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Perspectiva do interior do quarteirão das Cardosas

Reabilitar e Re Ocupar; Considerações sobre a estratégia da Porto Vivo

36. Perspectiva do interior do quarteirão das Cardosas

A par do planeamento urbano e da questão construtiva, também a componente sociocultural será de maior relevância, se não a mais preponderante. Ela deve representar o objectivo, o fim da reabilitação e da (re) habitação; quando a intervenção não satisfaz a sociedade, o seu papel tornar-se-á por suposição redundante e dispensável.

―Antes da autenticidade das pedras, coloca-se a das gentes que habitam o Centro Histórico, garantia primeira da perenidade da vida urbana. São os habitantes da cidade histórica os actores insubstituíveis da sua evolução e os participantes privilegiados na formação e difusão do conhecimento intrínseco que uma dada urbanidade transmite‖137 É a síntese da

salvaguarda do património e da população que deverá prevalecer na hora de actuar. Na teoria, a Porto Vivo parece obedecer a um princípio de inserção social coerente e ajustado:

―É indispensável criar uma oferta de habitação, em qualidade e quantidade, que possa atrair ―os tripeiros‖ a viver no centro da sua cidade. Importa captar moradores de diversos standards socioeconómicos para preencher o edificado que se esvaziou e para vivificar o comércio e as ruas‖.138

Na prática, o cenário assemelha-se um tanto contraditório:

" Se me disserem que a SRU só tem casas para a classe alta, eu tenho que concordar, porque de facto tivemos que actuar nos casos mais complexos e o custo final da obra foi altíssimo portanto não é possível disponibilizar habitações com custos acessíveis porque se assim fosse os investidores estariam a perder muito dinheiro», afirma Rui Quelhas".139

Perante esta incidência sobre o cliente com capacidade financeira para cobrir o investimento, não poderemos depreender o esquecimento da salvaguarda dos interesses dos restantes estratos socioeconómicos por parte da SRU?

Será esta forma de actuar que motiva o sociólogo João Queirós afirmar que

― Em relação ao objectivo da captação de novos residentes, vale apena acrescentar que o programa de intervenção da Porto Vivo assenta a sua lógica em intervenções cujo princípio fundamental é o da gentrificação da cidade.‖140

137 CAMPOS, João, op.cit, pág. 61

138 PORTO VIVO, SRU, ―Masterplan (síntese executiva): Revitalização Urbana e Social da Baixa‖, Versão Definitiva, Porto 2005, pág. 5

139 QUELHAS, Rui em ―Reabilitação: Um Porto como novo‖ in http://imobnewsportugal.blogspot.pt/2012/07/reabilitacao-um- porto-como-novo.html, 14-07-2012

140 QUEIRÓES, João, ―O lugar da cultura nas políticas de reabilitação de centros urbanos: apontamentos a partir do caso do Porto‖, Edição Porto: Universidade do Porto. Faculdade de Letras. Instituto de Sociologia, 2007,pág. 18

Ou seja, o objectivo parece ser o de oferecer os meios e as oportunidades necessárias à criação de uma oferta habitacional e de uma cultura de consumo capaz de seduzir apenas o segmento educacional e culturalmente mais capitalizado das novas classes médias urbanas.141

O custo dos imóveis recuperados podem ajudar a ilustrar a afirmação de Rui Quelhas e a consideração de João Queirós.

Por exemplo em Carlos Alberto estiveram disponíveis 20 fogos, com tipologias do T0 ao T2, cujos valores oscilavam entre os 100 mil e 250 mil euros; Mário Santos, da Edifer, e Miguel Freitas, o mediador imobiliário, justificam o preço e as opções:

"Quisemos apostar em algo diferente, num estilo não consensual e destinado a um nicho de mercado. (...) Um deles é um T1 ao "estilo parisiense" (…). Situado nas águas-furtadas, tem 106 metros quadrados, um pé-direito fora do comum, três frentes e cozinha separada.‖142

Situação semelhante verifica-se no quarteirão das Cardosas ou do Corpo da Guarda.

