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3.2 – As personagens fronteiriças de How the García Girls Lost their Accents Dentro das várias possibilidades de análise literária que o romance possibilita, como

a investigação de sua escrita a fim de se observar até que ponto ela reflete a sua própria condição de imigrante, por exemplo, o recorte analítico deste terceiro capítulo será o estudo da construção das personagens alvarezianas face à sua imigração. Todas as personagens do romance, de certa forma, são acometidas de mudanças identitárias, linguísticas e culturais que ocorrem principalmente pelo fato de terem ido morar em solo estrangeiro, nesse caso, nos Estados Unidos. Com isso, a família ficcional pesquisada neste estudo se torna um dos

principais elementos de análise literária, pois é através de personagens fictícios que as narrativas propagam o exercício da construção imaginária do leitor. Para Candido (2009):

É […] a personagem que com mais nitidez torna patente a ficção, e através dela a camada imaginária se adensa e se cristaliza. […] Como indicadora mais manifesta da ficção é por isso bem mais marcante a função da personagem na literatura narrativa. […] É geralmente com o surgir de um ser humano que se declara o caráter fictício (ou não-fictício) do texto, por resultar daí a totalidade de uma situação concreta em que o acréscimo de qualquer detalhe pode revelar a elaboração imaginária. (CANDIDO, 2009, p. 14-15).

Assim, o interesse na narrativa de sujeitos diaspóricos ficcionais como os descritos por Julia Alvarez promulga não somente uma possível identificação de outros imigrantes com a condição fronteiriça das personagens do romance, mas também permite que, por meio da elaboração imaginária, o leitor possa tanto se aproximar quanto entender os fatores que constituem um sujeito hifenizado.

Para compreendermos como a verdade das personagens de Alvarez exerce uma identificação com o nosso mundo, assim como entender a forma que a imigração atua na construção das personagens de How the García Girls Lost their Accents, priorizaremos a nossa análise nas situações vivenciadas pelas irmãs García no período pós-imigração descrito no livro. Dessa forma, como mostrado anteriormente neste capítulo, o estudo das personagens irá focalizar os episódios vivenciados pelas meninas entre 1960 e 1989 (partes I e II do romance), uma vez que é a partir da década de 60 que a narrativa fictícia da família García em solo estadunidense é construída. Apesar de não ter sido escolhida como foco de análise neste capítulo, a parte III da obra de Alvarez, em que há o relato da vida da família García na República Dominicana, antes de partirem para o exílio nos Estados Unidos, já foi analisada nos capítulos anteriores desta dissertação. Assim, o estudo das transformações das personagens ficcionais perante a sua imigração para os Estados Unidos, propicia a contemplação das vivências das irmãs García e uma possível reflexão do leitor sobre os acontecimentos descritos no livro, uma vez que:

A ficção é um lugar ontológico privilegiado: lugar em que o homem pode viver e contemplar, através de personagens variadas a plenitude da sua condição, e em que se torna transparente a si mesmo; lugar em que, transformando-se imaginariamente no outro, vivendo outros papéis e destacando-se de si mesmo, verifica, realiza e vive a sua condição fundamental de ser autoconsciente e livre, capaz de desdobrar-se, distanciar- se de si mesmo e de objetivar a sua própria situação. (CANDIDO, 2009, p. 38).

Ao notarmos a disposição dos minienredos apresentados no sumário do livro How the García Girls Lost their Accents, percebemos que Alvarez atribui um narrador específico para cada uma das histórias retratadas no romance. No quadro ilustrativo a seguir, fica claro que o foco narrativo de quase todas as subnarrativas descritas no romance é a experiência vivenciada por pelo menos uma das irmãs García:

Capítulos Personagem(ns)

Parte I (1989 – 1972)

“Antojos” Yolanda García

“The Kiss” Sofía García

“The Four Girls” Carla, Yolanda Sandra, Sofía

“Joe” Yolanda García

“The Rudy Elmenhurst Story” Yolanda García Parte II (1970 – 1960)

“A Regular Revolution” Carla, Sandi, Yoyo, Fifi

“Daughter of Invention” Mami, Papi, Yoyo

“Trespass” Carla García

“Snow” Yolanda García

“Floor Show” Sandra García

Parte III (1960 – 1956)

“The Blood of the Conquistadores” Mami, Papi, the Four Girls

“The Human Body” Yolanda García

“Still Lives” Sandra García

“An American Surprise” Carla García

“The Drum” Yolanda García

Já que a própria estrutura do romance enfatiza a fragmentação de acontecimentos específicos com pelo menos uma García sendo o foco narrativo, o estudo acerca do impacto da imigração na construção das personagens alvarezianas deste capítulo irá utilizar os capítulos que são intitulados somente por uma das irmãs García e que descrevam suas experiências tanto nos Estados Unidos quanto na República Dominicana após terem migrado para solo estadunidense. Em relação à fragmentação das personagens na constituição de obras ficcionais como a de Julia Alvarez, Candido (2009) aponta que:

[…] o romance, ao abordar as personagens de modo fragmentário, nada mais faz do que retomar, no plano da técnica de caracterização, a maneira fragmentária, insatisfatória, incompleta, com que elaboramos o conhecimento dos nossos semelhantes. […] A personagem é complexa e múltipla porque o romancista pode combinar com perícia os elementos de caracterização, cujo número é sempre limitado se os compararmos com o máximo de traços humanos que pululam, a cada instante, no modo-de-ser das pessoas. (CANDIDO, 2009, p. 42-44).

