação dos irmãos leigos, responsáveis pela manutenção física do edifício:

A parte principal da restauração era a da vida religiosa renovada. [...] Tudo na Província ficou estabelecido como na Saxônia [...]. Principiava-se o dia às 4,1/2 da madrugada, havendo a oração da manhã, o coro da prima e terça, em seguida a missa conventual, para se dar início às ocupações de cada um: para os clérigos o estudo, e para os irmãos leigos o trabalho nas oficinas e na restauração dos conventos (TEVES, 1967, p.36. Grifo nosso.).

Os irmãos leigos, frades professos que não foram ordenados nem padres ou diáconos, apresentam um importante destaque nesse contexto. Dentre suas atribuições estavam as atividades de padeiro, marceneiro, porteiro, alfaiate, entre outros. Ressalta-se também que durante as entrevistas realizadas no convento de Ipuarana, alguns religiosos que hoje são irmãos leigos descreveram que sua entrada no Seminário Seráfico se deu justamente com a motivação de aprenderem um ofício técnico.

Semelhante fragmentação do tempo ainda é observada no atual Noviciado da Província da Imaculada Conceição em Rodeio, onde os estudos, orações, meditações e também momentos de lazer e esportes, são intercalados com trabalhos destinados à manutenção do próprio edifício conventual. O desempenho desses ofícios repercute no espaço conventual que guarda locais como a horta, curral, lavanderia, padaria e pequenas fábricas, como a oficina de velas, estritamente vinculados ao trabalho manual.

No Colégio Seráfico de Ipuarana, que funcionava como Seminário Menor onde eram realizados “os quatro anos ginasiais e três anos do científico, num total de sete anos de estudos” (ALBUQUERQUE, 2000, p.41), o tempo dos alunos era tomado por aulas, estudo das matérias, refeições, prática de esportes, jogos de salão, estudo de instrumentos musicais (opcional), e também pelo trabalho físico, segundo João de Albuquerque, ex-aluno do Seminário:

Uma equipe se encarregava da limpeza do refeitório e serviços, outra da varrição diária e lavagem dos claustros, outra dos dormitórios, e assim por diante, de forma que toda limpeza do prédio ficava a cargo dos próprios alunos. [...] Todo o tempo era bem distribuído de forma a não permitir a existência de espaço ocioso (ALBUQUERQUE, 2000, p.33).

Imagens 256, 257, 258 e 259 - Trabalhos realizados na fábrica de velas, lavanderia, horta e

curral no Noviciado do convento franciscano de Rodeio. Fonte: Imagens da autora 2013.

É possível que a ênfase e diversificação dada ao trabalho manual – e de espaços associados a este - em grande parte esteja relacionado com a valorização do mesmo pelos religiosos da Alemanha, segundo eles, diferente da herança colonial portuguesa.

O motivo principal por que os religiosos ocupavam o braço do negro, residia na grande falta de irmãos leigos. Enquanto as vocações sacerdotais brasileiras em todas as ordens eram suficientes, notava-se entretanto a escassez de irmãos, porque o trabalho manual era desprezado como indigno de homem livre, conceito errôneo que fora refutado pelo próprio Cristo-Operário. (WILLEKE, 1956, p.48)

Acerca do convento de Blumenau, a Revista Vita Franciscana de 1942 (DAS NOSSAS...,1942, p.21) registra os nomes dos frades residentes com as respectivas funções e atividades manuais desempenhadas no convento, citando, por exemplo, os ofícios de

alfaiate, sapateiro, cozinheiro, refeitoreiro, padeiro, “perito em armar presépios”, ferreiro, funileiro, operador-auxiliar cinematográfico, enfermeiro, eletricista, sacristão, porteiro, responsável em cultivar as hortaliças, encadernador e marceneiro.

Não apenas os escritos, mas também a documentação imagética faz alusão à execução do trabalho manual pelos franciscanos. Um álbum de fotos pertencente a um religioso alemão que residiu no convento de Penedo apresenta cerca de 30 imagens, dentre as quais iconografias que representam religiosos franciscanos durante o exercício de seus ofícios, seja na agricultura, na padaria, na sapataria ou na criação de animais na Alemanha.

Imagens 260 e 261 - Frades realizando trabalhos manuais provavelmente na Alemanha. Fonte: Acervo da biblioteca do convento franciscano de Penedo, sem data.

Essa mentalidade voltada para a valorização do trabalho manual será rebatida na materialidade dos novos conventos através das oficinas, presentes principalmente nas casas seráficas de formação, como os edifícios de Blumenau, Rodeio e Lagoa Seca. Situadas, em geral, anexas aos conventos ou nos porões das edificações, ofereciam suporte para a manutenção do prédio e da vida conventual, provendo a residência com alimentos, vestuário, mobiliário ou demais utensílios utilizados na rotina religiosa, garantindo assim a auto-suficiência da edificação.