No primeiro caso os apartamentos, com áreas entre os 34 m2 e os 150 m2, estão a ser vendidos a

preços médios entre os 2.500 e os três mil euros o m2 - entre 80 mil, nas tipologias mais pequenas, e

os 380 mil euros (três assoalhadas).143

No caso particular do Corpo da Guarda os preços base dos T1 e T3 variavam entre 180 mil euros (T1 sem lugar de garagem) e os 310 mil euros (T3 duplex com estacionamento e arrumos).144

Devem contribuir para estes valores a intenção de atrair o dito ―target‖, que referiu Rui Quelhas, mas também as estratégias urbanísticas e construtivas que já referimos.

O que averiguamos é que, embora os apartamentos de Carlos Alberto tenham tido de facto algum sucesso, possivelmente pelo factor novidade e pela conjuntura de há três anos atrás, não tão precária como a actual, no Corpo da Guarda, por exemplo, um ano após a sua construção ainda não tinham sido vendidos quaisquer apartamentos, o que nos leva a questionar se terá adequado a Porto Vivo o tipo de oferta à procura ou, como inquire João Queirós, haverá procura que justifique a oferta que se tem criado?145

No que concerne aos residentes originários da Baixa do Porto, eles serão à partida os primeiros interessados em ver solucionada a precariedade das habitações. Reforça a própria SRU que ―Uma política de habitação sustentável tem necessariamente em conta a população residente e enraizada (…).‖ 146

Questiona, porém, o sociólogo,

―Que papel lhes cabe na estratégia de reabilitação urbana desta área da cidade? Estarão destinados a ser, a prazo, afastados para a periferia citadina ou para os subúrbios? Ou, pelo contrário, conseguirão ver asseguradas as suas ambições de permanência? Mais do que isso, conseguirão ver respondidos os seus anseios de melhoria das suas condições habitacionais e de vida?‖147

141 QUEIRÓS, João, ―Estratégias e discursos políticos em torno da reabilitação de centros urbanos – Considerações exploratórias a partir do caso do Porto‖ in ―Sociologia, problemas e práticas‖, nº 55, 2007, pág. 112

142 PINTO, Reis, ―Café Luso renascem quarteirão de luxo‖ 1 de Dezembro de 2009 http://www.jn.pt/paginainicial in /pais/concelho.aspx?Distrito=Porto&Concelho=Porto&Option=Interior&content_id=1435200

143 SOARES, Elisabete, ―Casas das Cardosas são procuradas por investidores‖ in economico.sapo.pt/noticias/casas-das- cardosas-sao-procuradas-por-investidores_127677.html, 2 -11- 2011

144 SCHRECK, Inês, ―Casas renovadas na Zona Histórica sem interessados ―in http://www.jn.pt/paginainicial/pais/concelho .aspx?Distrito=Porto&Concelho=Porto&Option=Interior&content_id=1775179&page=-1, 4 -02 - 2011

145 QUEIRÓS, João, ―Estratégias e discursos políticos em torno da reabilitação de centros urbanos – Considerações exploratórias a partir do caso do Porto‖ in ―Sociologia, problemas e práticas‖, nº 55, 2007, pág. 113

146 PORTO VIVO, SRU, ―Masterplan (síntese executiva): Revitalização Urbana e Social da Baixa‖ Versão Definitiva, Porto 2005, pág.10

147 QUEIRÓS, João, ―Estratégias e discursos políticos em torno da reabilitação de centros urbanos – Considerações exploratórias a partir do caso do Porto‖ in ―Sociologia, problemas e práticas‖, nº 55, 2007, pág. 113

Neste contexto, a dúvida que se coloca é se estes indivíduos, que são expropriados por não terem condições financeiras de assumir a reabilitação do imóvel, algum dia as terão para cobrir os valores que pede a Porto Vivo pelas casas recuperadas. Refere Rui Sá, vereador da CDU, que ―A Câmara do Porto, directamente, pela FDZHP (...) ou pela SRU, já expulsou mais moradores do centro do Porto do que aqueles que passaram a viver em casas reabilitadas pela SRU‖. 148

Também no que se refere aos ―jovens licenciados‖ ou ―casais em início de vida familiar‖ 149, questionamos se terão condições para adquirir as habitações recuperadas pela Porto Vivo. Assumindo que são estes os grupos sociais que têm maior predisposição para vir habitar o centro da cidade, não terão nesta fase de transição entre a vida académica e as responsabilidades conjugais um orçamento (ainda) limitado?

