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3 METODOLOGIA: DEFININDO AS REGRAS DO JOGO

3.1 Pesquisa-ação e educação escolar

Segundo estudos de Pereira (1998), na década de 40, o professor Kurt Lewin, utilizou pela primeira vez a expressão “pesquisa – ação” para designar seus trabalhos sobre as relações humanas, com atenção especial para possíveis mudanças de atitudes e julgamentos e também a melhoria dessa relação; o princípio que norteou seus trabalhos e lhe conferiu característica inovadora, foi o impulso democrático e participativo, com vistas às mudanças sociais.

Ainda para Pereira (1998), de nada adiantaria trabalhar com a pesquisa-ação se a preocupação não estiver voltada para a prática reflexiva coletiva, não mais individual e sem contexto. A pesquisa-ação com professores deve ser uma atividade feita em grupo, visando uma melhora na prática docente, passando por reflexões e ações, num processo contínuo, aclarando e

diagnosticando uma situação prática ou um problema prático que se quer melhorar ou resolver, formulando estratégias de ação, desenvolvendo essas estratégias e avaliando sua eficiência, ampliando a compreensão da nova situação e procedendo aos mesmos passos para uma nova situação prática. Nessa nova perspectiva, muitos trabalhos com a pesquisa-ação foram desenvolvidos sempre procurando conhecer e atuar, sem se limitar a um já saber existente, o que caracterizaria a pesquisa aplicada.

A partir dessas reflexões iniciais, retomamos o objetivo da pesquisa-ação, que não se limita à resolução de algum problema prático, mas também busca melhorar a atividade prática, seja ela educativa ou não. No nosso caso, a pesquisa-ação tem papel fundamental no apoio à superação do binômio “teoria – prática”, “educador – investigador”.

Pereira (1998, p. 164) apresenta, de forma clara, algumas características da pesquisa-ação:

- ser uma estratégia associada à formação das pessoas envolvidas nela;

- centrar-se sobre atuações históricas e situações sociais percebidas pelos professores como problemáticas e passíveis de mudanças;

- compreender o que está ocorrendo a partir da perspectiva dos implicados no processo: professores, alunos, pais, direção; - reelaborar discursivamente as contingências da situação e estabelecer inter-relações entre as mesmas.

Vale lembrar que, todo o processo que envolve a pesquisa-ação gera teorias e hipóteses que não precisam necessariamente de uma validação científica, mas devem ter uma relação direta com a ação prática, “para ajudar o professor a atuar de modo mais inteligente e acertado” (PEREIRA, 1998, p. 166). Isso não quer dizer que não devamos dar importância à teoria, mas sim,

abstraí-la de forma útil, para que o professor possa utilizá-la como uma sabedoria prática.

Muitos processos acabam sendo unificados com a utilização da pesquisa-ação, e não necessariamente o professor precisa desenvolver-se primeiro, geralmente por meio de cursos e estudos, para depois implementar essas mudanças em suas aulas. A avaliação, o currículo, a pesquisa, o processo de ensino e demais aspectos ligados à prática pedagógica acabam por se entrelaçar quando a ação colaborativa acontece, transformando a relação entre pesquisadores e professores em professores-pesquisadores. Vale ressaltar que essa não é uma preocupação da pesquisa aqui desenvolvida, mas que, com o processo, pode despertar essa vontade nos professores envolvidos. Elliott (apud PEREIRA, 1998, p. 168) alerta que muitos acadêmicos esquecem de valorizar as concepções dos professores sobre educação, conhecimento, aprendizagem bem como o contexto institucional e social de suas práticas para poder aplicar esse tipo de pesquisa, transformando-a em uma série de procedimentos mecânicos e técnicos padronizados.

Procurando criar uma relação direta entre a prática e a pesquisa, podemos dizer que, segundo Elliott (apud PEREIRA, 1998, p. 170), há a possibilidade de solucionar a dicotomia teoria - pratica por meio da pesquisa- ação. Muitos professores procuram agir rapidamente frente a algum problema que surge em suas aulas, fazendo, quando o fazem, uma reflexão posterior para saber se essa ação foi positiva, ou seja, a compreensão do problema se dá com uma nova prática, mesmo assumindo a possibilidade de erro nessa

nova prática. O problema prático do professor passa a ser a relação teoria- prática e não somente a teoria, já que essa teoria sempre foi elaborada por uma minoria que “detém o conhecimento”, suas generalizações seriam abrangentes e aplicar-se-iam a todos os contextos práticos. Enfim, pode-se dizer que cabe ao professor resolver o problema da relação entre essa “teoria” e a atuação “prática”.

