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2. A relação entre o Défice Orçamental e o Défice Externo: uma Aplicação Econométrica

2.2. Perspetivas Explicativas acerca da relação entre o Défice Orçamental e o Défice

A literatura avança cinco perspetivas que explicam a relação entre o défice orçamental e o défice externo, designadamente: i) a Hipótese dos Défices Gémeos; ii) a Hipótese da Equivalência Ricardiana; iii) a Hipótese do Target da Balança Corrente; iv) a ligação de feedback; e v) a Hipótese da Divergência Gémea.

i) a Hipótese dos Défices Gémeos

A Hipótese dos Défices Gémeos sustenta que o défice orçamental tende a resultar em défice da balança corrente. Esta relação pode ser explicada no quadro de duas perspetivas: o Modelo de Mundell-Fleming (Mundell, 1960; Fleming, 1962) e a Teoria da Absorção Keynesiana.

De acordo com a primeira perspetiva, o aumento do défice orçamental conduz ao aumento das taxas de juro reais domésticas, que, por seu turno, atraem fluxos de capitais externos e resultam na apreciação das taxas de câmbio. Uma moeda nacional mais forte reduz as exportações líquidas (torna as exportações menos atrativas e aumenta a atratividade das importações) e traduz-se em perda da competitividade externa da economia, o que gera défice na balança corrente. Este mecanismo de transmissão descrito opera num regime de câmbios flexíveis. Teoricamente, no cenário de mobilidade perfeita de capitais à escala internacional, o capital circula entre os países e a remuneração dos investidores é igualizada. Neste contexto, a variação do défice orçamental resulta na variação no mesmo montante do défice da balança corrente. Num regime de câmbios fixos, por seu turno, o aumento do défice orçamental resulta no aumento do rendimento

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e dos preços, levando à apreciação real da moeda, o que afeta negativamente o saldo da balança corrente. Embora os mecanismos de transmissão difiram, quer num regime de câmbios fixos quer num regime de câmbios flexíveis, o aumento do défice orçamental agrava o défice da balança corrente.

A segunda perspetiva, por seu lado, sugere que o aumento do défice orçamental pode provocar uma pressão em alta na absorção doméstica, resultando no aumento da despesa doméstica, e, contribuindo, assim, para o aumento das importações, causando uma deterioração do saldo da balança corrente. Estes efeitos serão tão mais relevantes quanto maior for o grau de abertura da economia.

De acordo com ambas as perspetivas, o aumento do défice orçamental e, consequentemente, da procura agregada e da taxa de juro real agrava o défice da balança corrente (ou afeta prejudicialmente o seu excedente).

ii) a Hipótese da Equivalência Ricardiana

De acordo com a Hipótese da Equivalência Ricardiana (Barro, 1974; Barro, 1989), o défice orçamental e o défice externo não se encontram relacionados, uma vez que alterações orçamentais induzem uma realocação inter-temporal das poupanças (ocorre uma substituição inter-temporal entre impostos e défices orçamentais), permanecendo inalteradas as restrições orçamentais inter-temporais dos agentes privados, a taxa de juro real, o investimento e o saldo da balança corrente. Assim, os défices orçamentais não resultam em alterações das taxas de juro e de câmbio, e, consequentemente, os efeitos na balança corrente são nulos. Ricciuti (2003) sustenta que a redução dos impostos correntes não afeta a poupança nacional, quando a despesa pública permanece constante e não existem restrições ao endividamento.

Sob o pressuposto da racionalidade dos agentes económicos, assume-se que estes antecipam que uma política orçamental expansionista num determinado período traduzir- se-á num aumento futuro da carga fiscal; por conseguinte, e, de forma a suportar o acréscimo de impostos no futuro, reduzem o seu nível de consumo e aumentam a poupança no presente no mesmo montante do acréscimo do défice orçamental. Défices orçamentais mais elevados representam apenas impostos postecipados futuros mais elevados. Assim, por exemplo, o corte de impostos no presente resulta no aumento futuro de impostos e o seu impacto na economia é nulo. Um modelo que incorpore a Hipótese

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da Equivalência Ricardiana pode sugerir que a substituição de dívida por impostos por um Governo que aumenta os défices orçamentais pode ser financiado por um aumento da poupança privada, ao invés de aumentar o endividamento externo líquido (Rosensweig e Tallman, 1993).