No que diz respeito ao standard económico mais favorecido, e com base nos custos das habitações recuperadas, na afirmação de Rui Quelhas e nas considerações de João Queirós, concluímos que, na prática, este grupo será aquele que maior atenção tem recebido por parte da SRU.

Assim vem reforçar a estratégia de promoção e publicidade das casas reabilitadas, equiparadas com as construções localizadas nas zonas mais valorizadas da cidade - Foz, Boavista, Matosinhos, etc.,- sendo os seus preços não muito desfasados daquelas:

"Estamos a pedir dois mil euros por metro quadrado, o mesmo que nas Antas e na Boavista. Na zona do Hospital de S. João já há edifícios onde estão a pedir mais e na Foz está bem acima dos 2500 euros", referiu o administrador da SRU, Rui Quelhas a propósito da falta de

desinteresse no Quarteirão do Corpo da Guarda‖.150

De qualquer forma, e independentemente da qualidade ou sucesso da estratégia de reabilitação da Porto Vivo, questionamo-nos se esta dita ―classe alta‖ quer de facto habitar na Baixa: irão estes indivíduos, com algum poder económico, querer residir num lugar onde o congestionamento automóvel é uma realidade, os passeios não têm árvores, os edifícios são recuperados, em detrimento de uma construção nova, de dimensões generosas, num terreno na periferia próxima, de inferior ou valor semelhante, onde não se verificam estes constrangimentos?

A verdade é que a dificuldade que se verificou na venda das habitações do Corpo da Guarda poderá reflectir a pouca adesão mesmo por parte das classes mais privilegiadas. [37]

37. Fachadas recuperadas no quarteirão do Corpo da Guarda

148 RIOS, Pedro, ―Reabilitação do centro histórico do Porto com ―ritmo extremamente pequeno‖ in http://porto24

in.pt/porto/27032011/reabilitacao-do-centro-historico-do-porto-com-ritmo-extremamente-pequeno/, 27 -03 - 2011 149 PORTO VIVO, SRU, ―Masterplan (síntese executiva): Revitalização Urbana e Social da Baixa‖ Versão Definitiva, Porto 2005,

pág. 9

150 QUELHAS, Rui, SCHRECK, Inês, ―Casas renovadas na Zona Histórica sem interessados‖ in

http://www.jn.pt/paginainicial/pais/concelho.aspx?Distrito=Porto&Concelho=Porto&Option=Interior&content_id=1775179 &page=-1, 4 -02 - 2011

Não será mais seguro encarar o facto de que

" (…) para a Baixa vão as famílias atípicas, não as tradicionais (...); os casais jovens, artistas, pessoas sozinhas ou famílias sem filhos (…) aqueles que não precisam de grandes espaços para viver"? Para o arquitecto Nuno Grande este deveria ser o ―target‖ da Porto Vivo, o grupo social para o qual deviam incidir os seus trabalhos de re habitação da Baixa, o que de momento, não se sucede.‖151

Alerta de certa forma o autor para a necessidade de averiguar rigorosamente quem é o potencial morador do lugar, encarar e aceitar essa consideração, criando um tipo de ―oferta‖, de habitação, que lhe seja de facto ajustada.

Não interessa dar uma ―nova cara‖ à cidade, investindo tempo e recursos na recuperação dos edifícios, se o seu interior permanecer vazio. É como refere Bruno Taut: ―é irrelevante o espaço da arquitectura sem as pessoas, o que importa é o aspecto das pessoas dentro dela‖. 152

151 GRANDE, Nuno, VILLAS-BOAS, Cristina, ―Reabilitação da Baixa do Porto: Faltam incentivos ao pequeno investidor‖ in http://jpn.icicom.up.pt/2009/07/21/reabilitacao_da_baixa_do_porto_faltam_incentivos_ao_pequeno_investidor.html, 21-07-2009

152 ―es irrelevante el espacio de la aquitectura sin gente, lo que importa es el aspecto de la gente en ella‖, TAUT, Bruno citado por MONTEYS, Xavier, FUERTES, Pere, ―Casa Collage – Un ensayo sobre la arquitectura de la casa‖, Editora Gustavo Gili, Barcelona, 2001, pág.14