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Pertencimento religioso

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4. NARRATIVAS E REFLEXÕES

4.1. Pertencimento religioso

“Olha, desde pequeno eu vim participando diretamente (...). Então eu participo assim diretamente porque eu sou muito... eu prático bastante também né, por exemplo, aqui, de 400 pessoas tem grupo mais religioso, tem grupo que não é, igual na cidade também, não é obrigada você participar, ser religioso, né. Mas assim, Guarani em si todo mundo é religioso (...)” (L. B., diretor e coordenador cultural

guarani)

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Para detalhes dos pressupostos de norteiam a pesquisa em Psicologia Analítica, consultar a obra de Eloisa Penna, “Processamento Simbólico-Arquetípico: pesquisa em psicologia analítica”, em especial a parte intitulada “Diretrizes básicas para a pesquisa em psicologia analítica”, pp. 73-94.

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“Então, na verdade eu nasci dentro da religião católica, desde pequena eu participei de catequese, de grupo de crianças, de celebrações, de missas... sendo que isso se intensificou mais na adolescência com o pré jovem, primeira comunhão, mas eu sempre participei”. (K. R., católica e “leiga engajada”43)

“Meu pai frequentava a umbanda e minha mãe também tem uma ligação com a umbanda, inclusive ela se curou de um problema de ancestralidade na umbanda. (...) Gosto de cultivar as raízes da minha cultura. Acabei procurando os orixás por uma necessidade existencial, política e artística. Meu relacionamento com eles é desde o nascimento”. (R. A., ogã do Candomblé)

No início das entrevistas, os participantes foram questionados sobre sua inserção na religião, bem como o papel em sua vida do pertencimento nas mesmas. Nos relatos acima, pode-se observar a herança do pertencimento religioso, visto que muitos dos adeptos se inserem nas práticas religiosas a partir de sua família ou de algum membro familiar próximo a eles, que os apresenta e “educa” em sua religiosidade. Em sua maioria, os participantes da pesquisa relataram que o pertencimento religioso se deu através da família, já na infância, e mesmo não havendo ligação direta com a educação dada pelos pais, muito se voltaram àquela religião pela influência ou exemplo de algum familiar estimado, como os avós, por exemplo.

Alguns participantes candomblecistas, como o destacado acima, apresentam uma ponte entre a Umbanda e o Candomblé, vivenciando desde muito cedo uma experiência voltada para o campo das religiões afro, influenciando sua ida para o Candomblé, muitos em busca da afirmação de uma identidade cultural, proposta por essa religiosidade.

“Todas as coisas que os Guarani fazem é em nome de Deus. O plantio, a colheita, cerimônias de natureza, tudo em nome de Deus. O Guarani tem religião muito forte. É uma religião muito concentrada, tem a casa de reza construída dentro da aldeia. Eu faço parte da família da religião”. (A. S., professor guarani)

“Bom, na minha vida, como eu falei, a religião sempre fez parte... eu acho que até mesmo na questão da minha educação, do relacionar-se com o outro, de ter um sentido pra aquilo que se quer, ter algo pra buscar... raramente a gente vai chegar em algum lugar, então a questão da religiosidade me levou muito nesse sentido... é um sentido pra vida mesmo”.(M. L, ministro da eucaristia e do batismo)

43 Buscou-se manter a identificação de pertencimento na religião da forma como cada participante forneceu no início da entrevista.

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“Para mim a religião não é uma relação de dogmas e ritos processuais. Para mim a religiosidade é uma forma de ver o mundo. É cultural, porque é um modo de ver o mundo... os valores são diferentes da comunidade ai fora porque são valores de comunidade, coletividade, diferente dessa destrutiva do meio ambiente. Daí vem o equilíbrio com a natureza. A forma de ter as relações de trabalho, de poder, nas comunidades tradicionais é tudo diferente... a gente reza pra comer, pra comer o alimento que é sagrado e a sociedade perdeu tudo isso... a religião é isso... é a forma de se relacionar com o mundo. É um modo de vida, que traz os ritos”. (L. B.,

iaô no Candomblé)

Vemos na literatura que a atitude religiosa pode estar ligada a dois aspectos: o espiritual, que transcende as leis doutrinárias e aproxima o ser humano do sagrado, e o institucional, atrelada aos dogmas e a um conjunto de regras que, de uma maneira ou outra, simbolizam essa relação com as representações religiosas. É importante trazer à reflexão, a partir das falas acima destacadas, o valor individual e coletivo que o pertencimento religioso tem para o psiquismo humano. Segundo o que foi trabalhado no capítulo 2, em especial no item 2.3, a manifestação do sagrado na vida do homem dá-se comumente pelos símbolos que constituem a linguagem da religião, e em um sentido mais dogmatizado, distancia-se da experiência numinosa que é cerne da atividade transformadora da religio, como colocada por Jung (1987, p.10).

