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3 Complexidade na pesquisa sobre formação inicial do professor

3.1 Perspectiva Interdisciplinar

Considerando o campo investigado na sua complexidade, fazemos dialogar várias teorias, tendo em vista um olhar orientado por diversas perspectivas sobre o campo investigado. Ao pesquisar aspectos relacionados à formação inicial de professores, lançamos mão de uma perspectiva interdisciplinar, uma vez que tomamos as contribuições da Linguística Aplicada (LA), pedagogia, sociologia e linguística no sentido de investigar, sob um olhar mais abrangente, a formação docente. Esse movimento interdisciplinar é orientado pela perspectiva da Linguística Aplicada, assumida nesta pesquisa como perspectiva teórica. A LA, como campo da ciência preocupado com questões relacionadas à linguagem, caracteriza-se pela articulação de diferentes áreas de conhecimento, assumindo uma postura interdisciplinar (CELANI, 1992). Como argumenta Cavalcanti (1986), a LA é de natureza iminentemente interdisciplinar por não ser monopolizada por uma teoria ou metodologia de pesquisa, nem mesmo pela Linguística. Preocupada com desafios práticos envolvendo a linguagem em determinados meios sociais, essa perspectiva de pesquisa vai desde a detecção de um problema relacionado à linguagem até um possível encaminhamento, caracterizando-se, portanto, como uma teoria de postura engajada: "a LA procura problematizá-los [problemas com que se defronta] ou criar inteligibilidade sobre ele, de modo que alternativas para

tais contextos de usos da linguagem possam ser vislumbrados" (MOITALOPES, 2006, p. 20). Nesse sentido, a LA tem um percurso que a define, tendo seu começo "na detecção de uma questão específica de uso da linguagem, passa para uma busca de subsídios teóricos em áreas de investigação relevantes às questões em estudo, continua com a análise da questão prática, e completa o ciclo com sugestões de encaminhamento" (CAVALCANTI, 1986, p. 6).

Diante desse quadro, em que a LA configura-se como campo de investigação preocupado com problemas relacionados à linguagem em situações de uso real, sem necessariamente tomar como subsídio teórico as teorias linguísticas, as pesquisas filiadas a esse ramo de investigação científica ocupam-se também em investigar sentidos naturalizados socialmente, problematizando-os (MOITALOPES, 2006). Problematizando os sentidos estabilizados pela linguagem, a LA interessa- se justamente pelos sujeitos que são marginalizados daquilo que é considerado correto, adequado (MOITALOPES, 2006, p. 101-103). Compreendendo a linguagem como terreno de poder e conflito, a LA toma os sujeitos excluídos dos significados naturalizados como atores da pesquisa:

Essa visão parece crucial em áreas como a LA, que têm como objetivo fundamental a problematização da vida social, na intenção de compreender as práticas sociais nas quais a linguagem tem papel crucial. Só podemos contribuir se considerarmos as visões de significado, inclusive aqueles relativos à pesquisa, como lugares de poder e conflito, que refletem os preconceitos e valores, projetos políticos e interesse daqueles que se comprometem com a construção de significado e do conhecimento. (MOITALOPES, 2006, p. 102)

Nessa perspectiva, colaborador não é apenas uma nova nomenclatura para designar os envolvidos nos processos de pesquisa, mas justifica-se como uma postura diferenciada em relação a quem é participante de uma investigação: os colaboradores são considerados como aqueles com vozes (geralmente não ouvidas) que precisam ser levados em conta no processo investigativo, que podem agir sobre o seu meio social. Essa categoria parece mais apropriada aqui até mesmo pela metodologia de pesquisa, em que os envolvidos na investigação não podem ser resumidos aos papéis de pesquisador e pesquisado, pois as ações de todos os participantes envolvidos no processo de pesquisa são relevantes e, portanto, consideradas como fatores que colaboram para os procedimentos e resultados obtidos. Além disso, busca-se atenuar a relação assimétrica entre os participantes da pesquisa, uma vez que os diversos saberes precisam ser levados em conta, numa postura de diálogo e construção de novos saberes e práticas. Não se trata de aplicação de teoria em procedimentos práticos ou tentativa de pôr em prática os apontamentos teóricos, em que uma se sobrepõe ou desempenha papel mais importante que a outra, mas do desenvolvimento de estratégias teórico-práticas para investigação de um dado contexto.

