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As divisões ou grupos são apresentados em 1Cor 1-4, onde vemos Paulo, explicitamente, preocupado com as divisões na comunidade em cujos membros acreditavam na posse da sabedoria, onde olhavam com superioridade os outros, e até tratando como criancinhas quem não tinha ainda alcançado a mesma posição espiritual. Na linguagem de Apolo, reflete o seguimento a filosofia de Fílon de Alexandria, que faz a distinção entre o homem celeste e o homem terreno. Onde o corpo é mau por natureza e traiçoeiro para a alma. Por isso, também os coríntios davam muita importância à glossolalia, quando reconhecem que, para Fílon, a posse deste espírito profético se expressava em êxtase, loucura, frenesi inspirado, e este falar em línguas misteriosas para eles, significaria favorecer que eram superiores aos demais.140 “A ‘Gente do Espírito’, em outras palavras, era a fonte dos problemas

tratados em treze dos dezesseis capítulos de primeira carta aos Coríntios.”141 E quem

trouxe para Corinto esta estrutura filosófica inspirada em Fílon foi um cristão chamado Apolo.

Apolo (At e 1Cor), judeu originário de Alexandria, encontrou, em Éfeso, Áquila e Priscila, que lhe ensinaram o Caminho (a doutrina cristã). Esteve em Corinto. Aí um grupo o reivindicava como “patrono” (1Cor 1, 11-12; 2,4- 6,22; 4,6; 16,12). Os partidários de Apolo apreciariam a retórica, as alegorias da eloquência e os discursos de sabedoria.142

Apolo pode ser a abreviação de Apolônio, pois embora os dicionários sejam unânimes em apresenta-lo como abreviação de Apolônio, o nome ‘Apolônio’ era muito comum em ambientais helênicos.143 Segundo Mazzarolo, “ele queria ser missionário:

140 Cf. MURPHY-O’CONNOR, J. Paulo: Biografia Critica, p. 287.

141 MURPHY-O’CONNOR, J. Paulo de Tarso: História de um Apóstolo, p. 182. 142 CARREZ, M. et al. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas, p. 81.

talvez seja essa a razão de ele, depois de ser instruído no Caminho (Jesus e seu Evangelho), despedir-se de Éfeso e ir para Corinto (At 18,27).”144

Os cristãos de Corinto não eram muitos, talvez não fossem mais que uma centena de pessoas. A sua quantidade de membros, “supomos, pois, que havia pelo menos quarenta fiéis.”145 Provavelmente não tinham a mesma origem, provinham de

etnias distintas. Pelo que tudo indica, a maioria era formada por pessoas pobres, marginalizadas e ignorantes à vista da sociedade. Assim, inicia-se ali uma comunidade cristã fundada pelo apóstolo Paulo, e que, após sua partida, foi liderada por Apolo.

Ao dizer ‘eu plantei, Apolo regou’(1Cor 3,6), Paulo confirma de modo explícito, que Apolo exerceu em Corinto um ministério posterior ao dele.”146

“Aparentemente, o cisma mais significativo em Corinto era entre os que se identificavam como de Paulo e os que afirmavam fidelidade a Apolo.147

Para Mazzarolo, Apolo está entre Paulo, Silas, Timóteo, Barnabé e Tito, como uma das grandes capacidades intelectuais dos primeiros cristãos.148 “Era um homem

eloquente, versado nas Escrituras, instruído sobre Jesus Cristo pela voz do Senhor, mas que ainda não sabia corretamente em que consistia o Evangelho.”149

Sobre Apolo, Murphy-O’Connor salienta que era formado em retórica, tinha formação intelectual avançada e poderia ser melhor que Paulo, pois o ultrapassaria num ponto, já que tivera a vantagem de ser discípulo de Fílon, o grande intelectual do judaísmo alexandrino que levava seus discípulos a uma nova perspectiva sobre a Lei, conduzindo-os a aceitar a cultura como o ambiente pagão.150

144 MAZZAROLO, I. Primeira carta aos Coríntios: Exegese e Comentário, p. 23. 145 MURPHY-O’CONNOR, J. Paulo: Biografia Critica, p. 284.