Muito poderia ser desenvolvido sobre a relação teoria – prática e pesquisadores – professores, o que não é o caso nesse trabalho, mas vale ressaltar que minha posição simultânea de professor que encontrou um problema em minhas aulas, e de pesquisador que procura soluções para esses problemas, de forma alguma tem o interesse em criar “novas teorias”, mas sim, mostrar novas possibilidades para diferentes contextos educacionais, assumindo, assim, a possibilidade do erro como forma de superação e reflexão para uma nova ação pedagógica. A dinâmica de desenvolvimento da pesquisa procurará respeitar o professor e suas opiniões como o verdadeiro ator de mudança pedagógica e social. O envolvimento dos professores que participarão nesta pesquisa incluirá leitura de textos, participação na elaboração das aulas e na avaliação dos resultados.

Outra contribuição importante nesse debate provém de Dickel (1998, p. 34), ao evidenciar a importância do professor-pesquisador, pois a pesquisa é uma forma de o professor tomar para si o trabalho que desenvolve na busca de uma “sociedade mais justa e de alunos críticos e criativos para um mundo alternativo”. Citando Zeichner (apud DICKEL, 1998, p. 39), a autora reconhece as dificuldades em se trabalhar propostas em que os professores

das escolas são somente os executores apáticos de concepções e criações advindas de outros meios, bem como mostra as possibilidades de desenvolver projetos que se iniciem a partir de conhecimentos prévios dos professores, juntamente com suas experiências. Mesmo assim, não podemos deixar de lembrar, que nosso país ainda possui um sistema de ensino, seja ele público ou privado, ao qual recorrem todos aqueles que buscam a escolarização e, também, no qual as crianças e jovens experimentam as rápidas transformações de um mundo globalizado ao capital. Por isso, a autora entende que os professores, “culturalmente enclausurados” (DICKEL, 1998, p. 41) nesse sistema de ensino, sofrem um processo de empobrecimento, tanto econômico como de reconhecimento social; defende, então, a busca da melhoria e valorização de sua condição de docentes, por meio da formação do professor-pesquisador, engajado na busca de “uma pedagogia e de uma escola que consigam trabalhar nesse meio adverso” (DICKEL, 1998, p.42).

Antevendo esse ponto de vista otimista, em seus trabalhos nas décadas de 60 e 70, o educador inglês Lawrence Stenhouse (apud DICKEL, 1998, p.44), já acreditava na capacidade dos professores, potencializada pela colaboração mútua entre pesquisadores e professores, entendendo a concepção de currículo como “um conjunto de procedimentos hipotéticos” (apud DICKEL, 1998, p. 45), no qual os professores poderiam transformar idéias educativas em ações educativas. Esse ponto de vista de Stenhouse entende o currículo não como um projeto, mas como o que ocorre na aula, como processo.

Aliando os conceitos de currículo de Stenhouse, à sua visão de emancipação, como “chave que abre o pensamento”, e autonomia, para trilhar esse caminho, o professor terá que passar pela perspectiva do pesquisador, e respeitar dois princípios :

1) a pesquisa do professor deve ser vinculada ao fortalecimento de suas capacidades e ao aperfeiçoamento autogestionado de sua prática;

2) o foco mais importante da pesquisa é o currículo, o meio através do qual se transmite o conhecimento na escola. (STENHOUSE apud DICKEL, 1998, p, 46).

A partir desses princípios Dickel (1998, p. 50-51) caracteriza a teoria da ação educativa hipotética de Stenhouse como:

provisória, submetida continuamente à revisões e à crítica, desenvolvida sistematicamente por meio de experimentos realizados em laboratórios: uma autêntica classe a cargo de professores e não de pesquisadores. A pesquisa adequadamente aplicável à educação é a que desenvolve teoria que pode ser comprovada pelos professores. É nesse contexto que se faz necessário o Professor como pesquisador, movido por indagação sistemática, tomando a sua prática da mesma forma hipotética e experimental. (...) a teoria da ação é claramente comprovada pela pesquisa na ação. Dessa forma torna-se educativa à medida que pode se relacionar com a prática, através da mediação de uma teoria pedagógica, ou da ampliação da experiência que informa a prática ou da pesquisa – ação – instrumento para explorar características de determinada situação – ou tudo isso.

Espera-se com todo esse processo, que o desenvolvimento profissional seja alcançado pois, segundo Stenhouse (apud DICKEL 1998, p. 55), esse desenvolvimento é um processo educacional, podendo concretizar-se com a busca do professor por compreender sua prática, “as situações

concretas que surgem em seu trabalho, isto é, da sua capacidade de investigar sua própria ação”.