3 DA ORDEM ECONÔMICA: AUTONOMIA E LIMITES DOS PODERES
3.1. Políticas Locais e Políticas de Exploração de Recursos Naturais
3.1.2. Pesca e Extrativismo
Tratadas das políticas hídrica e mineraria, passaremos à análise do tratamento dado
pelos Constituintes Decorrentes às políticas extrativistas e de pesca. Antes de tratarmos das
normas constitucionais estaduais que estabelecem diretrizes de natureza econômicas voltadas a
essas atividades, cabe destacar que as políticas pesqueiras aparecem inseridas nas políticas
agrícolas, fundiárias e de reforma agrária, tanto na Constituição Federal como em algumas
Constituições Estaduais. Todavia, para fins de análise de políticas estaduais, essas foram
integradas às políticas locais por entendermos que o desenvolvimento da atividade, ao menos
considerando a forma como foi tratado pelos Estados-Membros, contou com a exploração de
recursos naturais, e eis o motivo pelo qual a exposição da análise sobre as políticas pesqueiras
se encontra integrada àquelas que dependem de fatores naturais.
Sobre o extrativismo, apesar de o país ser dotado de matas e florestas ricas numa flora
explorável extrativistamente, apenas a Constituição Estadual do Amapá tratou dessa atividade
e, mesmo assim, somente no título “Das Disposições Constitucionais Gerais” e é o artigo que
trata de açaizais, seringais e castanhais, que aparece na carta apenas para assegurar a proteção
às áreas de terras estaduais cujo potencial econômico se caracterize por essas atividades,
proibindo o seu desmembramento do território do Estado. Observa-se, no artigo 347
161, que há
um reconhecimento do Constituinte Decorrente do potencial econômico oriundo da exploração
dessas atividades, ao proteger as áreas de um possível desmembramento. Entretanto, o único
161 Art. 347. As áreas de terras estaduais cujo potencial econômico se caracterize pela exploração de riquezas extrativistas, em especial os açaizais, seringais e castanhais, não poderão ser desmembradas do patrimônio fundiário do Estado. (AMAPÁ, op. cit., art. 347).
artigo que trata delas não faz menção alguma a diretrizes estaduais de aproveitamento
econômico desses recursos.
Sobre as políticas pesqueiras, já dissemos quando da introdução desse capítulo, que
essas somente foram contempladas em Cartas Constitucionais de Estados litorâneos, mas isso
não implica afirmar que todos eles trataram da pesca nas suas Constituições. Além disso, os
Constituintes Decorrentes dos Estados que desenvolvem atividades pesqueiras fluviais foram
omissos em relação a políticas econômicas de incentivo à atividade. Trataram de políticas
pesqueiras somente os estados do Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão,
Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins. Contudo, nem todas
designaram seção ou capítulo específico para tratar da referida política, inclusive tratando da
matéria em artigos de seção ou capítulo designado para tratamento da política agrícola, agrária
e fundiária, e foi o caso das Constituições do Ceará, Pará, Paraná, Santa Catarina e Sergipe.