146 MURPHY-O’CONNOR, J. Paulo: Biografia Critica, p. 280.

147 HAWTHORNE, F.; MARTIN, P.; REID, G. Dicionário de Paulo e suas cartas, p. 112. 148 Cf. MAZZAROLO, I. Atos dos apóstolos ou Evangelho do Espírito Santo, p. 236. 149 MAZZAROLO, I. Primeira carta aos Coríntios: Exegese e Comentário, p. 22. 150 Cf. MURPHY-O’CONNOR, J. Paulo de Tarso: História de um Apóstolo, p. 143.

Lucas fornece três informações instrutivas: 1) Apolo é anèr logios (“homem eloquente”); 2) com respeito à exposição do AT, ele é dynatos (“forte”); 3) quanto à capacidade para citar o AT para a comunidade da sinagoga, ele é homem epideiknys, “que mostra” ser Jesus o Messias.151

Mesmo tratando-se de um nome de tipo batista ou pré-cristão, ele era um fervoroso judeu de Alexandria do Egito. “A identificação de Apolo como ‘originário de Alexandria’ (At 18,24) é significativa, pois o movimento sofístico prosperou em Alexandria durante esse período.”152 Lucas no livro dos Atos o define como um homem eloquente e muito versado nas Escrituras, cheio de fervor (At 18, 24-25). A entrada de Apolo no cenário da primeira evangelização acontece na cidade de Éfeso: tinha ido ali para pregar e ali teve a ventura de encontrar o casal cristão Priscila e Áquila, que o introduziram a um conhecimento mais completo do caminho de Deus. Conforme Murphy-O’Connor, Apolo ensinava com exatidão o que concernia a Jesus, mas mesmo assim, ele precisava de mais instrução, pois, como poderia falar com exatidão sobre Jesus, se só conhecia o batismo de João?153 Conforme Mazzarolo, o

método de Apolo estava mais próximo de João Batista ou dos cristãos alexandrinos, pois ao chegar em Éfeso, Priscila e Áquila necessitam instruí-lo melhor no caminho.154

A passagem por Éfeso caracterizou o caminho de Apolo nessa comunidade, mas pode ter criado dificuldades da mesma natureza em Corinto. Ao chegar a Éfeso (At 19,3), Paulo pergunta à comunidade sobre a sua fé, seus conhecimentos cristãos e se já haviam sido instruídos no Espírito (batizados em Jesus Cristo), mas os efésios retrucaram afirmando não terem ouvido falar sobre a existência do Espírito e haverem sido batizados no batismo de João Batista.155

Apolo, conhecedor da pregação de João, portanto, pregava um batismo de arrependimento e perdão dos pecados, preparando a vinda do Messias. Segundo

151 HAWTHORNE, F.; MARTIN, P.; REID, G. Dicionário de Paulo e suas cartas, p. 112. 152 HAWTHORNE, F.; MARTIN, P.; REID, G. Dicionário de Paulo e suas cartas, p. 112. 153 Cf. MURPHY-O’CONNOR, J. Paulo: Biografia Critica, p. 280.

154 Cf. MAZZAROLO, I. Primeira carta aos Coríntios: Exegese e Comentário, p. 21. 155 MAZZAROLO, I. Primeira carta aos Coríntios: Exegese e Comentário, p. 23.