Então, no quadro desta perspetiva teórica, não existe uma relação causal entre o défice orçamental e o défice externo. Não obstante, alterações temporárias nas despesas do Governo podem afetar os défices da balança corrente.

iii) a Hipótese do Target da Balança Corrente

Pode também existir uma relação inversa que se move do défice da balança corrente para o défice orçamental. A ideia subjacente a esta perspetiva é que a posição externa de uma economia pode deteriorar-se devido a fatores exógenos à sua posição orçamental. Segundo Darrat (1988), o défice orçamental pode responder a esta deterioração e ajustar- se no sentido de estabilizar o andamento da economia. O ajustamento pode ser efetuado com recurso à ação dos estabilizadores automáticos e/ou com recurso a políticas orçamentais discricionárias. Para tal, é necessária a entrada considerável de capitais estrangeiros e a capacidade do Estado se endividar a uma taxa de juro relativamente baixa.

Summers (1988) designou esta relação inversa de “Current Account Targeting”. Este resultado advém do facto de que a deterioração do saldo da balança corrente conduz a um padrão de crescimento mais baixo, e, consequentemente, a um aumento do défice orçamental. Tal é justificado, porquanto, por um lado, a quebra na atividade económica resultante de défices da balança corrente elevados aumenta a despesa pública bem como reduz as receitas fiscais. Por outro lado, os Governos podem usar estímulos orçamentais para atenuar os efeitos económicos e financeiros prejudiciais decorrentes de desequilíbrios comerciais elevados. O ajustamento externo pode ser, assim, efetuado através da política orçamental, que responde a condições do sector externo. Neste contexto, existe uma causalidade inversa e positiva défice da balança corrente/défice orçamental.

iv) a ligação de feedback

Segundo Feldstein e Horioka (1980), a poupança e o investimento encontram-se altamente correlacionados, e, por conseguinte, esta ligação traduz-se em causalidade bi-

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direcional entre o saldo orçamental e o saldo da balança corrente, movendo-se ambos em conjunto (isto é, a causalidade entre as variáveis opera em ambas as direções). Neste contexto, Vamvoukas (1999) salienta que os efeitos do crescimento dos défices orçamentais em induzir um défice comercial alargado pode ser um aspeto do fenómeno dos défices gémeos. Também Daly e Siddiki (2009) avançam que a correlação entre poupança e investimento pode também resultar no movimento conjunto do défice orçamental e do défice da balança corrente, suportando a Hipótese dos Défices Gémeos.

v) a Hipótese da Divergência Gémea

Kim e Roubini (2008), por outro lado, avaliam o tópico da existência de movimentos endógenos do défice orçamental e do défice da balança corrente e sugerem que a “divergência gémea” é também provável, isto é, o défice da balança corrente pode melhorar quando o défice orçamental se agrava. Este resultado é atribuído a dois fatores: primeiro, a um movimento ricardiano parcial da poupança privada (aumento da poupança privada), e, segundo, a um efeito de crowding out no investimento (declínio do investimento), ambos causados por um aumento da taxa de juro real, resultante da implementação de uma política orçamental expansionista. Também ocorre a depreciação da taxa de câmbio nominal que, num contexto de rigidez nominal, se traduz na depreciação da taxa de câmbio real no curto prazo. Para além disso, quando ambos os saldos são afetados por um choque no produto e/ou na produtividade, a “divergência gémea” pode ser mais provável. Um resultado similar, mas mais fraco, ocorre quando se consideram choques orçamentais exógenos.

2.3. Enquadramento da Contabilidade Nacional da relação entre o Défice