Independente do desígnio de secção constitucional específica ou não, algumas
Constituições trataram dessa política apenas outorgando responsabilidade ao Estado-Membro,
ao “Poder Público” ou aos “Estados e Municípios” de tutela dessas atividades, como foi a caso
da Constituição do Amapá, no seu artigo 219
162e seguintes, do Amazonas, no seu artigo 175
163,
a da Bahia, no seu artigo 197
164, a do Espírito Santo, no seu artigo 255
165, do Maranhão, no
seuartigo 201
166, a do Pará, no seu artigo 244
167, a do Paraná, no artigo 154, inciso IV, alínea
162 Art. 219. O Estado elaborará política específica para o setor pesqueiro, tendo como fundamento e objetivo o desenvolvimento da pesca, dos pescadores, suas comunidades e da aquicultura. (Ibid. art. 219)
163 ART. 175. O Estado elaborará uma política específica para o setor pesqueiro, privilegiando a pesca artesanal, a piscicultura e a agricultura através de ações e dotações orçamentárias, programas específicos de crédito, rede de frigoríficos, pesquisa, assistência técnica e extensão pesqueira, propiciando a comercialização direta entre pescadores e consumidores, promovendo zoneamentos específicos à proliferação ictiológica. (AMAZONAS. op. cit. art. 175)
164 Art. 197. A Política Pesqueira do Estado terá suas diretrizes fixadas em lei, objetivando pleno desenvolvimento do setor (BAHIA, op. cit. art. 197)
165 Art. 255. O Estado e os Municípios elaborarão política específica para o setor pesqueiro, privilegiando a pesca artesanal e a piscicultura através de dotação orçamentária, rede de frigoríficos, pesquisas, assistência técnica e extensão pesqueira, e propiciando a comercialização direta entre pescadores e consumidores. (ESPÍRITO SANTO. Constituição (1989) Constituição Estadual do Espírito Santo. Espírito Santo: Assembleia Legislativa, 1989. Disponível em: http://www.al.es.gov.br/appdata/anexos_internet/ downloads/c_est.pdf Acesso em: 05/05/20217)
166 Art. 201. O Estado elaborará plano de desenvolvimento do setor pesqueiro com o objetivo de: I - proteger e preservar a fauna e a flora aquáticas, quanto aos recursos e ecossistemas naturais; II - planejar, coordenar e executar política de proteção à pesca do ponto de vista científico, técnico e socioeconômico; III - fomentar e proteger a pesca artesanal e a piscicultura através de programas de crédito, rede de frigoríficos, pesquisa, assistência técnica e extensão pesqueira; IV - desenvolver e estimular sistema de comercialização direta entre pescadores e consumidores, com garantia do preço mínimo do mercado e seu armazenamento; V - manter linha especial de crédito para apoiar a pesca artesanal. (MARANHÃO. Constituição (1989) Constituição Estadual do Maranhão.
Maranhão: Assembleia Legislativa, 1989. Disponível em: http://www.stc.ma.gov.br /files/2013/03/CONSTITUI%C3%87%C3%83O-DO-ESTADO-DOMARANH%C3%83O_atualizada_at%C3% A9_emenda69.pdf Acesso em: 04/04/2017)
167 Art. 244. Compete ao Estado a elaboração de uma política específica para o setor pesqueiro industrial e artesanal, priorizando este último e a aquicultura, propiciando os mecanismos necessários à sua viabilização, preservação e integral aproveitamento de seus recursos, inclusive da fauna acompanhante da pesca industrial.
f,
168a de Roraima, no seu artigo 130
169, a de Santa Catarina, no seu artigo 145
170, a Constituição
de Sergipe no seu artigo 188
171e a do Tocantins em seu artigo 94
172.
Dessas, seis trataram especificamente da carência de tutela especial do pescador
artesanal, e dispõem sobre o incentivo à comercialização direta entre pescadores e
consumidores como política a ser adotada pelo Estado, e são as Constituições dos seguintes
Estados: Tocantins, Pará (que trata conjuntamente da pesca profissional, mas destaca a
priorização da tutela à pesca artesanal), a do Maranhão (com destaque a necessidade de criação
de linha especial de crédito a esses pescadores), a do Espírito Santo e Rio de Janeiro (que
também incluem o pescador profissional), e a Constituição Estadual do Amazonas (que também
compromete o Estado na elaboração de programa específico de crédito). Além das diretrizes
voltadas a tutela ao pescador artesanal, outras quatro Constituições merecem destaque por terem
ido além da superficialidade das cartas supramencionadas, e foram a Constituição Estadual do
Ceará, a do Rio de Janeiro, a do Amapá e a de Santa Catarina.
