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3. Perspetivas Teóricas

3.3 Perspetiva de Emmons e contraperspetiva de Gardner

Segundo Emmons (2000) a Inteligência exerce uma importante função na formação da personalidade. O conhecimento da personalidade de uma pessoa ajuda a perceber como e porquê que os sentimentos, as aspirações, os objetivos, os motivos e valores de uma pessoa se organizam num sistema hierárquico de pensamento, no qual muitos níveis podem ser ativados, em função das estimulações do ambiente. O nível espiritual faz parte e é central. Assim, pensa que a inteligência deve ser definida como sendo o funcionamento da personalidade toda, funcionamento esse passível de avaliação e sempre associado à realização de objetivos culturais atados às condições e contextos específicos, sendo que o elemento fundamental da Inteligência é encontrar soluções adaptativas para os problemas

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colocados. O autor escolhe desta forma a Teoria das Inteligências Múltiplas para sustentar a base teórica da existência de uma IEs.

Para este autor a espiritualidade é considerada um recurso facilitador da adaptação a um ambiente, representando um grande valor adaptativo (Emmons, 2000; Silva, 2001).

Emmons (2000) considera importantes 5 domínios a ter em consideração no que diz respeito à Inteligência Espiritual:

 Transcendência (capacidade de se comprometer com formas extraordinárias de consciência que permitam ir além do mundo físico e quotidiano e ter uma perceção do mundo e de si mais ampla);

 Consciência (capacidade de atingir estados elevados de consciência, momentos de união com o sagrado, experienciando a totalidade das coisas);

 Sagrado (capacidade de atingir um estado de iluminação interior, usado para resolver situações problemáticas ou impasses, que permita planear ações e soluções eficazes);

 Coping religioso e espiritual (capacidade para usar recursos espirituais para resolver problemas, sobretudo quando objetivos anteriores são abandonados e novos objetivos são adotados);

 Comportamento virtuoso (capacidade de se comportar virtuosamente, ou seja relacionar-se com os outros, as tarefas e responsabilidades da vida de modo congruente com atitudes de humildade perdão e compaixão) (Emmons, 2000). Com respeito a estas características definidas por Emmons (2000), Gardner (2000) mantém-se reticente em considerar a possibilidade de existência de uma IEs. No que diz respeito às dimensões da Consciência e Transcendência, especificamente à capacidade de alcançar certos estados de consciência através de meditação, Gardner (2000) argumenta que existe um envolvimento de uma componente fisiológica e que o alcance destes estados exige o controlo do corpo, sendo uma característica melhor enquadrada na Inteligência cinestésico- corporal do que na IEs. Além disso, prorroga a ideia de que experiências «sentidas» não deveriam fazer parte de um tipo de Inteligência.

No que se relaciona com o critério do coping religioso e espiritual, Gardner (2000) considera a noção “nova e provocativa” (Silva, 2001, p. 59), mas coloca algumas questões que devem ser respondidas (quais são as formas pelas quais se pode mostrar que os recursos espirituais estão sendo descritos? Como são descritos esses elementos espirituais? Levam necessariamente a uma resolução de problemas melhor ou mais rápida, ou podem ser enganadores? Qual ou quais os recursos que podem substituir os espirituais? Pode-se oferecer uma explicação computacional ou processual da invocação de recursos espirituais na formulação ou solução de problemas? (Gardner, 2000).

Relativamente à dimensão do sagrado, Gardner (2000) parece estar de acordo que esta seja uma dimensão importante, mas ainda negligenciada nos estudos de psicologia humana. Um dos aspetos centrais nesta área seria estudar ou estabelecer a diferença entre domínio e inteligência para ser possível analisar melhor os contextos em que se dá o sagrado. Tais

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contextos são diferenciados entre si, uma vez que os processos meditativos, que as religiões põem à disposição dos indivíduos para o exercício desta suposta IEs são muito diversificados de cultura a cultura. Só raramente um indivíduo pode criar seu próprio domínio. Seria necessário considerar todos os vários domínios que cada cultura põe à disposição dos sujeitos e sondar a extensão em que as várias inteligências são ou não trazidas à luz. Quando se faz esta distinção, está-se menos propenso a confundir o que é modo de processamento com o que é atividade criativa do homem.

Objetivamente no que diz respeito à dimensão do comportamento virtuoso, Fontana (2003) sugere que muitas vezes este tipo de comportamento é prejudicial em vez de funcionar como adaptativo. Salienta os casos em que o altruísmo pode conduzir ao autossacrifício produzindo consequências negativas, em vez de positivas (Hyde, 2004). Contudo, Emmons (2000) defende a ideia de que quem é espiritualmente inteligente é mais consciente das suas forças e fraquezas, usando-as sem exageros para cima ou para baixo. A pessoa espiritualmente inteligente mostra-se flexível na busca de um equilíbrio harmonioso entre autoconceito, autointegração e autorregulação.

Ressalve-se que a posição cética de Gardner (2000) em aceitar este novo tipo de Inteligência deve-se sobretudo à ausência de estudos sobre estruturas e processos cerebrais dedicados a tal forma de computação (Silva, 2001), declarando porém que parece existir um aspeto ou módulo da mente que evoluiu para efetuar computações sobre fatores que transcendem a perceção sensória normal. Não esconde que o ser humano parece ter a capacidade de se situar em relação aos limites do Cosmos, a elementos da condição humana como o sentido da vida, o sentido da morte, o destino final do mundos físico e psicológico…e que estes aspetos se traduzem num potencial da espécie para se envolver em questões transcendentais e numa capacidade que pode ser despoletada e desenvolvida em determinadas condições (Gardner, 2000a, cit In Silva, 2001). As suas reservas passam também pela denominação adotada por Emmons (2000) e Zohar e Marshall (2004) de IEs, sustentando que a denominação inteligência existencial seria mais adequada devido ao facto de que este «possível novo tipo de inteligência» parece associado à nossa existência como indivíduos no cosmos e à nossa capacidade de nos surpreendermos perante o mesmo.

A perspetiva do próximo autor a tratar está em contrassenso com Emmons. Enquanto Emmons defende a existência de uma IEs, Mayer sustenta a visão de que a descrição feita de IEs não é mais do que a renomeação do conceito de espiritualidade.