• Nenhum resultado encontrado

Maria do Carmo Saraiva Elaine Cristina P. Lima Julieta Camargo Furtado Andresa Silveira Soares

Introdução

Iniciar um texto sobre dança dizendo que ela tem sido considerada a mais antiga manifestação de movimento do ser humano já virou clichê, principalmente, nos textos acadêmi- cos, mas este registro serve para constatarmos uma contradi- ção presente no universo do conhecimento sobre a dança: se, por um lado, diversos autores concordam sobre a dimensão histórica da dança, por outro, afirmam que a mesma tem sido pouco explorada como objeto de estudo no meio acadêmico (LEVIN, 1983, SARAIVA 2003, LOMARDO, 2005, entre ou- tros). Para Rudolf Laban (1990), diferentemente das outras manifestações artísticas (a exemplo da pintura, arquitetura, poesia, entre outras, que deixaram vestígios), a dança, em sua história, não deixou muitas marcas, por se tratar de uma expe- riência essencialmente corporal. Por isso, existem poucos escri- tos sobre a dança: “a herança total da arte do movimento, ao longo da história, é tão escassa que dificilmente poderia ocor-

rer ao grande público que existe uma relação entre vida social e dança.” (Ibid, p. 10). John Martin (2007), se referindo aos estudos em dança nos EUA, em escritos da década de 1930, dizia que "Não há qualquer literatura em inglês sobre dança, a não ser sobre aquela que trata das formas antigas já abando- nadas pelos artistas de vanguarda; assim, os espetáculos pro- priamente ditos, são a única fonte de luz sobre o assunto...” (Ibid, p. 230) considerando, todavia, este autor, que a única fonte confiável para elaborar esta teorias seria a prática dos “melhores artistas” (ibid).

O interesse e os estudos mais sistematizados sobre a dan- ça são muito recentes; surgem juntamente com a modernidade, que influenciou as novas formas de movimento e consequentemente de dançar. A dança moderna, por exemplo, surge com a industrialização, com o aparecimento das máqui- nas e a necessidade do homem em se adaptar a essas novas formas de movimento e de vida em sociedade (LABAN, 1990). Se antes a dança (clássica) representava a corte com suas cons- truções sobre formas arbitrárias, tradicionais e fixas, agora importa rebelar-se contra o esteticismo frio deste sistema e uma destas formas é representar a vida dos operários, ora como meio de conscientização do movimento, ora como compensa- ção pelo trabalho.

No entanto, acreditamos que a dança tem percorrido um caminho paralelo à vida, desde a idade primitiva até a idade contemporânea e, nessa relação, a vida e a dança se distanci- am, se cruzam, se entrelaçam (a vida imita a arte ou a arte imita a vida?). A dança é considerada a prima pobre da arte e, como tal, seu reconhecimento é muito recente, restando ainda, uma considerável confusão a esse respeito tanto para o público como para os/as bailarinos/as. Esta preocupação, ainda nos dias de hoje, pode ser ilustrada pelos argumentos de Martin (1930).

É provável que em certas instâncias a dança apresente um desvio de padrões aceitos, porque tem sido esquecida – na verdade, detida propositadamente. Isso parece um pouco difícil de entender, quando percebemos que a dança, entre todas as artes, é a única que cria formas no tempo e espaço, simultaneamente (Ibid, p. 246).

Pensar a dança é pensar em arte e, nesse sentido, Gonzáles (2005), lembra-nos que as artes, assim como o esporte, se co- locam a serviço de uma ideologia. Dessa forma, podemos dizer que não existe neutralidade nas expressões artísticas, pois ao longo da história podemos perceber que a arte ora se aproxima e reproduz a sociedade vigente, ora se distancia se contrapon- do a esta mesma sociedade. Assim acontece com a dança: por vezes é apresentada com movimentos estereotipados, ditando as formas de dançar, de se movimentar, de se expressar, como é o caso das danças divulgada pela mídia e copiada pela maio- ria das pessoas. Em outras vezes ela se apresenta de forma crí- tica, reflexiva, confrontado, rompendo e denunciando os dita- mes da sociedade e as formas de movimentação alienadas.

No Brasil, apesar de sua obrigatoriedade no ensino regu- lar desde a LDB – Lei de Diretrizes e Bases – (1996) e nos PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais – (1998), a dança, na maioria das vezes, tem sido negligenciada, embora tenha- mos presenciado o esforço de muitos profissionais no cumpri- mento destas solicitações. Um estudo recente (LARA, M.L.; RINALDI, I. P. B.; MONTENEGRO, J.; SERON, T. D., 2007)

vem confirmar aquilo que professoras e pesquisadoras1 da dança

já conhecem. Ao realizarem um estudo a partir das aborda- gens metodológicas da educação física brasileira, o grupo do mencionado estudo concluiu que existe uma lacuna acerca do

1 É notório ser a produção acadêmica sobre a dança realizada por mulheres, sem negar-se a produção de alguns pesquisadores homens; por isso, optamos aqui pelo registro no gênero feminino.

trato pedagógico da dança nas principais correntes teóricas da área, indicando a necessidade de outros alicerces para o de- senvolvimento do conhecimento em dança na educação física brasileira.

Na pesquisa-ação que desenvolvemos em 2006 com pro- fessoras e professores da Rede Municipal de Ensino de Floria- nópolis, constatamos a existência de diferentes olhares e con- cepções sobre a dança, aspecto abordado e muito significativo nesta pesquisa. Percebemos, também, certo senso comum em relação ao ensino da dança, que entende, por um lado, que qualquer um pode ensinar a dança na escola e, por outro, que não possuem a formação necessária, aspecto que foi analisa- do no artigo anterior a este, referente à mesma pesquisa e pu- blicado no primeiro volume desta coletânea.

O senso comum e a negligência com a dança no ensino formal são heranças de um campo de conhecimento que não tem reconhecimento em si mesmo, em que não existem muitos estudos relacionados e em que os professores não tiveram a formação necessária. Em decorrência disso, nossa preocupa- ção neste estudo é trazer reflexões sobre esta temática, abor- dando a compreensão da dança e seus significados, na relação com os contextos que emergiram nas vivências, como elemen- tos interdependentes na influência que exercem no seu trato pedagógico, e que poderá subsidiar a análise de sua prática em variados ambientes da Cidade.

Apesar de haver ainda pouca produção científica na área da dança-educação, como já constatado, temos o conhecimento de alguns grupos de pesquisadores de universidades que vêm desenvolvendo um trabalho no sentido de buscar elementos metodológicos para o ensino sistematizado em dança nas es- colas brasileiras e não podemos deixar de mencionar o número

crescente de publicações de estudos advindos de experiências práticas em dança na escola. Exemplo disso é a realização desta pesquisa no âmbito Universidade-Escola, que proporcio- nou a formação de cerca de 30 professores da rede municipal de ensino de Florianópolis, mostrando que a dança pode e deve ser ensinada pelos professores e vivenciada pelos alunos, não somente no espaço escolar, mas também na suas vidas

diárias2. Além disso, esta mesma pesquisa deu subsídio para a

construção de dois artigos: o primeiro com o enfoque para a formação dos professores que traz uma análise de paradoxos existentes na relação entre a dança, a formação de professores e o lazer, dança e educação, dança e espaço físico e dança e lazer; o segundo, este escrito, irá focar o significado e percep- ção da dança, a partir dos olhares dos participantes da pesqui- sa, procurando-se, também, refletir relações entre a dança e a mídia, assim como entre a dança e a educação física.

No documento A prática teorizada e a teoria praticada (páginas 103-107)