• Nenhum resultado encontrado

Pescadora profissional em seu momento de lazer Beira Rio São Gonçalo do Abaeté

Mesmo admitindo que articular entre os afazeres domésticos e o trabalho com a pesca exige mais esforços devido à duplicidade da jornada de trabalho, elas sentem-se realizadas profissionalmente, porém dificilmente recebem o reconhecimento de sua capacidade produtividade. O trabalho doméstico é entendido como um ciclo que a cada dia se repete. No entanto, as tarefas diárias da casa não são reconhecidas como trabalho e somente são notadas como importantes quando não são feitas. Em algumas pesquisas, essas relações evidenciam-se, como por exemplo, nos trabalhos de Lago (1983) e Welter (1999) foi ressaltado que os afazeres domésticos não eram considerados trabalho pelos sujeitos e, muitas vezes, quando se pergunta a uma mulher se ela trabalha, ela geralmente diz que não, que cuida da casa, ou diz que ajuda o marido. Dificilmente ela coloca os serviços que realiza na roça ou na mata como um trabalho. Os entrevistados consideram trabalho, em geral, as atividades que geram renda. Efetivamente, se os resultados das atividades não se colocam na circulação de mercadorias, ela não pode ser considerada trabalho. Isto é, o

que é criado retrata para essas mulheres valor de uso e não valor de troca, mas quando se pensa em valor de troca, pensa-se em dinheiro, em valores. No entanto, nessas atividades o dinheiro, este equivalente de troca, está presente implicitamente.

No entanto, um dos pensamentos internalizado por estas mulheres é que os rendimentos conquistados por elas no trabalho são apenas uma forma de complementação do orçamento doméstico, o que justifica as diferenças salariais, mesmo quando inseridos em funções semelhantes de trabalho. Outro argumento que deve ser levado em conta para justificar a diferença salarial entre homens e mulheres refere-se à média menor de horas trabalhadas pelas mulheres, fato explicado novamente pelas obrigações familiares. “À medida que não existem equipamentos sociais que a aliviem das tarefas domesticas e dos cuidados com os filhos pequenos, ela vai ser forçada a trabalhar menor número de horas não porque quer, mas porque precisa” (Barroso, 1982, p. 28).

Foi no bairro Beira Rio em São Gonçalo do Abaeté28 e no distrito de Barra do Guaicuí, município de Várzea da Palma e em Ibiaí que se identificou um maior número de mulheres que tinham, no trato com o rio e com a pesca, uma representação diferente e muito valorizada. Uma relevante dimensão do trabalho produtivo refere-se à forma como homens e mulheres relacionam-se com o dinheiro, base da economia de mercado, símbolo e recurso de poder. Nos depoimentos a seguir, as mulheres atribuem valores monetários ao seu trabalho e gerenciam parte da renda obtida através do trabalho da pesca, permitindo-as comprar, por exemplo, produtos de beleza com seu próprio dinheiro:

28

Cabe ressaltar, que apesar de Três Marias ter um número representativo de mulheres pescadoras com carteira para profissional, isto não é condição para que as mesmas exerçam tal função. Assim, como exercer alguma atividade ligada à pesca era um fator si ne qua nom para integrar a amostra, as pescadoras de Três Marias não foram incluídas devido à dificuldade de encontrá-las em suas residências e/ou quando encontrada, a mesma apenas possuía a carteira de pescadora, mas não exercia nenhuma atividade e encontravam-se desempregada. Dessa forma, podemos ressaltar que o nível de desemprego maior para as mulheres indica uma disposição das mulheres em trabalhar fora de casa. Ao mesmo tempo, indica também maior dificuldade em se inserir no mercado.

“Eu trabalho, posso trabalhar o dia inteiro, mas à noite quero ir

para o rio pescar! Nem que eu vá cansada! Eu pesco porque preciso! É um dinheiro que eu ganho! Compro o creme para mim, roupa para as meninas, então ajuda bastante! De vez em quando tem que comprar coisas para dentro de casa [...] Se meu marido tiver dinheiro ele dá (para a compra dessas coisas), mas toda a minha vida gostei de ser assim, independente! Eu prefiro que seja assim! Aquele barco ali, eu comprei, o motor também, já paguei a primeira prestação! Comprei com a minha pesca! Paguei mil e quatrocentos reais, eu pescando e trabalhando (nos afazeres domésticos). E olha que eu olho a casa aqui do lado, trabalho para fora além de tudo! Ali trabalho como faxineira, como caseira. Em casa, no rio, tenho gosto de trabalhar, não me aquieto não! Mas é também porque eu gosto, não é porque eu seja obrigada a ir para o rio. Vou, porque estar no rio é a melhor coisa que tem, é um refúgio onde me sinto bem!” (Rosa, 43 anos, São Gonçalo do Abaeté, bairro Beira

Rio/MG).

Esse ano eu já pequei uns 100 kgs de peixe: surubim, dourado, Curimatá, tudo que é tipo de peixe. (...) Eu chego, limpo os peixes, mas é a mãe que vai vender os peixes porque ela sabe o lugar mais a apropriado para vender, aqueles que paga mais caro e aí eu ajudo ela em casa a fazer o serviço. Com o dinheiro eu ajudo ela com a feira, com as coisas que precisa comprar e o resto do dinheiro eu vou guardando para caso eu precisar comprar remédio, as minhas coisinhas”. (Leonor, 21 anos, Ibiaí-

MG).

Por não exigir horários rígidos como o faz o assalariamento em estabelecimentos industriais, comerciais e públicos ou em casas de família, muitas mulheres pescadoras preferem trabalhar em suas casas realizando o processo de filetagem dos peixes e fazem questão de gerenciar a renda obtida:

“Eu, por exemplo, eu sou pescadora artesanal, eu trabalho com peixe, mas não mais no rio, hoje eu prefiro ficar trabalhando em casa. Eu compro o peixe da mão do meu marido e de outros pescadores e trabalho o peixe: limpo, tico, faço os filés e embalo os peixes, vendo e ganho a minha renda. O dinheiro fica para mim mesmo, mas eu compro as coisas para casa, ajudo pagar as contas e compro minhas coisinhas[...]. Eu ganho 0,40 centavos por quilo do filé. Eu vendo para o Posto Beira Rio e para a pousada Mar Doce”. (Natália, 46 anos, Beira-Rio).

Nas fotos a seguir, é possível verificar todo o processo produtivo e o gerenciamento do trabalho dessas mulheres da pesca:

Foto 77: O peixe é comprado da “mão do marido” e