As diferentes perspectivas teóricas mobilizadas são assumidas aqui em razão da própria natureza complexa da formação de professores, com o intuito de evitar a simplificação dos fenômenos investigados, quando vários atores contribuem para o resultado do processo de formação

docente (SILVA, 2012a). A partir da interdisciplinaridade, tentamos evitar o que Rajagopalan (2006) chama de conhecimento hiperespecializado, quando a teoria se isola de tal modo a ponto de rejeitar o seu próprio objeto de investigação, voltando-se apenas para a sua própria teorização. Sobre a fragmentação do conhecimento, Fiorin (2008) alerta que a articulação dos saberes é necessária nos processos investigativos, principalmente quando se busca subsídios teóricos para um mais abrangente olhar sobre o objeto, não apenas voltando-se para o aperfeiçoamento dos próprios procedimentos teóricos.

A postura interdisciplinar é assumida em razão do próprio objeto que nos propomos a analisar, tendo em vista que a natureza complexa do ensino demanda um olhar ampliado, capaz de considerar os vários fatores intrínsecos no contexto educacional (SILVA, 2011). Orientados pela interdisciplinaridade, entendemos que um saber que transcende as fronteiras disciplinares é necessário para todas as áreas de formação, de forma que capacite profissionais a atuar nos seus campos de atuação de forma mais crítica, enxergando seu fazer dentro de uma globalidade, entendendo que faz parte de um projeto maior. O interdisciplinar no ensino trata-se de uma postura, como já apontamos acima, de todo o contexto de educação envolvido. Como defende Teixeira (2007), a interdisciplinaridade acontece a partir de uma mobilização e reconfiguração das instituições de ensino: "a plena realização da interdisciplinaridade requer uma nova organização universitária adequada às exigências das necessidades sociais e históricas de nossa época" (TEIXEIRA, 2007, p. 71).

Além de estar preocupada com o empoderamento desses sujeitos invisibilizados, quando o percurso de pesquisa também se volta para a mobilização de instrumentos capazes de modificar, ainda que timidamente, a condição de excluídos socialmente, a LA também entende que não pode contribuir para naturalização de sentidos estabelecidos socialmente. Nesta pesquisa, ao abordarmos o discurso da instituição formadora através de seus documentos oficiais sobre o papel das ferramentas digitais tanto nos aspectos de ordem técnica quanto na formação dos seus discentes, também e, principalmente, voltamos a atenção para os discursos desses atores em processo de formação sobre as ferramentas digitais como recurso didático no ensino. Com o objetivo de evitar discursos que responsabilizem exclusivamente o professor pelo desempenho dos alunos, principalmente quando se trata do chamado "fracasso" escolar (RAMOS e SILVA, L., 2012; SILVA, 2012d), investigamos o papel da academia na formação de profissionais capacitados a lidar com os desafios impostos ao exercício da docência. Considerando as tensões entre pesquisa e ensino, teoria e prática10, há uma tentativa em fazer escola e academia dialogarem e efetivamente colaborarem na

10 Silva (2011a, p. 125) alerta que "ainda hoje, temos a universidade caracterizada como um espaço de geração e difusão de saberes, pouco comprometida com problemas da prática pedagógica. Num outro extremo, ocupando uma posição de menor prestígio, temos a escola caracterizada como um espaço de ensino, pouco comprometido com pesquisas científicas".

construção de conhecimentos dos alunos-mestre, apontando para uma reflexão sobre o ensino de língua materna e para o desenvolvimento de planejamento pedagógico e práticas docentes (SILVA, 2011a).

Ao analisar o complexo processo que envolve a formação docente, é necessário considerar que o professor, no exercício de sua profissão, não pode ser responsabilizado solitariamente pelo bom desempenho discente no processo de ensino-aprendizagem. Sem objetivar apontar mais um ‘culpado’ pelos dados negativos da educação, mas entendendo a complexidade que envolve o ensino (básico e superior), investigamos também o papel da academia na formação inicial dos docentes. Compreendemos, assim, que é papel da instituição formadora preparar seus discentes para enfrentar os desafios emergentes relativos aos seus futuros locais de trabalho, tal como, no caso desta pesquisa, problematizar, ainda na formação inicial de professores, o uso de ferramentas digitais como recurso didático no ensino de língua materna.