Mazzarolo, esta pregação tinha boa aceitação nas sinagogas porque se reportava a João, pois a fama de João entre os judeus era grande e extrapolava a palestina.156

Segundo Atos 18,24-28, Apolo era judeu de Alexandria. Lucas apresenta-o em ligação com Éfeso* e com a recente partida de Paulo daquela cidade. Em Éfeso, Priscila e Aquila ouviram a pregação de Apolo na sinagoga. Ao perceber que Apolo já estava familiarizado com o batismo de João, o casal expôs-lhe “mais exatamente ainda o Caminho de Deus”.157

Essa contenda em Corinto para De Boor, são causados por um processo perfeitamente natural, pois depois que a igreja em Corinto fora fundada por Paulo e seus colaboradores, em especial Silas e Timóteo, a atuação de Apolo trouxe um novo crescimento para ela. Era, portanto, penamente compreensível que as pessoas se apegassem com gratidão especial àqueles por meio de quem haviam recebido o melhor de suas vidas. Este perigo começa apenas quando esta gratidão passa a ter um peso errado e os mensageiros de Jesus se tornam mais importante que o próprio Jesus.158

O medo de Paulo em relação a Apolo era a de relacionar conceitos filosóficos com ideias religiosas. E Paulo considerava tudo isso uma completa perda de tempo, pois ele anunciava Jesus crucificado como exemplo do autêntico homem e não via necessidade de nenhuma explanação especulativa.159

Apolo logo encontrou nicho no mundo competitivo da Igreja. A pregação era anti-intelectual. E além dos dons da oratória, tinha a capacidade de associar as coisas, de estabelecer relações entre diversos aspectos da fé. Sendo isso um dos aspectos fundamentais da educação retórica. Apolo, usando os métodos da interpretação e da filosofia de Fílon, conseguiu fazer uma boa síntese intelectual dos elementos que Paulo fornecera.160 Sendo para Fílon o corpo algo ruim, um cadáver e sempre coisa morta, não é de estranhar que eles negassem a Ressurreição (1Cor 15,12). É natural concluir

156 Cf. MAZZAROLO, I. Atos dos apóstolos ou Evangelho do Espírito Santo, p. 237.

157 HAWTHORNE, F.; MARTIN, P.; REID, G. (Org). Dicionário de Paulo e suas cartas, p. 112. 158 Cf. BOOR, W. Carta aos Coríntios: comentário esperança, p. 42.

159 Cf. MURPHY-O’CONNOR, J. Paulo de Tarso: História de um Apóstolo, p. 143. 160 Cf. MURPHY-O’CONNOR, J. Paulo: Biografia Critica, p. 282.

que os partidários de Apolo rejeitassem a pregação de Paulo sobre Jesus como Senhor Ressuscitado, entendendo Jesus como um Senhor da Gloria, puramente espiritual, e não fazendo a menor ideia sobre quem era o Jesus histórico.161

No livro dos Atos dos Apóstolos (18,28), vemos que Priscila e Áquila mostram o Caminho para Apolo, mas isso não excluiu de surgir um grupo de simpatizantes bem diferentes de Paulo e de Cefas.162

Sua forma de pregar própria convencia os judeus, provando pelas Escrituras que Jesus era o Cristo (18,28). O público alvo de suas pregações eram os judeus, por isso aproximava Jesus de João e do Judaísmo. É possível que o grupo de simpatizantes, por ser a maioria judeus, não se sentisse bem no grupo de Paulo, já que eles não o aceitaram e queriam condená-lo no tribunal romano de Galião (18,12-17).163

Paulo na Primeira Carta aos Coríntios expressa apreço pela obra de Apolo, mas reprova os Coríntios por dilacerarem o Corpo de Cristo dividindo-se, assim, em frações contrapostas.

Paulo retornou seus contatos com Corinto no fim do verão de 53 d.C., ou bem no início da primavera de 54 d.C., quando Apolo voltou de lá para Éfeso. Eles nunca tinham se encontrado. Suas personalidades eram muito diferentes, e Paulo tinha criado ressentimentos contra a presença de Apolo entre seus convertidos. No entanto, desde que se conheceram, entenderam-se muito bem. Paulo viu que suas qualidades se complementavam. “Eu plantei, Apolo regou, mas foi Deus quem fez crescer (1Cor3,6).164

