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Perspectivas antropológicas relacionadas às experiências de famílias de

As definições do que constitui saúde e doença variam entre indivíduos, famílias, grupos culturais e classes sociais. Na maioria dos casos, a saúde é vista como um bem mais do que apenas a ausência de sintomas físicos desagradáveis (HELMAN, 2009).

A família, a partir de um diagnóstico, começa a adentrar em uma cultura comum a todos os cuidadores familiares, organizada em torno de valores e prioridades que dão sentido aos cuidados que realizam e aos relacionamentos, tanto com a pessoa doente quanto com os profissionais de saúde e os serviços que orientam e apoiam o tratamento. A família precisa aprender a amar, viver e crescer a partir da e na experiência que passa a fazer parte de sua vida e a dar sentido ao novo papel de cuidador (NAKAMURA; MARTIN; SANTOS, 2009).

A doença transforma o espaço da família, que passa a ser destinado às necessidades geradas pela patologia, alterando a vida familiar. É fundamental reconhecer a estrutura e a dinâmica da família para prover o cuidado necessário, o alcance da responsabilidade dos profissionais e da família e a capacitação da família para identificar e equilibrar demandas e recursos (FRACOLLI; ANGELO, 2006).

A família é parte integrante de um ambiente sociocultural. Isso significa que crenças, valores, símbolos, significados, práticas e saberes são construídos, compartilhados e ressignificados nas interações sociais e, como tais, influenciam e são influenciados pela família. Além disso, a família em seu processo de viver, constrói um mundo de símbolos, significados, valores, saberes e práticas, em parte oriundos de sua família de origem, do seu ambiente sociocultural e, em parte, decorrentes do viver e do conviver da nova família em suas experiências e interações cotidianas intra e extra familiares (ELSEN, 2002).

O sistema familiar é complexo e dinâmico e influenciado pelo meio histórico, social e cultural que vivencia, sendo que as relações familiares, em alguma medida, interferem no processo saúde e doença de seus membros, bem como na interpretação da experiência de cada pessoa da família. Nesse cenário, entendemos que vivenciar o adoecimento promove mudanças em todos os aspectos da vida cotidiana, tanto pessoal quanto familiar, bem como requer atitudes que possibilitam enfrentar a situação posta, promovendo a busca pela reconstrução da identidade pessoal e familiar (MATTOS; MARUYAMA, 2009).

Samuel-Hodge et al. (2013) realizaram um estudo que apresentou como objetivo explorar as perspectivas dos pacientes e suas famílias sobre interações familiares em torno das demandas do diagnóstico de diabetes. Trata-se de um estudo qualitativo, que utilizou a técnica de grupo focal como coleta de dados. Foram realizados oito grupos focais (quatro com pacientes com DM1 e quatro com membros da família), com ênfase em temas relacionados a comunicação da família, conflito e apoio. Os resultados apontam que, para os pacientes com diabetes, surgiram questões centrais como mudança nos papeis familiares para a adaptação ao diabetes e os conflitos decorrentes dos conselhos e orientações dos membros da família para o paciente com diabetes. Os familiares descreveram questões relacionadas ao desconforto com a percepção da necessidade de supervisão e cobrança do paciente, no sentido de vigiar e controlar o cuidado, muitas vezes percebendo suas comunicações e informações como inúteis. Nesta pesquisa, pôde- se perceber que ajustes de função e conflitos parecem ser aspectos importantes para resolver questões relacionadas às intervenções de automanejo do diabetes centradas na família (SAMUEL-HODGE et al., 2013).

As famílias, assim como grupos culturais maiores, também têm a sua visão de mundo particular, seus próprios códigos de comportamento, papéis de gênero, conceitos de tempo e espaço, histórias, mitos e rituais. Elas também têm formas de comunicar o sofrimento psicológico uns aos outros e ao mundo exterior (HELMAN, 2009). Compreender a experiência do cuidado familiar é adentrar em um universo complexo e ao mesmo tempo singular. É importante considerar ainda que a família é um sistema cultural de cuidado diferente e complementar ao sistema profissional de saúde (KLEINMAN, 1980).

Um estudo, realizado por Marshall et al. (2009), teve como objetivo explorar e descrever, a partir do diagnóstico, as experiências de pais e crianças que vivem com

DM1. A amostra foi composta por dez crianças e adolescentes entre quatro e 17 anos de idade com DM1 e os seus pais. Os participantes eram de diferentes origens étnicas e apresentavam tempos de diagnósticos diferentes. Os dados foram obtidos através de entrevista e analisados por meio de análise temática. O tema central identificado na pesquisa foi que a experiência de viver com diabetes é normal. A noção de normalidade é dominante na vida destas crianças e seus pais. Os resultados da pesquisa apontam que, apesar de diferentes culturas, idades e períodos de tempo desde o diagnóstico, as famílias que vivem com diabetes compartilham experiências muito semelhantes. Entender como as crianças e seus pais dão significados às suas experiências, e como este significado influencia nos problemas reais e potenciais de saúde, se torna importante na prestação de cuidados e no atendimento de suas necessidades (MARSHALL et al., 2009).

Os valores e as crenças compartilhados nos grupos sociais dos quais cada pessoa faz parte, em especial na vida em família, direcionam as ações, atitudes e comportamentos, e se associam aos processos interpretativos que as pessoas fazem diante dos acontecimentos no cotidiano de vida (MATTOS; MARUYAMA, 2009).

Para compreender culturalmente como as famílias de americanos brancos e afro-americanos percebem os fatores relacionados a como se viver com diabetes, foi realizado um estudo com 799 pais de crianças com DM1 (LIPMAN et al., 2012). Tratou-se de uma análise secundária de um estudo derivado de dados qualitativos e quantitativos. Os entrevistados foram convidados a avaliar o quanto cada um dos 30 itens da pesquisa faziam diferença nas crianças e suas famílias que estavam convivendo com diabetes. Em seguida, os itens foram colocados em ordem de classificação por raça e combinadas em categorias de relevância clínica e classificações médias para cada categoria. Foram utilizadas análises de regressão para testar as diferenças raciais entre os itens dentro das categorias. Como resultados, pôde-se perceber que os grupos raciais expressaram pontos de vista bem semelhantes. No entanto, dois grandes temas que surgiram evidenciaram diferenças raciais na priorização de fatores que afetam o bem-estar das crianças com diabetes. Em primeiro lugar, as famílias afro-americanas atribuíram maior importância para apoios sociais. Em segundo lugar, os afro-americanos manifestaram preferência por intervenções que levassem em consideração toda a família em oposição a apenas a criança, ao passo que os brancos preferiram

intervenções centradas na criança. Compreendendo melhor sobre o tipo de cuidado que essas famílias preferem, pode-se ajudar a melhorar a prestação de cuidados de uma forma culturalmente competente e eficaz (LIPMAN et al., 2012).

Qualquer que seja a maneira que assume, e qualquer que seja a cultura em que surge, a família é sempre uma unidade social, além de biológica, e sempre inclui membros que não são biologicamente relacionados a ela (HELMAN, 2009). Faz-se necessário, portanto o reconhecimento do componente cultural das famílias, o qual influencia o modo de pensar e agir de cada um de seus membros individualmente ou coletivamente. No estudo em questão, a análise e interpretação da influência cultural nas experiências dessas famílias de crianças com DM1, constitui-se em oportunidade para contribuir na construção de conhecimento sobre a maneira de como essas famílias convivem com a criança e lidam com seu adoecimento, com vistas a prestação de um cuidado individual e familiar qualificado e à motivação para a condução de pesquisas futuras.

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