No primeiro caso, merece destaque o artigo 317, inciso VI, por expressar cautela
especial em relação à necessidade de inclusão do pescador artesanal na política agrícola do
Estado (embora pesca não trate de produção de gênero alimentício de natureza vegetal,
atividade a que o termo “agrícola” aparece normalmente associado, mas cuja discussão
deixaremos pra ocasião da análise dessas políticas nas cartas estaduais), estabelecendo como
objetivo dessa inclusão a melhoria na capacidade técnica de exploração da atividade e a
necessidade do estímulo estatal a sua organização em colônias ou projetos, com fins de
promover uma independência do pescador em relação à quaisquer “laços”. Vejamos:
(PARÁ Constituição (1989) Constituição Estadual do Pará. Pará: Assembleia Legislativa, 1989. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/243099/CE_Para.pdf?sequence=3 Acesso em: 04/04/2017). 168 Art. 154. A política agrícola estadual será planejada e executada, na forma da lei, com a participação paritária e efetiva dos produtores e trabalhadores rurais, objetivando o desenvolvimento rural nos seus aspectos econômicos e sociais com racionalização de uso e preservação dos recursos naturais e ambientais, cabendo ao Estado: IV - o estabelecimento de mecanismos de apoio: f) ao setor pesqueiro; (PARANÁ, op. cit. art. 154).
169 Art. 130. O Estado elaborará uma política para o setor pesqueiro, sobre a qual disporá a Lei Ordinária, com observância da Constituição Federal e legislação federal. (RORAIMA, op. cit. art. 130)
170 Art. 145 — A política pesqueira do Estado tem como fundamentos e objetivos o desenvolvimento da pesca, do pescador artesanal e de suas comunidades, estimulando a organização cooperativa e associativa, a recuperação e preservação dos ecossistemas e fomentando a pesquisa. (SANTA CATARINA, Constituição (1989)
Constituição Estadual de Santa Catarina. Santa Catarina: Assembleia Legislativa, 1989. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/70453/CE_SantaCatarina.pdf?sequence=13 Acesso em: 04/03/2017)
171 Art. 188. O Estado, no limite de sua competência, assegurará, em seu território, o cumprimento da legislação federal específica, relativa a proteção e estímulos à pesca. (SERGIPE, op. cit., art. 188)
172 Art. 94. O Estado elaborará política para o setor pesqueiro, privilegiando a pesca artesanal e a piscicultura para fins de abastecimento, através de dotação orçamentária, ações, programas específicos de crédito, rede de frigoríficos, pesquisa, assistência e extensão técnicas, incentivando a comercialização direta entre pescadores e consumidores. (TOCANTINS, op. cit., art. 94)
Art. 317. A política agrícola do Estado será planejada e executada na forma
da lei, com a participação efetiva dos setores de produção, envolvendo
produtores e trabalhadores rurais, e setores de comercialização,
armazenamento e de transportes, com base nos seguintes princípios: VI - apoio
ao pescador artesanal, objetivando: a) melhorar as condições técnicas para o
exercício da sua atividade; b) estimular sua organização em colônias ou em
projetos específicos, buscando eliminar os laços de dependência que lhe têm
comprometido a renda e sua condição como pescador artesanal; c)
regularizar as posses dos pescadores, ameaçados pela especulação
imobiliária; (grifo nosso)
173Diante do exposto, merece atenção especial o último objetivo da política, qual seja: a
proteção das posses destes pescadores em relação ao mercado imobiliário. A Constituição
Estadual do Ceará não especifica a que posses ela se referiu quando instituiu tal proteção.
Todavia, considerando as alíneas antecedentes, bem como conhecendo o tipo de tutela de que
necessitam pescadores e demais profissionais que depende do acesso a recursos naturais para o
desenvolvimento das suas atividades, é presumível que o constituinte se referiu aos territórios
por eles ocupados, de cujas posses dependa o desenvolvimento da sua profissão. De qualquer
sorte, inova na diretriz a Constituição Estadual do Ceará ao preocupar-se com a proteção do
pescador nessa relação de completa desigualdade, carente de um tratamento isonômico em sua
acepção substancial.