Essa crise em Corinto foi que provocou o encontro entre Paulo e Apolo e que também foi necessário para que fossem colocadas em ordem as coisas, em virtude das recomendações que o Apóstolo fez a seu respeito. E mais tarde, em 1Cor 16,12,

161 Cf. MURPHY-O’CONNOR, J. Paulo de Tarso: História de um Apóstolo, p. 181. 162Cf. MAZZAROLO, I. Atos dos apóstolos ou Evangelho do Espírito Santo, p.237. 163 MAZZAROLO, I. Atos dos apóstolos ou Evangelho do Espírito Santo, p. 237. 164 MURPHY-O’CONNOR, J. Paulo de Tarso: História de um Apóstolo, p. 175.

quando Paulo pede para que ele retorne à Corinto, Apolo se negou, talvez evitando o ressurgimento de novas divisões e assim, preservando a unidade.165

Mas, não podemos concluir que aquilo que Apolo disse foi necessariamente o que seus seguidores entenderam, pois se entenderam Paulo tão mal, não é provável que tenham entendido adequadamente Apolo.166

Sem dúvida, a discussão de Paulo era mais com as implicações práticas da interpretação que eles davam a Apolo e menos com sua personalidade ou seu ensino (1Cor 16,12). Enfim, Apolo deve ter deixado Corinto e ido morar em Éfeso com Paulo porque se decepcionou com o que faziam de seu ensino.167

Muito provavelmente essa recusa de Apolo em ir ter com os cristãos daquela cidade, tenha ocorrido devido a tais tensões que existiam dentro da igreja, de modo que ele não queria alimentar esse tipo de sentimento partidário presente em alguns. Paulo tira um importante ensinamento de todo esse conflito, pois vai dizer, quer eu, quer Apolo, não somos mais do que simples ministros, através dos quais alcançamos a fé. Paulo e Apolo são simples servidores, pois aquele que planta nada é; aquele que rega nada é; mas importa tão somente Deus, que dá o crescimento (1Cor 3,6-7).168

De fato, porém, de que o serviço sempre acontece assim como “o Senhor concedeu a cada um”, o serviço e seu sucesso são diferentes. “Eu plantei, Apolo regou”. Por meio dessa ilustração Paulo não está dizendo que somente ele conquistou pessoas para Jesus e que Apolo apenas lhe teria dedicado cuidado e incentivo. Paulo acabara de designar também Apolo como “servo por meio de quem crestes”. O olhar de Paulo recai sobre a igreja como um todo, não sobre indivíduos que chegaram à fé. Para a igreja como tal, Paulo era e continua sendo aquele que “plantou” pela primeira vez. Depois veio Apolo e “regou”, de modo que a igreja cresceu visivelmente e aumentou pela conquista de novos membros.169

165 Cf. MAZZAROLO, I. Primeira carta aos Coríntios: Exegese e Comentário, p. 23. 166 Cf. MURPHY-O’CONNOR, J. Paulo de Tarso: História de um Apóstolo, p. 182. 167 MURPHY-O’CONNOR, J. Paulo de Tarso: História de um Apóstolo, p. 182.

168 PATTE, D. Paulo, sua fé e a força do Evangelho: introdução estrutural às cartas de São Paulo, p.

408.

Quando Paulo chegou a Corinto, ele semeou onde ninguém tinha anunciado a Cristo. Depois, quando partiu para Éfeso, Paulo deixou em Corinto uma igreja ainda inexperiente e Apolo foi o responsável por regar o que Paulo havia plantado. De qualquer forma, no capítulo 3 de 1 Coríntios, fica evidente o objetivo de Paulo mostrar que ambos eram apenas servos de Cristo por meio dos quais aqueles irmãos tinham se tornado cristãos.

Portanto, vê-se que eles se reconciliaram e se acertaram, pois todos existem para a igreja e a sua edificação. Onde cada um nessa edificação tem seus dons específicos que não precisa ser negado ou diminuído. Cada um tem suas incumbências, que justamente ele tem o privilégio de cumprir. 170