Em um nível coletivo, muitos dos relatos dos entrevistados trazem uma perspectiva comunitária da religião, corroborando um aspecto que Vaz assinala, que é o de promover a coesão do grupo através das crenças e ritos que trazem à tona essa noção de pertencimento coletivo em determinada religião (2014, p.). Nas falas destacadas acima pode-se ver o valor relacional dado à religião, como espaço de trocas entre os semelhantes, de socialização, onde a noção de acolhimento aparece atrelada a ideia de partilha e respeito.

Individualmente, o pertencimento religioso pode adquirir outro sentido, mais particular e “livre” de dogmas e leis que estão estritamente ligadas à institucionalização da religiosidade do homem. Antes de destacar o valor simbólico da religião para o indivíduo, cabe ressaltar que o nível coletivo da religião, relacionado com a comunidade e os grupos em que se insere, não deve ser visto necessariamente como um empecilho ao crescimento espiritual do ser humano, pois atualiza as imagens simbólicas que advêm do inconsciente coletivo e, mesmo dogmatizadas, ainda fazem ponte com o as estruturas arcaicas, básicas da vida humana, que são os arquétipos (JUNG, 1987; SILVEIRA, 1981). Busca-se, com essa elucidação dos níveis coletivo e individual, trazer à discussão um dos pontos importantes da

81 proposta do modelo metodológico pensado por Penna (2014), que assinala que os eventos psicológicos emergem tanto no contexto individual, quanto no coletivo e cultural, sendo considerados seu valor simbólico para a coletividade e a individualidade que os produz e vivencia (pp.167-168).

“Começa com os pais. Começou, começou com os pais, mas eu me mantive porque eu vi com meus próprios olhos o quando a fé realmente existe, e aí você vê o quanto a religião é importante pra que exista o equilíbrio, exista o bem estar, mas o que você realmente sente...se você não desenvolver a fé, que é uma coisa que você tem que fazer sozinho, a religião não é tão concreta assim. É o que eu penso. (C. H.,

praticante do catolicismo)

Na fala de C. H., começa a emergir uma dimensão mais pessoal do pertencimento religioso, indo ao encontro do que ele chama de “fé”, uma relação mais próxima e íntima com o sagrado para ele. Nessa entrevista, que pode ser vista na íntegra no anexo do presente trabalho, emergem alguns símbolos, algumas falas, com aspectos mais individuais dos símbolos religiosos, pois a fala do participante se distancia da doutrina, não por falta de informação, mas por uma vivência mais próxima com o sagrado, a partir de sua experiência de fé. O símbolo religioso, de pertencimento para C. H., vai ao encontro do que Jung caracteriza como verdadeira “potência”, pois está no centro de sua relação com o sagrado e é considerado importante, não mensurável, poderoso e muitas vezes, indizível através da linguagem (1987). Particularmente, a entrevista deste participante chamou a atenção pelo modo como ele se dirigia à religião da qual faz parte, com muita emoção, demonstrando respeito, orgulho e profunda admiração pela relação que tem com Deus, passando sempre pela fé. Posteriormente, o mesmo participante entrou em contato comigo pedindo que complementasse sua fala, acrescentando que: “Também gosto de ir à missa, especialmente quarta-feira. Dependendo do padre você aprende muito. Só não tente encontrar a fé na Igreja. Pra mim, você já tem que levar a sua”.

A experiência religiosa que se aproxima de um encontro mais espiritual, menos dogmatizado e em busca da transcendência, também pode ser observada no relato de outros participantes, como vemos abaixo.

“(...) eu me sinto integrado com o Todo. O mundo te desassocia... o candomblé te ensina a embelezar a vida, não omite o mistério, a fonte dionisíaca. É uma parte da beleza que não encobre a feiura, uma cultura que embeleza o corpo, a finitude,

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porque o orixá quer vir dançar... eu sinto integrado com o Todo, com o Cosmos. Daí a própria função da palavra religião né...” (R. A., ogã no Candomblé)

“(...) A minha fé me marca, mas a doutrina da minha religião não me influencia tanto. Eu acho que influencia muito a questão tradicional da família, enfim...as práticas religiosas eu mantenho, mas a doutrina da religião não me influencia tanto. Eu acho que eu vou um pouco além delas”. (K. R., católica e “leiga

engajada”)

4.2. Crenças sobre a morte

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