Sobre a Constituição Estadual do Rio de Janeiro, o destaque de política peculiar distinta
das demais Constituições, e que não consiste em norma de imitação da Constituição Federal é
a vedação expressa à pesca predatória com dispositivo que trata do conceito de pesca artesanal
no §2º do artigo 257
174- entendida essa como sendo a modalidade da atividade cujo executor
dela tira o seu sustento - e do conceito de pesca predatória, em artigo distinto, vejamos:
Art. 259 - É vedada e será reprimida na forma da lei, pelos órgãos públicos,
com atribuição para fiscalizar e controlar as atividades pesqueiras, a pesca
predatória sob qualquer das suas formas tais como: I - práticas que causam
riscos às bacias hidrográficas e zonas costeiras de território do Estado; II -
emprego de técnicas e equipamentos que possam causar danos à capacidade
de renovação do recurso pesqueiro; III - nos lugares e épocas interditados
pelos órgãos competentes. Parágrafo único - Reverterão aos setores de
pesquisa e extensão pesqueira e educacional os recursos captados na
fiscalização e controle sobre atividades que comportem riscos para as espécies
aquáticas, bacias hidrográficas e zonas costeiras.
175173 CEARÁ, op. cit., art. 317.
174 Art. 257, §2º Entende-se por pesca artesanal a exercida por pescador que tire da pesca o seu sustento, segundo a classificação do órgão competente. (RIO DE JANEIRO. Constituição (1989). Constituição Estadual do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Assembleia Legislativa, 1989. Disponível em: http://alerjln1.alerj.rj .gov.br/constest.nsf/PageConsEst?OpenPage Acesso em: 05/05/2017).
Observa-se que a referida Carta Constitucional cria espaço para interdição de área de
pesca, feita por órgão competente, e caracteriza a pesca nesses locais, durante esses períodos,
como pesca predatória, o que enquadra perfeitamente na conceituação genérica dessa
modalidade que é: toda aquela de iniciativa não sustentável. Além disso, também a reversão de
recursos financeiros oriundos de arrecadação de fiscalização e controle da atividade, para fins
de investimento em pesquisa e extensão pesqueira e educacional é diretriz específica da Carta
desse Estado.
Por fim, trouxeram dispositivos constitucionais relevantes em termos econômicos,
regionais e de autonomia, as Constituições do Amapá, pelo artigo que garante proteção aos
quelônios – uma espécie de tartaruga marinha típica da região, pela proximidade com a linha
do Equador - e aos crustáceos, no seu artigo 219, §2º
176, e a de Santa Catarina por estabelecer
como elemento integrador da norma sobre atividade pesqueira no litoral catarinense, “o
tamanho mínimo do pescado e quotas para a pesca amadora”
177.
Dessa forma, das Constituições que optaram por tratar da pesca, as que de fato trataram
da atividade sem se limitar a trazer uma afirmação vaga de que a pesca terá política elaborada
pelo Estado, ou de que a referida será regulamentada em lei, ofereceram tutela estatal à pesca
artesanal – e essa proteção aparece em um número razoável de Constituições -, associada à
viabilização ao comércio direto entre pescadores e consumidores, também como medida que
terá apoio público. Além dessas, também em outras Cartas foram encontrados artigos cujo
conteúdo manifesta potencialidades regionais ou locais, a exemplo da Constituição do Amapá,
ao tratar das tartarugas marinhas, e da Constituição do Ceará ao garantir proteção dos
pescadores em relação ao mercado imobiliário em desenvolvimento no Estado.
Em contrapartida, sobre a política extrativista, conforme já mencionado, apenas a
Constituição Estadual do Amapá dispôs sobre recursos dessa natureza, e ainda sim restou
ausente um tratamento de natureza econômica à matéria, limitando-se, o Constituinte
Decorrente, a proteger o Estado de possível perda de território com potencial extrativista, e no
capítulo que trata das disposições finais da sua Carta. Encerradas as análises sobre extrativismo
e pesca, passemos ao estudo das disposições constitucionais estaduais que trataram do turismo.
176 § 2º Incumbe ao Estado criar mecanismos de proteção e preservação de áreas ocupadas pelas comunidades de pescadores, sua cultura e costumes, bem como as áreas de desova e do crescimento de espécies de peixes, crustáceos e quelônios. (AMAPA, 1989).