Não significa, entretanto, que personagens como Carlos e Laura García, os pais das meninas, seus avós, assim como outras personagens eventuais não serão levadas em consideração durante este estudo. Tais personagens, por terem configurações secundárias na obra, serão analisados por meio de seus relacionamentos com as personagens que encabeçam os subtítulos dos capítulos do livro. Assim, justifica-se a escolha de se fazer apontamentos sobre as personagens de Alvarez neste capítulo, uma vez que:

a ficção é único lugar — em termos epistemológicos — em que os seres humanos se tornam transparentes à nossa visão, por se tratar de seres puramente intencionais a seres autônomos; de seres totalmente projetados por orações. E isso a tal ponto que os grandes autores, levando a ficção ficticiamente às suas últimas consequências, refazem o mistério do ser humano, através da apresentação de aspectos que produzem certa opalização e iridescência, e reconstituem, em certa medida, a opacidade da pessoa real. (CANDIDO, 2009, p. 26-27)

Com efeito, o ser humano retratado no romance que aborda a condição imigrante das irmãs García é basicamente construído por meio de fatos criados por Alvarez para ilustrar suas experiências antes, durante e após sua imigração para os Estados Unidos. Depois de algum tempo residindo em Nova Iorque, a família García tem a chance de regressar à República Dominicana após alguns anos no exílio. O retorno à ilha, entretanto, não se trata de um regresso, pois não acontece de forma que os García instituam outra vez seu lar na ilha caribenha. Por estar aparentemente adaptados a sua nova condição em terras estadunidenses, eles decidem voltar a seu lugar de origem para visitar e rever amigos e familiares. Dessa forma, ao representar as escolhas da família García em seu romance, escolhas estas que possivelmente se espelham em alternativas que outros imigrantes possam ter que encarar, Alvarez permite que:

[…] o leitor contempl[e] e ao mesmo tempo viv[a] as possibilidades humanas que a sua vida pessoal dificilmente lhe permite viver e contemplar, pela crescente redução de possibilidades. De resto, quem realmente vivesse esses momentos extremos, não poderia contemplá-los por estar demasiado envolvido neles. […] É precisamente a ficção que possibilita viver e

contemplar tais possibilidades, graças ao modo irreal de suas camadas profundas, graças aos quase-juízos que fingem referir-se a realidades sem realmente se referirem a seres reais; e graças ao modo de aparecer concreto e quase-sensível deste mundo imaginário nas camadas exteriores. (CANDIDO, 2009, p. 36).

Ademais, segundo Candido (2009),

Geralmente, da leitura de um romance fica a impressão duma série de fatos, organizados em enredo, e de personagens que vivem estes fatos. É uma impressão praticamente indissolúvel: quando pensamos no enredo, pensamos simultaneamente nas personagens; quando pensamos nestas, pensamos simultaneamente na vida que vivem, nos problemas em que se enredam, na linha do seu destino — traçada conforme uma certa duração temporal, referida a determinadas condições de ambiente. O enredo existe através das personagens; as personagens vivem no enredo. Enredo e personagem exprimem, ligados, os intuitos do romance, a visão da vida que decorre dele, os significados e valores que o animam. (CANDIDO, 2009, p. 39).

Por consequência, o interesse em investigar os acontecimentos vivenciados por Carla, Sandra, Yolanda e Sofía García é o um dos objetivos deste capítulo de dissertação. Através destas personagens, Julia Alvarez conta histórias de imigração, diáspora, possível assimilação, deslocamento, exílio, hibridismo, entre outras, tão significativas da condição imigrante de sujeitos diaspóricos. São as personagens que criam a ponte dialógica da representatividade do impacto da imigração das García com a realidade externa ao romance. Neste ponto, Candido (2009) discorre que:

A personagem é um ser fictício, — expressão que soa como paradoxo. De fato, como pode uma ficção ser? Como pode existir o que não existe? No entanto, a criação literária repousa sobre este paradoxo, e o problema da verossimilhança no romance depende desta possibilidade de um ser fictício, isto é, algo que, sendo uma criação da fantasia, comunica a impressão da mais lídima verdade existencial. Podemos dizer, portanto, que o romance se baseia, antes de mais nada, num certo tipo de relação entre o ser vivo e o ser fictício, manifestada através da personagem, que é a concretização deste. (CANDIDO, 2009, p. 40).

Portanto, dado a importância da personagem como aparato analítico de obras literárias ficcionais, como demonstrado no decorrer deste tópico, as páginas seguintes exibirão pontuações de como as personagens Carla, Sandra, Yolanda e Sofía vivenciam a imigração e lidam com o fato de terem que conciliar suas existências entre pelo menos dois mundos: o caribenho, oriundo de sua terra natal e o estadunidense, proveniente de seu exílio para os Estados Unidos.

Isso acontecerá por meio da leitura e apontamentos dos capítulos que levam o nome individual de uma das irmãs García no período em que Julia Alvarez retrata a vida das García após o dia que são obrigadas a se mudar para os EUA, episódio citado anteriormente neste capítulo. A ordem da apresentação e as pontuações sobre tais capítulos se darão através da maneira em que Julia Alvarez alude às irmãs García quando tem que apresentá-las enquanto filhas de Carlos e Laura García, da mais velha até a mais nova, a saber: Carla García, Sandra García, Yolanda García e Sofía García. Por último, faremos apontamentos sobre a subnarrativa “The Four Girls” [“As quatro meninas”, tradução nossa] do romance, que parece revelar o efeito da imigração na vida das irmãs García ao relatar a vida das meninas em suas vivências mais recentes nos Estados Unidos.